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Opinião

Consolidação orçamental sem crescimento económico e redução da pobreza é impossível

Laboratório Económico

O Programa de Ajustamento Macroeconómico (PAM) com o apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI) vai manter o País numa zona de crescimento de baixa intensidade - com probabilidade de continuar a resvalar para a recessão - no contexto da qual será difícil/impossível reduzir, sustentadamente, a pobreza e aumentar o emprego de modo substancial. Trocar "crescimento económico" (menos), por "consolidação orçamental" (a todo o custo, não importando as consequências) pode revelar-se um mau "negócio" a médio prazo.

O raciocínio subjacente ao actual programa de estabilização dirigido pelo FMI (não valem a pena os eufemismos de que o Programa, afinal, é do Governo) é o de que o controlo do saldo orçamental (em zero por cento do PIB ou mesmo um excedente) - reduzindo despesas, mesmo as de capital e aumentando impostos (via mais ortodoxa não existe, num mundo em que outras soluções mais imaginativas e audaciosas são possíveis, bastando estar-se atento nas reflexões e propostas de Prémios Nobel de Economia, como Stilglitz e Krugman), qualquer delas com efeitos perniciosos sobre o crescimento da economia.

A curto prazo, troca-se mais pobreza por estabilização financeira do Estado, ficando por saber-se o que vale mais, em termos económicos, sociais e políticos: se as condições de vida da população (degradadíssimas, como se sabe) ou a estabilidade das finanças do Estado (sem garantia de que seja perene, sustentada e indutora de efeitos positivos sobre a sociedade (1).

A pobreza vence-se com crescimento, criação de emprego e multiplicação de rendimentos (provenientes do trabalho), ou seja, de uma participação activa na sociedade e não com esquemas assistencialistas traduzidos em 5000 Kz mensais para as famílias mais vulneráveis e, por isso, mais atreitas a sofrer, irremediavelmente, os efeitos negativos da correcção dos desequilíbrios macroeconómicos, para os quais não foram tidas, nem achadas por quem ou pelas políticas que os desencadearam).

Será que em Angola os limites da política monetária já foram atingidos? Se sim, e estando a política orçamental do País sujeita às restrições do FMI (desculpem, mas é o que eu penso), então, por onde incentivar o crescimento económico? A primeira medida que Trump implementou no domínio fiscal, depois da sua tomada de posse, foi baixar os impostos, para estimular os investimentos e, hoje, pode vangloriar-se da criação de bastante emprego e do crescimento do PIB. Ou a política monetária nacional deve estar totalmente adstrita à estabilização dos preços, divorciando-se da economia produtiva? Não haverá margem para a redução das taxas de juro activas?

Na União Europeia, como se sabe, as taxas de juro são actualmente negativas (receando-se mesmo por dificuldades no funcionamento do sistema bancário, que passará a viver mais de comissões várias cobradas aos clientes), pelo que a incentivação da actividade económica terá de ser feita através de outros instrumentos de política, tais como os de natureza orçamental.

Será que a utilização da política monetária em benefício do crescimento da economia - seus instrumentos e efeitos derivados - está completamente estudada em Angola? Como ultrapassar processos recessivos de crescimento do PIB (que é a situação desde 2015, não sendo estimulantes as previsões até 2022) sem a aplicação da política monetária, quando a política orçamental está sujeita a interdições várias ditadas pelos compromissos associados ao Acordo com o FMI?

Olivier Blanchard, economista-chefe do FMI no tempo da "troika" [designação dada ao grupo FMI/Comissão Europeia/Banco Central Europeu ] em Portugal, gizou um programa de ajustamento estrutural que desencadeou efeitos negativos e perversos sobre o tecido económico e social nesse país (2).

O actual Programa de Estabilização e Ajustamento do FMI para Angola é de natureza semelhante. Ficaram conhecidos os episódios sobre os erros cometidos pelos técnicos do FMI ligados à "troika" e ao seu programa para Portugal no cálculo dos multiplicadores dos efeitos benéficos sobre a economia lusa associados às políticas de contenção adoptadas.

Esta equipa, dirigida por aquele eminente economista, reconheceu, mais tarde, que, afinal, a política adoptada foi mesmo destrutiva. Na sua recente passagem por Portugal, Blanchard reconheceu que com juros tão baixos, a política monetária é insuficiente para estimular a economia, sendo necessária a política orçamental. Referiu ainda que "apesar de o rácio da dívida ser ainda elevado, o serviço da dívida não o é, em termos históricos".

Assim sendo, os défices orçamentais podem ser necessários, devendo ser usados, o máximo que for possível, para investir no futuro, em investimento público e reformas estruturais. A situação em Angola é diferente neste aspecto, porquanto o serviço da dívida pública consome 77,8% das receitas dos impostos e representa 48,2% do total das despesas do Estado.

Claro que nestas condições tem de haver uma gestão controlada do défice fiscal, mas pela eficiência e não pela quantidade. Ou seja, tem de se encontrar espaço para que a política orçamental possa exercer os seus efeitos positivos sobre a recuperação da dinâmica de crescimento, num contexto de aparente "incapacidade" de a política monetária o poder fazer.

A eficiência das despesas públicas (incluindo-se as de investimento) é um "velho" tema da gestão das finanças públicas em Angola, tendo-se colocado em cima da mesa das reflexões macroeconómicas desde praticamente a adesão do país às instituições de Bretton Woods, em 1984.

No entanto, nunca foi conseguida uma solução, impedida por vários factores: "excesso" de receitas fiscais petrolíferas nos bons tempos do preço elevado do barril do petróleo (erros de gestão básicos e primários da parte de quem, nessa altura, exercia o poder de governação, sem uma perspectiva de futuro e de prevenção da ocorrência de situações menos favoráveis e incontroláveis), intromissões políticas na gestão macroeconómica, influências nefastas de interesses pessoais, necessidade de preservar equilíbrios étnico-regionais e falta de vontade política para proceder em conformidade com as exigências dos processos de reformas estruturais (a dimensão do actual Governo é claramente exagerada, acrescentando-se a criação dos órgãos das autarquias locais (3).

Na minha opinião, o actual Programa de Ajustamento vai dilacerar a sociedade angolana, já de si fraca e desprovida de capacidade de resiliência, de absorção e de adaptação. Estou convencido de que a pobreza tem vindo a aumentar desde 2009 e se agravou depois de 2014 com a recessão da economia (o PIB por habitante regrediu, em termos acumulados, 16% entre 2015 e 2018). O FMI entende ser, apenas, de sua responsabilidade monitorar um programa que tem como centro focal das políticas a estabilização e consolidação financeira do Estado.

O resto - crescimento económico, alívio da pobreza, melhoria das condições sociais - tem de ser preocupação do País e das suas instituições de governação. O Banco Mundial "ofereceu" um pacote de 320 milhões USD, para, em 4 anos, beneficiar até um milhão de famílias (5 milhões de cidadãos) para aliviar a incidência social da abolição dos subsídios nos transportes públicos, no fornecimento de água e electricidade e nos combustíveis, representando um recebimento mensal de 5000 Kz por cada agregado, durante um ano.

Na ausência de dados actualizados da taxa de pobreza em Angola e tomando a taxa de 36,6% estimada pelo IBEP de 2008/2009, podem existir, actualmente, cerca de 10,4 milhões de pessoas tentando sobreviver com menos de 1,5 USD por dia (150 Kz ao câmbio de então e porque este rendimento não é em moeda forte). Que efectivo impacto terão 5000 Kz mensais por agregado familiar no alívio das suas condições de vida agravadas pela eliminação dos subsídios a bens e serviços básicos? Será que é isso que melhora os níveis de vida?

Com franqueza, meus senhores, não brinquemos com a dignidade das pessoas. Ainda que pobres, são dignas. Haveria mais aspectos a reflectir, como o desemprego (que continua a aumentar) e os efeitos das sucessivas recessões sobre a capacidade de regeneração das dinâmicas de crescimento do PIB, em situação de limites severos das políticas tidas como suporte para essa inversão.


Notas
(1) Apesar de se saber que, de acordo com o Teorema de Haavelmo, mesmo com saldo orçamental nulo, as finanças públicas não são neutras à actividade económica em geral.

(2) Os pontos de vista divergem entre os economistas portugueses. Há os que consideram que foi graças à aplicação de um modelo diferente de crescimento centrado nas componentes da procura global, que o país retomou a dinâmica de crescimento, corrigiu o défice orçamental (colocando-o nos limites das exigências da Comissão Europeia) e distribuiu rendimentos, enquanto outros argumentam que bastante da retoma do crescimento se deve às medidas tomadas pelo Governo e pela "troika" até 2015. Do que existem poucas dúvidas é sobre o aumento da pobreza, da desigualdade e do desemprego até 2015 ocasionado pela aplicação das medidas desse Programa de Ajustamento, que visaram, especialmente, a desvalorização real dos salários e dos sistemas de previdência e segurança social.

(3) Já escrevi neste semanário 4 artigos relacionados com a rendibilidade económica dos processos de desconcentração e descentralização regional em curso e sobre as condições para que aconteça.