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Opinião

Substituição de importações e linhas de crédito

Laboratório Económico

As exportações de produtos angolanos são cada vez mais difíceis num mundo cada vez mais globalizado e competitivo e, por isso, o modelo de substituição das importações deve ser aplicado transitoriamente enquanto não se reúnem capacidades e competências para se disputarem franjas dos mercados internacionais.

A substituição das importações requer a criação de um mercado interno com suficiente dimensão económica, de modo a permitir a redução dos custos de produção, que são elevados em Angola em domínios cruciais, como água, energia, rodovias e ferrovias, produtividade do trabalho.

As linhas de crédito podiam ser uma fonte de financiamento de substituição de importações, se não tivessem as condicionalidades que as caracterizam, levando, na grande maioria dos casos, a concluir que em muito pouco (para não dizer "em nada") ajudam a produção nacional.

Durante a recente visita do primeiro ministro português a Angola, foi anunciado o reforço da linha de crédito de Portugal em 500 milhões de euros (passando, assim, para 1500 milhões), mas com uma ressalva importante, "para reforço das exportações portuguesas para Angola". É para isto que todas as linhas de crédito servem, para apoiar a actividade económica dos países concedentes. Aliás Angola, nos anos mais difíceis da economia portuguesa, ao manter (e mesmo aumentar) as suas importações de Portugal contribuiu para evitar males maiores em matéria de desemprego e saldo da sua balança comercial.

Outro caso é o, igualmente recente, empréstimo do Commerze Bank alemão de 500 milhões de euros, de onde se vai retirar uma tranche (creio que de 70 milhões de euros) para reabilitar os edifícios onde estão os serviços consulares e diplomáticos de Angola na Alemanha, trabalho a ser realizado por uma empresa alemã. Ou seja, já não são 500 milhões que poderiam entrar no sistema bancário nacional. De resto, esta é a filosofia das linhas de crédito: financiam o fornecimento de bens e serviços prestados pelas empresas nacionais desses países, sem que o dinheiro entre nos países receptores. É só uma questão de contabilidade.

As linhas de crédito chinesas são o exemplo paradigmático de todos os defeitos desta modalidade de suposto financiamento das economias nacionais. As linhas de crédito são muito perigosas, mais valendo aos países receptores dirigirem-se directamente aos mercados financeiros internacionais e contraírem os empréstimos de que necessitam - sendo uma ajuda importante para a sua credibilidade os acordos com o Fundo Monetário Internacional - do que aceitarem linhas de crédito de que muito pouco resulta para as suas economias e sociedades.

De que tratam, afinal, as linhas de crédito? Fundamentalmente do apoio às empresas dos países concedentes: à sua manutenção se estiverem em situação de crise, ao seu crescimento e desenvolvimento, à sua internacionalização, ao aumento do emprego nas empresas exportadoras, muitas vezes, à exportação de produtos finais (mormente bens de equipamento) tecnologicamente obsoletos ou reciclados, ao fortalecimento dos sistemas bancários nacionais (a gestão destas linhas é feita por companhias de seguro de exportação ou por bancos de comércio externo), ao fornecimento de serviços de consultoria económica, financeira e jurídica (que relegam para patamares secundários e marginais as capacidades nacionais) e da promoção de uma concorrência desleal face às empresas nacionais (com dificuldades recorrentes e acrescidas de acesso ao crédito interno, muitas vezes também disputado pelas empresas estrangeiras, com outros argumentos em matéria de prestação de garantias reais - por diversas vezes as empresas estrangeiras foram acusadas de não serem, na verdade, portadoras de capitais vivos e financiarem-se no sistema bancário nacional).

Benefícios para os países recipientes? Praticamente nada, porque: se as linhas de crédito se dirigem a financiar a importação de bens de consumo, a resultante é uma concorrência desleal à produção nacional e um consumo, puro e simples, desse tipo de bens; sendo para a importação de bens de capital, tudo depende da sua actualidade tecnológica (via de regra o que se exporta para os países recipientes não são equipamentos novos, associados a níveis elevados de produtividade1); sendo para o pagamento de serviços de consultoria só deveriam ser aceites os de alta complexidade, mas sempre com cláusulas de transferência de conhecimento, de reserva e não transferência de informação para o exterior e de limitação temporal dos mesmos.

Mas, no final do dia, o que verdadeiramente vai restar é uma tremenda dívida externa, sem que os efeitos positivos associados ocorram. Todos ou a maior parte se transfere para o exterior.

Imaginadas e concebidas de outra maneira - dentro de um espírito de verdadeira cooperação Estado-a-Estado e apoio às empresas dos países recipientes - podiam exercer um efeito multiplicador das actividades económicas nacionais e, particularmente, como referi mais acima, poderem ser um acrescento às fontes de financiamento interno da substituição das importações pela produção nacional. Neste sentido, tenho de saudar o Banco Mundial e a Sociedade Financeira Internacional ao terem concedido linhas de financiamento aos empresários nacionais, como forma de colmatarem as deficiências e insuficiências do sistema bancário nacional.

De que modelo de substituição de importações se trata? Um modelo protecionista ou um modelo aberto?

No primeiro caso, são inevitáveis as distorções sobre a produção e o consumo, minimizáveis a curto prazo com ganhos, ainda que marginais, de eficiência e removíveis a longo prazo com economias de escala internas. Mas, para isso, a dimensão económica do mercado interno (PIB por habitante, em dólares correntes de 2017, foi 3914 USD) e mesmo demográfica (a população no final de 2017 está estimada em 28,3 milhões de habitantes) é um factor importante.

Mas depende igualmente do tipo de produto. Por exemplo, tratando-se de um "bem homogéneo" (não diferenciado), em cujo mercado a concorrência se faça pelo custo de produção (e não pela qualidade), então as empresas estarão interessadas em ter a maior dimensão possível para reduzirem preços, até ao ponto em que, tendencialmente, o custo total se aproxime do custo marginal, com um possível desfecho desfavorável traduzido pelo desaparecimento das empresas inadaptáveis.

No segundo caso, a concorrência aos produtos importados tem de ser feita através dos ganhos de produtividade e de competitividade, e que, a longo prazo, terão de ser superiores às perdas decorrentes de uma protecção nominal da economia. E é neste contexto que pode ganhar sentido a efectivação de parcerias privadas com empresas estrangeiras, no âmbito das linhas de crédito e que ajudariam também à internacionalização das empresas dos países receptores.

Linhas de crédito (nas condições vigentes)? Não, muito obrigado. Substituição de importações? Sim, na base de modelos de gestão macroeconómica competitivos e de abertura das economias (em particular no acesso a fontes de financiamento do sistema financeiro internacional).

Notas:
(1) As diferenças mundiais de produtividade anunciadas anualmente pelo Relatório Sobre a Competitividade Mundial, resultam, em parte, desta prática desigual. Os países desenvolvidos não estão interessados em transferir tecnologia - pura ou incorporada nos bens, de consumo, intermédios ou de capital - para os países em desenvolvimento. Por isso, estes territórios (os seus Governos e as suas empresas) têm de alocar verbas muito mais significativas para a pesquisa, especialmente tecnológica, de modo a criar-se um capital tecnológico significativo (a China e o Japão, especialmente este país, conseguiram-no depois da segunda guerra mundial na base da imitação e da cópia).

Alves da Rocha escreve quinzenalmente