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Pequenos agricultores rendidos à hidroponia

CULTIVAR COM POUCO TERRA E POUCA ÁGUA NA NIGÉRIA

Combinar a piscicultura com a aquaponia foi a solução encontrada para melhorar a produção de tomate, na Nigéria, fruto muito apreciado no país, servindo ainda de suporte à agricultura de pequena escala.

Em Maio de 2016, a invasão da traça Tuta absoluta era o único assunto dos nigerianos. A praga, também conhecida como traça-do-tomateiro e apelidada de "ébola do tomate", devastou centenas de fazendas de tomate no norte do país, onde fica a maior parte das plantações. O episódio levou ao aumento recorde de 400% no preço do tomate, um ingrediente importante em pratos locais.

Embora a Nigéria seja o maior produtor de tomate de África Subsaariana, gerando cerca de 1,5 milhões de toneladas por ano, a sua produção não é suficiente para atender à demanda nacional - cerca de 2,4 milhões de toneladas por ano. Mesmo antes do ataque da praga, a indústria do tomate precisava encontrar uma maneira de garantir uma ampla oferta.

A invasão de pragas veio somar-se a questões pré-existentes, como a perda anual de 900 mil toneladas de tomates, provocada pelo transporte dos alimentos em más estradas até aos mercados urbanos mais afastados, ou pela falta de um sistema de armazenamento para os alimentos colhidos. A seca em partes do norte da Nigéria, exacerbada pela desertificação do Saara, também criou problemas aos produtores de tomate. Os estados do sul ficaram sem tomate durante algum tempo.

Mas Alhaji Bello, criador de peixes em Ibadan, a 130 km de Lagos, viu esse desafio como uma oportunidade. Ele foi treinado na B.I.C. Farm Concepts, empresa de agronegócio de Lagos especializada em aquicultura, hidroponia e formação de pequenos agricultores.

A transição de Bello para a agricultura hidropónica, técnica que dispensa o uso do solo para cultivar culturas em soluções nutritivas, foi perfeita. "Eu fui fisgado porque sempre tinha águas residuais da piscicultura" - recorda - "então, em vez de deitá-la fora, decidi usá-la para cultivar forragem".

Bello combinou a piscicultura com a aquaponia, forma de hidroponia que utiliza água de reuso para cultivar organismos aquáticos. A água do seu viveiro de peixes é direccionada para um sistema hidropónico, onde as bactérias decompõem os excrementos dos peixes em nutrientes para as plantas, limpando a água e enviando-a de volta para a lagoa.

Este sistema permitiu-lhe cultivar tomates, alface e pimentos num espaço de 8x10 m e obter um maior rendimento, utilizando menos recursos que os métodos tradicionais.

"A hidroponia ajudou-me a resolver o problema do desperdício. Ela dá suporte à agricultura de pequena escala", explica. "Os meus rendimentos são maiores. No solo, uma planta de tomate produz até 10 kg de fruto, enquanto na hidroponia produz até 50 kg."

A hidroponia também ajuda a reduzir a necessidade de água. Durante a irrigação do solo, a água deve encharcar completamente o solo para que os nutrientes cheguem até às raízes das plantas, e uma enorme quantidade é perdida no processo. Com a hidroponia, a irrigação vai directamente para as raízes. Uma única planta de tomate precisa de menos de 2 l de água por dia através deste método, enquanto um tomate cultivado no solo requer até 20 l de água por dia.

Debo Onafowora, que fundou a B.I.C. Farm Concepts há 12 anos, disse que Bello é apenas um dos 5 mil pequenos agricultores nigerianos que a sua empresa treinou na agricultura hidropónica. Muitos são homens jovens - Onafowora chama-os de "aqua-empreendedores". A B.I.C. espera treinar 100 mil jovens nigerianos até 2025, numa tentativa de resolver os problemas do agronegócio em África por meio da agricultura em pequena escala.

Com as mudanças climáticas, a desertificação está a ameaçar o norte da Nigéria, e as estações chuvosas mais curtas estão a dificultar o cultivo de alimentos. Em contraste, perto da costa no sul da Nigéria e das florestas tropicais do país, as estações chuvosas estão a ficar mais longas e mais intensas. Os assentamentos fluviais estão a inundar, tornando grande parte da terra imprópria para a agricultura e arruinando alimentos armazenados.

A população da Nigéria, quase 200 milhões de pessoas, deverá chegar aos 400 milhões até 2050. O país precisa ter condições adequadas para o aumento das colheitas, a fim de sustentar os seus cidadãos. "Com a hidroponia, usamos pelo menos 80% menos água e 90% menos terra, e há menos desmatamento", diz Onafowora.

"As pessoas derrubam florestas para cultivar alimentos, o que contribui para as mudanças climáticas. Não é preciso destruir florestas para cultivar alimentos". A instalação de uma fazenda hidropónica totalmente funcional exige certa dedicação e dinheiro. "A instalação custa 2 milhões de naira (cerca de 5.500 USD) para um espaço de 8x30 m", adverte Bello. Num país onde mais de 60% da população vive com o equivalente a cerca de 2 USD por dia, trata-se de um preço alto a pagar.

No entanto, as muitas vantagens da agricultura sem uso do solo fazem dela um investimento que vale a pena. Ao cultivar forragem de gado nos campos, a hidroponia pode até oferecer uma solução em potencial para os frequentes confrontos violentos entre fazendeiros e pastores nigerianos por terras aráveis que estão a desaparecer devido à desertificação.

As universidades estão a introduzir a técnica nos seus currículos. Um departamento de hidroponia em breve será inaugurado na Universidade de Landmark, no Sudoeste da Nigéria, para ensinar aos jovens nigerianos a agricultura sem uso do solo no início das suas carreiras - capacitando-os para combater, tanto as mudanças climáticas, como a escassez de alimentos no futuro.

*Com Ukpono Okpongete e Muhaimin Olowoporoku. Editora: Felicia Omari Ochelle

(artigo publicado na edição 504 do Expansão, de sexta-feira, dia 21 de Dezembro de 2018, disponível em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)

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Nota: Pelo segundo ano, o Expansão integra o projecto Solutions&Co que, este ano, arrancou a 3 de Dezembro, data de início da COP 24, Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas. Durante várias semanas, divulgamos projectos empresariais amigos do ambiente de vários países.


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