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Empresas & Mercados

Presidente beneficiou o infractor com a Lei de repatriamento de capitais

Grande Entrevista a MANUEL MONTEIRO, EMPRESÁRIO E MEMBRO DO CONSELHO DA REPÚBLICA

Em entrevista ao Expansão, o empresário Manuel Monteiro fala das dificuldades dos empreendedores e aponta baterias ao repatriamento de capitais. Foi uma oportunidade única concedida pela tolerância de João Lourenço, admite. Agora, passado o período de graça, deve-se responsabilizar os infractores.

Como descreve a situação económica que o Pais atravessa?
É do conhecimento geral que a situação económica não é das melhores, mas também temos que reconhecer que no último ano ela melhorou consideravelmente. Portanto, ela está mais realista, muito mais aberta ao investimento. Aquele grande problema, por exemplo, das dívisas e que haveria, inclusive, listas das empresas que negociavam ficou ultrapassado. Hoje já há uma venda quase regular de divisas. No geral, eu penso que há sinais de melhoria da situação económica.

Ainda assim, continua-se a verificar falência de empresas, colocando milhares de angolanos no desemprego...
Obviamente que sim, mas, no geral, são empresas que estavam ligadas sobretudo à prestação de serviços ao Estado. Agora, aquelas empresas que, de uma maneira geral, se foram estruturando, sempre trabalhando, digamos que sem a mão do Estado, essas empresas continuam a trabalhar. Obviamente que o facto de muitas empresas estarem a fechar não é uma consequência do ano passado. Tem a ver claramente com aquilo que foi a gestão ao longo desses últimos 6 ou 8 anos. Portanto, isto é reflexo daquilo que foi a gestão do País. Não foram feitos investimentos em infra-estruturas, o petróleo deu muito dinheiro mas, infelizmente, muito desse dinheiro todos sabem para onde é que foi parar e em que mãos.

Enquanto presidente de uma associação ligada ao sector da agricultura, tem noção de quantos agricultores desistiram, quantas fazendas fecharam e quantas correm o risco de fechar?
De facto, eu sou o presidente da Associação Agro-pecuária de Angola (APTA) e da Federação das Cooperativas Agro-pecuárias de Benguela, essas são as minhas responsabilidades sociais. Relativamente ao que dizem quanto ao facto de muitas empresas do sector da agricultura terem fechado com a crise, eu diria que não, esse fenómeno não tem acontecido. As empresas produtoras no sector da agricultura têm estado a passar as suas dificuldades, decorrentes, naturalmente, da crise, mas elas não estão a fechar. Aqueles poucos projectos que fecharam são projectos, de facto, em que alguns casos não eram pessoas profissionais nesta área. São aquelas pessoas que, por alguma emoção, se dedicaram a uma actividade sem profissionalismo.

Quais são as maiores dificuldades que enfrentam os empresários, de uma forma geral?
As maiores dificuldades são, sobretudo, ligadas ao próprio mercado. Numa altura de crise, o consumo acaba por diminuir, essa é a grande dificuldade. Porque aquelas que eram as grandes dificuldades de falta de fertilizantes, falta de agro-químico, essas dificuldades fazem parte do passado...

E, até que ponto, no quadro actual de crise económica, os seus negócios ou investimentos ficaram afectados?
Bem, eles afectaram não naquelas dimensões em que muitas empresas ficaram afectadas. Obviamente que a nossa estrutura, sendo empresarial, assentou em pilares muito sólidos. Quando digo pilares muito sólidos, estou a dizer que nós preparámos a nossa empresa para lidar com os pequenos e grandes agricultores e como a base do desenvolvimento da nossa actividade foi exactamente aquele cliente que paga, aquele cliente que produz... Claro que perdemos muito dinheiro, tivemos casos de pagamentos que demoraram 6 ou 7 meses, mas é um processo decorrente da situação de crise, de falta de divisas.

A agricultura em Angola não dá resultados?
Eu não sou da mesma opinião, até porque a minha actividade primária é no sector da agricultura, tudo o que eu tenho hoje vem do sector da agricultura. Bem, acho o sector da agricultura não muito rentável hoje, mas a verdade é que vai acabar por ter um papel muito importante no desenvolvimento de Angola.

Vou reformular a minha pergunta: tem tido mais lucros ou prejuízos?
O último ano (2018) foi de equilíbrio, provavelmente não teremos grandes benefícios, por várias razões. O mercado não está a reagir muito à quantidade de produtos. Por essa razão nós vamos fazer um novo investimento, numa outra área, num projecto novo, daí é que temos que ir adequando as várias fases da nossa realidade.

Hoje faz parte do Conselho da República. Como olha para a vinda do FMI a Angola?
Isso é uma área que não domino muito, mas enquanto empresário tenho que ter uma noção geral de vários sectores, porque eles acabam por se reflectir sempre na nossa actividade. Portanto, eu penso que o FMI já esteve em muitos países, terá algumas medidas que, naturalmente, deverão ser consideradas anti-sociais, mas no final é o recurso que temos que fazer. Precisamos de dinheiro e quem tem dinheiro impõe as suas regras. É como se um empresário estivesse a ir a um banco solicitar empréstimos. Ou o cliente está de acordo com as regras e, por isso, terá de cumpri-las, ou, então, o banco não empresta.

Vem aí um conjunto de medidas de austeridade que poderão agravar ainda mais a situação social e económica da população, sobretudo dos mais carenciados...
É preciso que esta austeridade seja temporária. Todos nós, em alguma vez nas nossas vidas, tínhamos que fazer alguma austeridade. Tínhamos que fazer alguma contenção para depois atingirmos algum objectivo. Aliás, muitas famílias hoje, quando tiverem que comprar um carro, o que é que fazem? Aplicam algumas medidas de austeridade em casa: deixam de comprar isto e aquilo, vão fazendo alguma poupança, para poderem comprar o carro, mas depois voltam à normalidade. É este processo que Angola vai passar...

E não acha que as medidas de austeridade impostas pelo FMI podem custar caro ao Presidente João Lourenço?
De maneira nenhuma. A estrutura do Presidente tem capacidade de análise e, de maneira nenhuma, vai levar a situação a resvalar. O País tem soberania e, como disse no princípio, a situação tem estado a melhorar paulatinamente. Por exemplo, já se fala no aumento do salário mínimo, o que demonstra, portanto, que as coisas não estão assim tão mal...

Apesar dos aumentos salariais de que fala, estes estão a ser acompanhados com aumento dos preços dos produtos de primeira necessidade, os transportes públicos, a energia, água e impostos...
Eu acho que estas não são medidas de austeridade, penso que são medidas económicas por forma a melhorar a condição dos governados. Vou dar-lhe um exemplo: não é normal as pessoas lavarem a rua com água tratada; terem os aparelhos de ar condicionado e as lâmpadas ligadas mesmo que não haja ninguém em casa. Isto só acontece porque as pessoas não pagam o valor real do preço.

Como é que olha para os desafios do Presidente João Lourenço?
Os desafios do presidente Lourenço são enormes. O jogo está muito claro: é não recuar. Todas as pessoas tiveram a possibilidade de se retractar. Aquelas pessoas que perderam essa oportunidade, não poderão apontar o dedo ao Presidente João Lourenço.

O combate à corrupção, sobretudo de actos praticados no passado, poderá ou não desencadear uma crise interna no MPLA?
Eu neste aspecto sou muito claro. Penso que o Presidente João Lourenço é muito tolerante porque, por exemplo, na questão das pessoas que têm que repatriar aqueles valores que foram subtraídos de forma ilícita dos cofres do Estado, do meu ponto de vista, o Presidente Lourenço foi uma pessoa muito tolerante. Praticamente concedeu uma amnistia. Veja que só o facto de ter estabelecido um prazo, ter estabelecido condições para que fosse aprovada uma lei na Assembleia, para mim, o Presidente beneficiou o infractor. Agora, todas aquelas pessoas que efectivamente estão nesta condição, fizeram de consciência e tendo praticado essas más acções de consciência, penso que a única via é a justiça. Não há dois caminhos. E o Presidente tem dito que o órgão de justiça não depende das suas decisões. Se o período de graça para o repatriamento voluntário passou, os infractores têm que ser responsabilizados...

Há quem defenda que deveria haver outro modelo.
Mas estas pessoas tinham tempo para se manifestar. O debate passou na Assembleia Nacional, no partido, no Governo, mas ninguém se manifestou. Mas digo com toda certeza que melhor facilidade que esta não haveria. Pedir para que as pessoas que roubaram os bens de Angola para que pudessem investir no desenvolvimento, sem que tenham a justiça à perna, eu até considero um prémio.

Foto: Adjali Paulo

"As pessoas sentiram-se com poder e foram por maus caminhos"

Para si, o que representou José Eduardo dos Santos para o MPLA e para o País?
José Eduardo dos Santos teve dois momentos: um momento muito bom, naquilo que foi o processo de paz, em decretar o cessar-fogo, em fazer as amnistias. Portanto, nisto foi fundamental. Agora, claramente que teve um momento em que esteve à vista de todos, que foi este momento em que grande parte dos dirigentes a si o traíram. Eu não acredito que as coisas que foram feitas, sobretudo esses excessos todos de dilapidação do erário público, foram com o consentimento do Presidente. Acho que as pessoas sentiram-se com poder a mais e foram pelos caminhos maus. Só que, infelizmente, temos que dizer que foi uma altura do presidente Zé Eduardo que tudo isto aconteceu.

Falta de conselho ou não soube fazer a leitura da história?
Eu não diria falta de conselhos. Provavelmente teriam o isolado, porque o Presidente Eduardo dos Santos quase chegou a uma altura que não falava com as pessoas, era uma pessoa muito resguardada. Já não era o mesmo Presidente. Apenas um núcleo muito fechado, muito fechado mesmo, que podia chegar ao Presidente. Agora outras coisas ficaram à vista. Eu pessoalmente não concordei que os filhos podiam ocupar cargos de direcção (no aparelho governativo). Há muitas pessoas que hão-de se lembrar que eu nunca concordei e sempre manifestei o meu posicionamento. Primeiro, porque o presidente Eduardo dos Santos não teve necessidade de colocar o filho no Fundo Soberano, e não só, o Fundo Soberano precisava de uma pessoa com mais experiência e com carreira. Depois a filha na Sonangol e, portanto, o resto foi o misturar de coisas. As pessoas foram enriquecendo. Isto, hoje, é tão evidente.

João Lourenço também?
Penso que não. O Presidente João Lourenço é uma pessoa muito aberta, que defende princípios de governação aberta e participativa, portanto, vive cidadania, com normalidade. Obviamente que tem que ter os cuidados todos de protecção, mas não acredito que se venha a isolar.

Adjali Paulo

O fazendeiro na política

Manuel António Monteiro é um dos maiores produtores de banana e das hortícolas em Angola e, por conta disso, ganhou a alcunha de "Rei da Banana". Aos 52 anos, este empresário nascido na província da Huíla, mas que se notabilizou no mundo empresarial e político na província de Benguela, controla um conglomerado empresarial onde se destacam a Fazenda Utalala, a FertiAngola e a Sociedade Agrícola de Bimbas. Detém ainda acções no consórcio Alassola, a sociedade gestora da unidade fabril com o mesmo nome, a ex-África Têxtil, em Benguela.

Já foi accionista do extinto Banco Pungo Andongo, que mais tarde mudou de nome para Banco Mais. Membro do Conselho da República, do Bureau Político e do Comité Central do MPLA, Monteiro é também presidente da Associação Agro-pecuária de Angola (AAPA) e da Federação das Cooperativas Agro-pecuárias de Benguela.