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Opinião

Os caminhos turtuosos da estabilização macroeconómica e do crescimento do PIB

Laboratório Económico

Conciliar estabilização macroeconómica com crescimento do PIB não é fácil e exige o domínio da Teoria Económica. Mas igualmente um sistema de monitoria das diferentes políticas em causa, muitas vezes contraditórias nos seus objectivos e instrumentos. O asseguramento da estabilidade dos preços através da política monetária pode ser irreconciliável com a promoção do investimento privado e do crescimento da produção.

De acordo com as últimas informações do INE, a economia nacional segue em crise de crescimento. Tenho defendido que desde 2009 se entrou num processo de desaceleração estrutural do crescimento económico, confirmado pelas séries estatísticas trimestrais do INE sobre as Contas Nacionais. Entre 2009 e 2018 verificaram-se alternâncias entre crescimento e recessão, próprias dos ciclos económicos e que a Teoria justifica, mas depois de 2014 preponderam os episódios de taxas de variação do PIB muito baixas, quase nulas ou mesmo características de fases de recessão.

Os alertas foram aparecendo desde, como disse, 2009, mas a política económica e os seus "decision makers" tardaram em perceber - escondendo-se nos comportamentos positivos do preço do barril de petróleo e numa pretensa blindagem de Angola aos efeitos do "subprime" por não ser parte do sistema financeiro internacional (alguns desses personagens permanecem no Governo de João Lourenço) - que o País, a sua economia e sociedade estavam descapitalizadas quanto às diferentes formas de capital (humano, físico, empresarial, científico e tecnológico, social e institucional) que contribuem para a criação de uma resiliência estrutural às crises, através de boa governação, produtividade e competitividade.

Os dados do INE relativos ao segundo trimestre de 2018 confirmam a resistência da crise económica às medidas que o Governo tem estado a tomar, no âmbito dos vários documentos de política económica aprovados. É natural que assim aconteça - os fazedores das políticas económicas devem saber que existem "lags" (desfasamentos) temporais na aplicação das medidas, uns mais largos, outros menos espaçados. E que influenciam a obtenção dos resultados esperados e programados. Mas sempre "lags". O que significa que as correcções das tendências negativas podem demorar algum tempo.

Entretanto, o Governo tem outras tarefas a realizar tendentes a melhorar o ambiente económico e que não necessitam de tempos de espera. Uma delas é o combate contra a corrupção e por uma maior transparência na tomada de decisões. Estão a ser feitas coisas muito interessantes e seria bom que o Governo começasse a quantificar os benefícios (para já a curto prazo) destas medidas a favor da limpeza e transparência institucionais: quanto é que a economia vai poupar? Em que medida aumentará a atractividade do País face a investidores estrangeiros? Que ganhos institucionais de produtividade? Ou de outro modo, que ganhos na produtividade institucional do Estado?

Mas não é apenas no domínio do crescimento económico que o País está em crise. O IPC continua a ser muito alto - a inflação homóloga de Setembro foi de 21,6%, com uma variação mensal de 4,75% face ao mês anterior. Valores muito elevados, potencialmente repelentes do investimento externo e corrosivos do poder de compra dos rendimentos, das empresas, das famílias e dos trabalhadores. E também para o Estado (as suas receitas tenderão a valer cada vez menos). Se estas tendências não se alterarem radicalmente até ao final do ano - continuo persuadido da existência de uma correlação positiva entre a desvalorização cambial do kwanza e a subida dos preços - podemos esperar uma taxa de inflação acumulada em Dezembro de 22,2% (para lá das expectativas e metas do Governo).

Os custos de contexto, elevados e muito prejudiciais ao investimento privado, são um dos factores que vão continuar a atrasar a retoma da velocidade de crescimento da economia. Mesmo que se tenha uma posição conservadora de devagar e bem, o PIB precisa de crescer a um ritmo médio anual acima de 3%.

O PIB por habitante, de acordo com as últimas informações das Contas Nacionais do INE, apresenta, desde 2014, uma variação real anual negativa (-2,01 em 2015, -5,49% em 2016 e -- 3,16% em 2017) com um acumulado de -10,3% nada conveniente para a criação de uma massa crítica de procura nacional endógena, sem a qual não acontece nem a substituição de importações, nem a diversificação. Dado este desequilíbrio estrutural - creio que agravado em 2018 pelas informações das Contas Nacionais trimestrais que anotam crescimentos negativos do valor agregado nacional de -5% no primeiro trimestre e -7,4% no segundo trimestre - a retoma, em modalidades mais agressivas do crescimento económico, vai continuar a depender das exportações de petróleo - a atravessarem uma situação de perda de dinamismo, a despeito da alta do preço do petróleo no mercado internacional.

Estas minhas anotações fazem sentido porque o consumo é um dos factores de crescimento das economias (a par do investimento e, claro, da exportação, bastando, para o compreender, olhar para a equação macroeconómica fundamental), havendo todo o interesse em promover o seu aumento ao longo do tempo. Nesta variável macroeconómica agregam-se o consumo privado de bens finais (vulgarmente designado por consumo das famílias) e o consumo público. Olhando para a tabela 3 - composição do PIB das Contas Nacionais do INE 2009-2017 - observa-se que o consumo público, em valores nominais, tem sido objecto de uma gestão de contenção da parte do Governo (aumento médio anual, em progressão geométrica, de 11,4%).

Não sei se será suficiente para convencer o Fundo Monetário Internacional que deste modo se está, também, a contribuir para a consolidação fiscal das contas públicas, pela via da despesa. Ainda que se esteja numa economia de mercado - como eu costumo dizer, numa economia de mercado ainda-por-fazer - a sua incipiente organização continua a exigir uma participação do Estado, nas suas vestes de regulador e facilitador da actividade privada. Mas não só. As áreas sociais são tremendamente carentes, frágeis e subdesenvolvidas, não havendo alternativa ao Estado enquanto servidor da população. As poupanças têm de ser obtidas através de ganhos de eficiência, não valendo a pena injectar quantidades crescentes de recursos financeiros quando se sabe de antemão que serão desviados pela corrupção. Os sectores da educação e da saúde têm de ser objecto de uma higienização de alto a baixo.

Do que eu tenho a certeza - segundo os meus pontos de vista sociais - é que não podem ser exigidos mais sacrifícios às famílias, em particular às de rendimentos mais baixos e precários. Ou seja, daquelas que vivem do trabalho. O consumo das famílias, sempre em valores nominais das Contas Nacionais, evoluiu a uma taxa média anual de 22%, entre 2009 e 2017. No entanto, em termos efectivos (de poder de compra), o ritmo foi de apenas 5,3% ao ano, com episódios de redução significativa em 2015 (1,1%), em 2016 (-11,2%) e 2017 (1,7%), afinal em linha com os comportamentos gerais do PIB nesses anos.

O aumento real do valor do consumo das famílias pode ser um indicador da distribuição do rendimento nacional - mormente na óptica do rendimento - ainda que caldeado pelo modelo de participação dos salários e lucros. Entre 2009 e 2017, as remunerações dos empregados (designação das Contas Nacionais do INE) variaram, em média anual, 14,8% em termos nominais e -0,9% na aproximação deflacionada.

Esta matéria das remunerações do trabalho, de acordo com os dados das Contas Nacionais, merece uma análise muito mais aprofundada - incabível neste limitado espaço quinzenal - porque relacionada com um dos temas macroeconómicos da minha preferência, a redistribuição do rendimento nacional.

É em parte devido àqueles valores que continuamos a ser uma economia frágil e debilitada nos seus fundamentos macro e microeconómicos. Muito trabalho pela frente, porque as economias são quase como organismos vivos, não param e para as colocar nos trilhos e nas trajectórias correctas muito suor tem de brotar dos trabalhadores e empresários - os que directamente lidam com a "ferrugem" - e muitas pestanas têm de cair dos olhos dos intelectuais e fazedores das políticas públicas.

Alves da Rocha escreve quinzenalmente

(Publicado na edição 497 do Expansão, de quinta-feira, dia 1 de Novembro de 2018, disponível em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)