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"O que será do País quando as reservas petrolíferas esgotarem?"

Entrevista a João Ngola Trindade

Depois de vários artigos dispersos, João Ngola Trindade aventurou-se na publicação de um livro onde fala sobre o papel do escritor na sociedade colonial angolana. Hoje, se tivesse de dar o título a um livro seria "O deserto". Veja porquê.

O que é que nos traz o livro "O papel do escritor na sociedade colonial angolana" e qual a sua importância para a actualidade?
É um livro formado por artigos científicos, recensões e ensaios publicados em vários semanários durante a minha formação universitária. A importância reside no facto de trazer alguns subsídios ao processo de formação da literatura angolana num período histórico marcado pela censura o engajamento dos escritores angolanos na luta anti-colonial. Portanto, é um livro destinado a todos quantos estejam a dar os primeiros passos na literatura. Mas falo também sobre a desleitura, a identidade cultural entre outros temas.

A literatura era um instrumento de luta política, na defesa da angolanidade e na luta de libertação nacional. Hoje, como podemos caracterizar a literatura angolana?
Actualmente, ela reflecte os problemas que vivemos até muito recentemente, entre os quais a aversão à crítica, a perseguição e a criminalização dos críticos e opositores do poder, a má governação, etc.. Estas temáticas são afloradas por Pepetela ("Crónicas Maldispostas"), Agualusa ("A Sociedade dos Sonhadores Involuntários"), José Luís Mendonça ("Angola Me Diz Ainda"), Isaquiel Cori ("Dias das Nossas Vidas") e outros escritores.

Diz que, "apesar das situações que condicionam a produção científica e cultural, há uma geração de jovens que tomou consciência das suas responsabilidades e que se organiza em movimentos literários". Quem são e que movimentos representam?
Estão organizados em movimentos literários como o Litteragris. Falo particularmente do Hélder Simbad, da Cintia Gonçalves e do Job Sipitali, particularmente dos dois primeiros, porque conheço alguns trabalhos deles que estão publicados no quinzenário Cultura e na revista Tunda Vala. É possível que fora de Luanda existam jovens com potencial literário e que precisam de apoio de escritores mais experientes.

"Os países que não produzem ciência arriscam-se a manter-se dependentes do exterior". Isto é um aviso à navegação?
Limitei-me a citar o ilustre professor Carlinhos Zassala e ampliei o pensamento exposto no seu livro "Introdução à Pesquisa Científica". Trata-se de uma constatação e, se quisermos realmente atingir o desenvolvimento, temos de apostar seriamente e continuamente na produção científica, criar centros de pesquisa, apetrechá-los com laboratórios e dotá-los de profissionais qualificados e bem remunerados para que possam produzir soluções para os problemas que enfermam o País.

O seu pai deixou-lhe como herança alguns livros e a vontade de estudar. Foi esse legado que o fez interessar-se pelo estudo da literatura angolana e pela escrita?
O meu interesse pela literatura evidenciou-se ainda durante a minha infância. Como todo o menino, escrevia versos nos meus cadernos. Contudo, o livro de Luís Kandjimbo, "Apologia de Kalitangi. Ensaio e Crítica" influenciou-me bastante na medida em que me ajudou a compreender que os problemas que enfermam os estudos literários africanos assemelham-se aos que existem no estudo da História de África. Apercebi-me disto e dedico-me ao estudo da História da Literatura Angolana. Portanto, não sou um escritor, mas, sim, um historiador.

O que deixam hoje, maioritariamente, de herança os pais angolanos?
Pais endinheirados deixam dinheiro e pobreza espiritual para os seus filhos. Quanto aos desapossados, não lhes resta pouco mais do que incentivar os filhos a estudarem e a trabalharem. Daí o dogma segundo o qual "estudo é para o pobre".

Como é que a arte pode ser estratégia de educação financeira, como diz o título de um dos seus artigos?
Tendo em conta a função pedagógica da arte, penso que através do teatro, por exemplo, o cidadão pode ser consciencializado para usar racionalmente os seus recursos financeiros. Falo sobre isto em "Arte como Estratégia de Educação Financeira". A publicação deste artigo antecedeu a apresentação do programa de Educação Financeira num dos canais televisivos onde um grupo teatral bastante conhecido abordava temáticas relacionadas com o o uso do dinheiro.

Que título daria ao actual momento económico do País e que conteúdo colocaria num artigo com esse título?
"O Deserto". Trata-se de um lugar de carência e de um tempo em que o homem está privado do essencial para sobreviver devido à falta de recursos financeiros associada à baixa do preço do petróleo. Não queremos que o preço do petróleo atinja novamente os 100 USD? Contudo, o que será do País quando as reservas petrolíferas esgotarem?

Literatura, história e antropologia são áreas de interesse

Técnico de Marketing e Imagem, João Ngola Trindade nasceu em Viana, Luanda, e é licenciado em História pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto. Actualmente, desenvolve uma pesquisa sobre a Imprensa e a Literatura Angolana.

Tem como áreas de interesse científico a literatura, história, antropologia e relações interculturais. Elege "Angola e as Retóricas Coloniais", de Alberto Oliveira Pinto, como livro preferido , entre os filmes destaca "Titanic". A Leitura, a escrita e a música são os seus hobbies preferidos e, por essa razão, não espanta que Viriato da Cruz seja a sua personalidade histórica predilecta.