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Opinião

As condicionantes macroeconómicas do crescimento interno

Laboratório Económico

Ainda hesitei se o título do meu artigo não deveria ser A MACROECONOMIA A CONDICIONAR A MICROECONOMIA, apesar de estar convencido de que a estabilização macroeconómica a qualquer preço está a condicionar e a prejudicar a microeconomia: diminuição do consumo privado, abrandamento do investimento privado, diminuição do valor agregado da economia empresarial - falências de empresas, abrandamento da produção, diminuição da produtividade - e agravamento do desemprego.

O modelo de crescimento com redistribuição do rendimento não está nem nas declarações de política económica, nem nos mais importantes programas do Governo: através do aumento de salários (incluindo o salário mínimo nacional), incremento das pensões e do valor das transferências sociais, melhoria e ampliação (com eficiência) dos serviços sociais de saúde, introdução do subsidio de desemprego e diminuição da carga fiscal conseguir- se-iam efeitos mais imediatos e duradouros sobre a taxa de crescimento do PIB.

São relativamente abundantes casos de sucesso da aplicação deste modelo. A produção interna não está a aumentar, apontando os mais recentes ajustamentos na capacidade de crescimento da economia nacional para uma perda de velocidade em relação ao previsto: o ministro da Economia e Planeamento, na apresentação do PDN aos militantes do MPLA neste último fim-de-semana, aponta para uma taxa média anual de crescimento do PIB de 3% até 2022; algumas agências internacionais alinham pelo mesmo diapasão, colocando-a em 2,6%.

São muitas as empresas nacionais em grandes dificuldades devido à política cambial e fiscal do Governo, havendo falências, redução de actividade produtiva e despedimento de trabalhadores. Empresas estrangeiras queixam-se das presentes dificuldades de ajustamento provocadas pelas políticas financeiras públicas, sendo um exemplo a Shoprite, a gigante da distribuição sul-africana, que registou em 2017, e devido à política de desvalorização, uma acentuada quebra nos seus lucros, pela primeira vez em 19 anos de actividade em Angola.

De resto, não são detectáveis sinais claros de que o agravamento da pauta aduaneira (1) (substituição de importações pela via administrativa e não pela da competitividade estrutural) e a política cambial de desvalorização tenham constituído estímulos suficientemente fortes para o aumento da produção interna. E é evidente que assim aconteça, porque muito mais importantes e eficazes do que estes encorajamentos nominais e monetários estão os incentivos materiais, como boas estradas (primárias, secundárias e terciárias), electricidade, água, irrigação, trabalhadores eficientes.

Com menos produção e perante uma procura inalterada(2) , a subida dos preços tem de acontecer, não compreendendo, por isso, que a relação entre desvalorização cambial e desvalorização interna por efeito da inflação tenda a ser esbatida, na perspectiva de algumas instituições públicas angolanas. A não ser que, pelos efeitos de arrastamento tão peculiares nas economias, se proceda ao ajustamento em baixa da procura interna, podendo significar a não satisfação de demandas básicas da população.

Acresce que uma política de desvalorizações sucessivas e contínuas da moeda nacional face às principais moedas externas pode implicar um aumento da dívida pública, só, eventualmente, contrariado por reduções expressivas dos défices orçamentais ou criação de excedentes fiscais.

A redução/eliminação das chamadas "gorduras" do Estado, pode ser uma via para se reduzir a excessiva presença do Estado na economia (ponto de vista controverso). Em tese, todos os países, nas suas contas públicas, apresentam "gorduras" e muitos deles são objecto de lipoaspirações profundas e eficazes. As instituições públicas são geradoras de vícios, atropelos, duplicações e triplicações de gastos, baixa eficiência, etc. Em todo o mundo. Só que em alguns as mentalidades, as vontades e os patriotismos são diferentes.

Desengordurar as finanças públicas em Angola é tarefa muito difícil, devido à incidência de uma corrupção galopante, à verificação de traficância de influências, à existência de troca de favores e mesmo às atitudes de muitos governantes, que continuam a olhar para o exercício das suas tarefas e responsabilidades como uma forma e um caminho de enriquecimento pessoal, mesmo que mais lento nas presentes condições de o Presidente João Lourenço pretender atacar (erradicando?) estes problemas.

Este "bichinho" de se continuar a utilizar as instituições do Estado de elevador para a acumulação pessoal de renda e fortunas continua presente. Evidentemente que não compete ao Fundo Monetário Internacional levar à prática estas reformas (estruturais em alguns casos), mas o compromisso que o Governo assumir para com esta instituição financeira internacional tem de ser para levar a sério. Entendo que este programa de ajustamento macroeconómico com financiamento não se pode consumar em 3 anos, devendo ser repetido até ao final da legislatura.

A mudança de mentalidades só acontece no longo prazo e continuando o MPLA a exercer o poder político legitimado pelas eleições de Agosto de 2017, este longo prazo vai ter de ser muito mais longo: o que não foi capaz de fazer em 43 anos, não vai acontecer em 5 anos.

Outra matéria controversa é a do corte/eliminação dos subsídios aos preços dos combustíveis, "velha" proposta do Fundo e que o anterior Governo levou à prática com as consequências sociais que então emergiram.

Se a sua existência pode configurar, de certa forma (e só de certa forma e não de um modo generalizado), um acesso assimétrico e desigual ao rendimento nacional, a sua remoção afectará muitas franjas da população e bastantes sectores de actividade produtiva, como a indústria transformadora (ainda movida a vapor dos geradores), a agricultura prejudicada pela falta de mecanização (um factor de incremento da sua produtividade) e os transportes em geral, especialmente os que garantem a ligação entre os centros de produção e os de consumo ou transformação.

Se é verdade que a sua eliminação/ redução substancial melhora os saldos orçamentais (numa hipótese de coeteris paribus) e empresta maior transparência aos mecanismos de formação de preços (os preços dos combustíveis inserem-se numa longa cadeia de relacionamentos que pesam sobre a produção nacional), é muito duvidoso que essas poupanças públicas possam ter aplicações mais eficientes, como, por exemplo, na educação e na saúde.

O problema destes sectores públicos não é tanto a insuficiência de fundos, mas a sua eficiente utilização, afectada pela generalizada corrupção(3) e tráfico de influências. É verdade que Angola ainda está longe de atingir os rácios orçamentais internacionalmente recomendados quanto às despesas educativas e com a saúde (na estrutura de custos orçamentais e em relação ao PIB). Porém, nada garante, à partida, que a transferência dos subsídios aos preços dos derivados de petróleo para a educação e a saúde melhore a quantidade e a qualidade dos respectivos serviços disponibilizados à população e à sociedade em geral.

O alfa e ómega da eficiência da transferência é a eliminação da corrupção e tráfico de influências só visualizável a longo prazo, já que a sua dimensão horizontal (em todos os sectores) e vertical (do topo à base) dificultam muito o consequente combate. Assim sendo, o seu efeito mais directo e imediato será apenas sobre as contas públicas, diminuindo o seu défice e a necessidade de financiamentos com criação de dívida pública.

Olhe-se agora o lado das receitas fiscais, com reclamações constantes dos empresários e famílias sobre a exagerada carga fiscal e a actuação quase policial da AGT. De que modo se pode estimular a produção nacional e o investimento privado nestas condições? Ou o FMI recomendará a redução de impostos dentro do que tradicionalmente é conhecido por "supply side economics", ou seja, o fomento da actividade produtiva privada pela via da redução de custos financeiros? Será o IVA a solução para um alívio da carga fiscal sobre as famílias e empresas e o instrumento fiscal que melhor garante a simplificação do modelo fiscalista existente e uma maior justiça tributária?

Há muitas dúvidas sobre a eficácia e oportunidade do lançamento deste imposto nas presentes condições. No entanto, acredito que o IVA vai ser implementado, anunciado para 2019.

Notas
(1) Os índices de protecção nominal e de protecção efectiva sinalizam que a economia angolana é das mais protegidas do mundo e das mais fechadas ao livre comércio internacional.

(2) O consumo das famílias, em termos reais, tem vido a perder poder de compra desde 2014 (efeito conjugado inflação/desvalorização do Kwanza) sendo duvidosa a possibilidade de se contruir um mercado interno com dimensão económica suficientemente estimuladora do investimento privado. A "fuga" para as exportações e sua diversificação torna-se, cada vez mais, na saída mais airosa para o estrangulamento e degradação do poder de compra nacional.

(3) Nestas breves notas já referi várias vezes a corrupção. O Governo e o seu Presidente têm afirmado inúmeras vezes (e também o MPLA) que o combate vai ser cerrado. Aplaudo, claro. Mas de que maneira se vai fazer essa peleja, quando não se sabe onde acontece, que agentes estão envolvidos, de que modo se opera, o seu montante, etc. Não é altura de o Governo e o MPLA fazerem um estudo sério sobre este fenómeno - que adultera consciências e mentalidades, consome energias e recursos e dá uma péssima imagem externa do país - e publicá-lo numa espécie de Livro Branco da Corrupção? Assunto delicado, mas coragem política não pode faltar quando se apregoa aos quatro ventos que um deles é o da mudança radical. Ou estarei é a ser excessivamente optimista?

Alves da Rocha escreve quinzenalmente