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Grande Entrevista

"O maior problema do nosso País são os políticos-empresários"

Grande Entrevista a LOURDES CAPOSSO FERNANDES, PRESIDENTE DO LCF GRUPO

Lourdes Caposso é um dos rostos da luta pela implementação do compliance e do empreendedorismo social no País. Advogada, activista social, empreendedora, defensora da valorização do capital humano, avança agora para a política. E confirma: "O céu é o limite".

Em 2012 era das poucas pessoas que falava de compliance e valorização do capital humano no País. Passaram sete anos, o que é que mudou?
Mudou muito. Essas duas causas que decidi abraçar juntamente com o empreendedorismo social tiveram bastante impacto. O facto de ser sido indicada como deputada à Assembleia Nacional, de estar num programa semanal na TPA, mostra que as pessoas ouviram a mensagem e que não ficaram indiferentes.

Mantém o discurso agressivo, ou a convivência com o poder político acabou por "amaciar" o seu discurso?
O meu discurso de defensora destes valores tem que manter-se. Não digo que tivesse um discurso agressivo, mais de activista. Quando falamos destes temas, só quando sentirmos que estão implantados é que existe satisfação. Estas duas causas que agarrámos fazem hoje parte da agenda política. Se abrirmos o manifesto do MPLA, o partido que faço parte, os dois temas estão lá. Considero-me uma activista social.

O facto de fazer parte de um partido político não limita o seu discurso?
Não! Nunca limitou porque aprendi a gostar do MPLA como um partido de crítica e autocrítica. Quando sentir que não há essa possibilidade de falar, como um semáforo dando luz verde, amarela ou vermelha a cada tema social, então sim alguma coisa está mal. Mas até agora nunca senti isso. Eu acredito que não há problema de abordarmos com realismo, com transparência, com o "facho aceso", os problemas do povo.

Como se junta o activismo social com uma carreira profissional?
Chega um momento em que temos total confiança nas nossas capacidades profissionais. Que dizemos, eu posso trabalhar 10 horas por dia e cobrar 300 dólares por hora. Ir aos clientes e dizer convictamente, "vou resolver os seus problemas". E depois pegar nesses três mil dólares, pensar que vou conseguir contratar três ou quatro advogados, pagar-lhes bem e desenvolver um projecto de empreendedorismo e valorização profissional. Mas temos que chegar a esse ponto. Que eu sinto que não acontece muitas vezes com os profissionais angolanos.

A sua experiência no estrangeiro também ajudou...
Isso foi algo que me motivou bastante, ir lá para fora fazer o trabalho de promoção de Angola. Cheguei a ir com mais três ou quatro advogados a Hong Kong, ou outros lugares, participar no esforço de captar investimento para Angola. Muitas vezes diziam-me, "a senhora é privada, como está aqui?" Eu sempre digo que é preciso ir ter com o cliente. Tem que haver esta proactividade. Chegava e dizia, "caríssimo, venha investir em Angola, eu vou ser a sua advogada, vou ajudá-lo a implantar o seu modelo de negócio e senhor paga-me por isso". E conseguimos muitas vezes.

Não é propriamente uma atitude normal numa jovem advogada...
Eu estava motivada por uma causa do empreendedorismo social. Nunca quis ter um escritório de advogados normal. Que não lutasse contra a corrupção, que não promovesse o empreendedorismo. Tudo o que fiz entre 2008-2018 foi lutar para implantar o compliance, combater a corrupção....

Mas explique-me, como é que se faz quando um advogado compreende que o seu cliente tem essas práticas? Como que é reage nesses casos?
Eu normalmente vou sempre numa perspectiva muito educativa. Facilita-me muito o facto de a minha primeira profissão ter sido professora e entro sempre de uma forma pedagógica. Quando vejo que é intrínseco, que não tem vontade de caminhar para um linha de compliance, quando trabalha na base das comissões, quando os seus benefícios financeiros provêm de fundos sem justificação, peço escusa. Na minha carreira tenho vários exemplos de entrega de procuração. "Meus senhores, gostei, mas não tenho mais nada a fazer".

Então dinheiro não é tudo?
Claramente! Para alguém que tem ambições políticas como eu, dinheiro não pode ser tudo.

Os contactos profissionais vão ajudá-la nessa carreira.
Quando me convidaram, perguntei no Word Economics For África porque é que me tinham seleccionado para uma network tão fechada. Responderam-me que tinham perguntado a várias pessoas quem é que fazia efectivamente empreendedorismo social em Angola, e o meu nome veio à baila. Quando entramos num grupo como este, percebemos que o mais importante é o teu patriotismo. Quando estás a fazer bem ao teu país, está sempre alguém a olhar, a ver o que estás a fazer pelos outros.

Isso abre um leque alargado de contactos...
Sem dúvida. Hoje se precisar de um bom contacto no Egipto, eu tenho, na Tanzânia, nos Estados Unidos, na Suíça, eu tenho. Esta presença deu-me margem para ter bons contactos em cerca de 72 países. E é isso que me motiva para continuar neste foco social. Quanto mais amamos os nossos, mais nos respeitam.

Mas há solidariedade entre os africanos?
Há solidariedade de entender que os nossos problemas são comuns e que temos que ter soluções comuns. Mais ainda se mantêm aquele sentimento de que o que vem de fora de África é melhor que o africano. Mas só podemos valorizar o capital humano se este provar pela sua qualidade cognitiva o seu valor. Não pode ir de favor. A base é a meritocracia. Só seremos valorizados como capital humano se isso for a opinião dos outros. Temos que ser humildes. Não basta dizer que nós somos bons. Os que trabalham contigo têm que dizer, "sim, tens mérito!".

As instituições africanas estão cheias de consultores que vêm de fora de África, por exemplo.
Essa é uma questão de falta de solidariedade entre africanos nas relações de trabalho. Também não há projectos que valorizem os quadros humanos em África. O que os investidores estrangeiros valorizam são os recursos naturais, o factor motivador da sua presença no continente. Eles vêm por aquilo que naturalmente a "terra-mãe" nos dá - ouro, água, cobalto, petróleo, diamantes, etc - não vêem pelos nossos lindos olhos. E porque é que não são os investidores africanos a fazer isso? Porque é que não temos empresários nigerianos a investir no petróleo em Angola? Porque é que não são os empresários congoleses a investir no ouro no Gana? Não há essa essa interactividade entre africanos nos negócios e na consultadoria.

Acredita numa União Africana com fronteiras abertas, com livre circulação de pessoas e bens?
Não tenho dúvidas que vai ser assim. Sempre disse que o elemento dos vistos é um factor impeditivo da cooperação. A segurança e a soberania é hoje um argumento sempre rogado por muitos para impedirem a queda do tal visto, mas parece-me ser um falso problema. Com as tecnologias de informação disponíveis é possível controlar tudo. Através de um simples telemóvel toda a gente sabe onde estamos. Vamos fazer da integração africana com livre circulação de bens e pessoas, uma realidade, embora de forma controlada.

Angola sempre foi um país fechado neste aspecto...
Está também a mudar. O angolano é visto em África como vaidoso, logo não é tão hospitaleiro assim. Estamos a conseguir perceber que temos que ser humildes, e que casa abençoada é aquela que recebe mais visitas. Estamos a compreender quanto mais formos visitados pelos nossos vizinhos, melhor.

Os casos de má governação em África também não limitam essa possibilidade de fronteiras mais abertas?
Não é só a má governação, mas também a instabilidade política. E além destes a pobreza. É natural que os nacionais de países mais pobres, ou que sofram perturbações sociais, se sintam motivados a emigrar, à procura de melhores condições. Mas isso não é um problema, cria-se uma quota. Por exemplo, em Angola não podemos ter a ambição de querer viver sem expatriados. Não é possível. O caminho é outro, passa pela valorização do capital humano. A minha satisfação é que contribui para a mudança profissional na mentalidade dos recursos humanos em Angola.

E como é que isso se faz?
Os angolanos têm que mentalizar-se que tudo começa pelo autodidactismo, tem que se qualificar, tem que assumir que é capaz, e fazê-lo. Temos que acabar com esse estigma que impede muitas empresas de contratar nacionais, que é a preguiça. Têm que olhar para nós como produtivos. Se continuar essa ideia de que o angolano não consegue dizer o que fez no fim de cada dia de trabalho, se não contribuir para o crescimento da empresa, não é possível. O angolano tem que ser produtivo. Há que mudar a nossa postura.

Foto: Lídia Onde

"Claro que tenho ambições políticas (...) o céu é o limite"

Uma das constatações na nossa sociedade é que apesar da importância das mulheres na sociedade angolana, nunca houve uma ministra das Finanças, uma ministra da Economia, uma governadora do Banco Nacional. Parece uma área reservada apenas para os homens.
É algo que me deixa desconfortável de comentar. Temos tantas mulheres com conhecimentos nas áreas económica e financeira, mas assumiu-se uma masculinidade neste sector. Preciso de aprofundar mais esta questão, para perceber se há algum exemplo negativo no passado que possa influenciar este facto. A nossa sociedade é matriarcal e nós estamos obrigadas à exemplariedade. O homem pode errar, é apenas ele, agora quando uma mulher comete uma falha, são todas as mulheres que erram.

Pode haver outros factores...
Há também uma acusação que nos fazem - a mulher com poder financeiro torna-se arrogante. E não nos querem dar esse poder. Talvez seja isso que os homens pensam (risos)...

E quando é que vai acontecer?
Está cada vez mais próximo. Nesta situação de bloqueio internacional que o País sofreu por ter gerido mal o dinheiro do erário público, de passar este calvário, acho que todos acreditamos que as mulheres vão ter essa oportunidade de ter maiores responsabilidades na condução financeira do País. As mulheres respeitam muito mais o dinheiro que os homens.

Acha que o nosso País está preparado para ter uma mulher na Presidência da Républica?
Nos próximos dez anos acho que sim. Existem mulheres presidenciáveis. Acredito que nas eleições de 2027 poderemos ter candidatas mulheres.

E poderá ser uma delas?
Ainda não pensei nisso.

Tem ambições políticas?
Claro! Não há dúvidas que sim.

E até onde vão essas ambições?
O céu é o limite.

Foto: Lídia Onde

"Já ultrapassámos o tempo de dizer que os problemas vieram do partido único, dos colonos, etc"

Uma mudança de postura implica, também, um melhor sistema de educação. São valores que têm de vir da escola.
Não tenho dúvidas. Mas primeiro da família. Temos que ter em casa referências profissionais. Que o nosso pai e a nossa mãe sejam produtivos, que a educação seja fruto do trabalho. Família, escola, mas também falo sempre dos estágios profissionais. Eu sou muito pequena ao lado dos "monstros" de empresas. Mas se eu, Maria de Lourdes Capousso consegui em 10 anos promover 300 estágios de advocacia, dar 120 primeiros empregos, juntar neste período 602 pessoas e mostrar-lhes o que é produtividade, o que é pontualidade, o que é perspicácia, o que é uma mentalidade produtiva, imagine-se o que uma empresa que factura 100 mil USD/dia podia fazer. Temos que trabalhar em legislação que obrigue a empregabilidade como factor de responsabilidade social.

Mas nestes anos todos em que está a trabalhar em capital humano, pode dizer-se que as coisas melhoraram?
O balanço que faço é positivo. Já não aceito que somos preguiçosos. Muitas vezes se fala nisso nos fóruns internacionais. Que os angolanos são preguiçosos e não apresentam resultados. A nível de produção, seja no público ou no privado, o que queremos é resultados. O fundamental é trabalhar no duro, mas apresentar resultados. Com inteligência. Não vale a pena acordar às 5 horas na manhã no Kilamba para vir trabalhar para o centro da cidade e não ser capaz de apresentar um relatório do que se fez nas 8 horas.

Mas não há capacidade de trabalho ou é má atitude?
O angolano tem muita capacidade. Tem é que ser bem remunerado. Chamar um trabalhador e dizer-lhe "vou-lhe pagar um milhão de kwanzas, vou dar-lhe formação on-job, vou arranjar mecanismos de promoção na carreira. Mas quero resultados. Todas as terças-feira tens que apresentar relatórios do que fizeste". De um lado as garantias, do outro as exigências. O problema é que muitas vezes quem faz a planificação depois não quer estar em cima do trabalhador. Isso também cansa....

Mas muitos dos problemas de produtividade mantêm-se, mesmo ao nível do empreendedorismo.
Já ultrapassámos o tempo de todos os estigmas, de dizer que os problemas vieram do partido único, dos colonos, etc. O desafio agora é o capital financeiro. Tem que se desembolsar dinheiro. Não é dar! As pessoas têm que arregaçar as mangas e ir à procura de financiamentos. Fico muito satisfeita com a vinda do IFC para Angola, uma instituição do Banco Mundial que disponibiliza financiamentos a baixo custo a pequenos empreendedores. É destas instituições que precisamos, que cobram, que andam em cima, que querem saber do cumprimento dos planos de negócio.

Os angolanos têm capacidade de gestão?
Precisam de dar passos de gestão para gestores. Em primeiro há que constituir uma equipa com base na competência e capacidade. Depois separar o empreendedor do gestor. O primeiro tem causas, é como amar. Mesmo que lhe digam várias coisas sobre a melhor maneira de gerir o seu negócio, ele não vai acreditar. O segundo, pelo contrário, vai fazer cumprir as regras dos manuais de gestão. O gestor sabe que tem todos os dias fazer entrar dinheiro na sua empresa. Garantir a produtividade.

Como justifica que hoje nenhuma das mais de 80 empresas públicas, com excepção de três onde o Estado tem uma posição minoritária, distribua dividendos?
Não é má gestão? Eu vou falar da empresa que conheço, cujo sangue pulsa nas minhas veias, a Sonangol. Mas penso que também se aplica às outras. Uma das questões importantes é a estabilidade, Se estamos constantemente a mudar de gestão, de estratégias, de pessoas, de procedimentos, não é possível. Se cada gestor vem e muda tudo. Com a agravante de muitas vezes mudar também a legislação que está à volta, tudo fica condicionado. Nós temos que promover um programa de estabilidade legal e estratégica para as empresas públicas. Não se pode mudar constantemente os líderes dos institutos públicos. Estão lá para um triénio, deixa-se trabalhar, e depois faz-se uma avaliação com a responsabilização dos seus actos.

Mas fica-se com a ideia que na gestão pública ninguém é avaliado ou responsabilizado?
Nós temos que mudar. Fico satisfeita porque percebo que esse processo de mudanças de mentalidade já começou e as pessoas estão a mudar de comportamento e de atitude. A crise financeira também levou a que as pessoas se adaptassem a uma nova realidade, que se habituassem a viver do seu salário. Antigamente ensinavam-nos que ninguém vivia do seu salário. Havia sempre um esquema. Não é possível continuar a passar este discurso.

Isso cria enormes desiquilibrios de produtividade...
As pessoas estão sentadas no seu local de trabalho mas a cabeça não está ali. Estão a pensar nas outras quatro ou cinco fontes de rendimento, não há foco. Temos pessoas na nossa sociedade a entregar quatro ou cinco cartões de visita. Mas também é importante dizer que na função pública um bom funcionário não consegue ter rendimentos para pôr os seus filhos nas melhores escolas, mesmo em Angola. Torná-los mais competitivos para o seu futuro. E isso é o mais importante para o ser humano. Deixa-me só acrescentar que defendo que quando as coisas funcionam melhor, o privado é que deve ser o maior empregador.

Qual deve ser o papel do Estado na actividade económica?
O Estado deve ser o regulador e o controlador. Do meu ponto de vista a implementação e o compliance devem ser para os privados. Pode disponibilizar as verbas, mas fica a controlar a aplicação dos dinheiros públicos e a forma como são tratadas as pessoas. Isto faz-se através de parcerias público-privadas, embora seja importante dizer que muitas vezes há queixas da qualidade dos gestores privados. Muitos destes recebem as verbas, mas depois não são capazes de materializar os projectos. Por exemplo, no PIMM, devem ser os privados a desenvolver os projectos, porque estão mais perto das comunidades, das pessoas e dos seus problemas. Têm também maior capacidade de promover o emprego local.

Foto: Lídia Onde

"Não há desculpa para a corrupção. Se houve delito, deve ser julgado"

E naqueles que são os sectores estratégicos?
Na energia e águas o estado podia largar e deixar mais os privados intervirem. Nos petróleos também. Neste caso, acredito que sector privado organizado angolano, como se tem mostrado, tem vontade de entrar em força nesta área de negócios. Aliás, está nesta altura a discutir- se a lei do conteúdo local no sector petrolífero, uma área muito sensível, mas que noutros países promoveu bilionários locais. De que é exemplo a Nigéria.

A verdade é quando o País adoptou essa estratégia de fazer bilionários, naquilo que se chamou acumulação primitiva de capital, não resultou.
Não deu certo porque não houve pressão como acontecesse no sector petrolífero. Aqui não é possível falhar. A competitividade é tanta que se um angolano disser que vai explorar crude com uma sonda, tem que ter mesmo competências para o fazer. Nos projectos como o Angola Investe houve muita interferência política na concessão dos apoios, falta de isenção. Não foi um processo de referência positiva. Mas acredito que se seleccionar um empresário, e não um empresário-politico, as coisas resultam. Foram preteridos os empreendedores em detrimento dos políticos, e esse é que foi o problema.

Acha que esses "empresários-políticos" devem ser julgados e condenados?
Deixe-me só corrigir, são políticos-empresários. Passaram de políticos a empresários só por causa dos negócios, e esse é que é o problema. Quando é o contrário, são empresários que depois vão para a política, como é o meu exemplo, o caso é diferente. Fui empreendedora durante 21 anos, agora calço as botas e quero ter uma carreira política. Conseguem empreender e levam essa experiência para o serviço público, Como por exemplo Criryll Ramaphosa, ou mesmo Donald Trump.

Isso obedece a algumas condições prévias...
Em primeiro lugar ter uma estrutura de compliance muito bem organizada. Tenho que dizer aos meus clientes que já não sou eu a decidir. Posso continuar como accionista, porque há sempre contas para pagar, mas não sou eu que tomo as decisões, não sou eu que assino as cartas. O maior problema do nosso País, e também no mundo, são os "políticos-empresários".

Volto a perguntar, acha que apesar de o contexto ter mudado, estes "empresários-políticos" devem ser julgados e condenados?
Sou pela justiça e pelo poder judicial, e se alguém cometeu algum crime e se prove que prejudicou a nação por causa da sua acção, então deve ser julgado.

Mesmo que seja um ex-presidente da Republica?
Qualquer pessoa. Não devemos pessoalizar. Temos que analisar de uma forma objectiva. Repito, qualquer pessoa que tenha prejudicado uma Nação, que isso seja provado judicialmente, sem qualquer interferência política, deve responder pelos seus actos. Mas também só acredito num sistema judicial que não seja de "caça às bruxas", que não seja subjectivo. Temos várias instituições de controlo da legalidade - Tribunal de Contas, IGAPE, Procuradoria, entre outras, mais o poder de investigação dos serviços criminais. Se todas elas, objectivamente, provarem que houve delito, deve ser julgado.

E deve ser condenado?
Se for provado. Se tem todos os elementos que passam da mera suspeição para a justificação da acusação, não há dúvida que deve ser condenado. Mas a condenação é feita numa sala de tribunal, com provas, dentro do princípio do contraditório.

Há muitos anos que anda nesta cruzada da luta contra a corrupção.
A situação mudou mesmo no País, ou são apenas palavras? Mudou! Não tenho dúvidas. E só vai piorar para aqueles que não acreditam nisto, que não cumprem a lei e que acham que são apenas falácias. Quem ainda pensa que não vamos entrar para um Estado de compliance, engana-se. Porque a força do povo é grande, e o povo quer que se continue. Já não há retrocessos. Isso ia defraudar os donos do País, o povo.

As mulheres são menos corruptas que os homens?
Esse é um dado que nós que estudamos compliance, confirmamos. Nomeadamente do que diz respeito ao peculato, que como sabemos tem a ver com o desvio de dinheiros públicos. As mulheres assumem uma posição mais na resolução dos problemas sociais, muitas tratam as pessoas como filhos, e com este foco nas responsabilidades públicas, têm menos tempo para ter uma agenda paralela do esquema, para montar com frieza e calculismo um plano para defraudar o Estado. Mas não há regras sem excepção.

O caso da presidente da Coreia da Sul...
Isso passou-se num país, que juntamente com Singapura, são dos casos mais interessantes na luta contra a corrupção. Mas veja-se que neste caso a postura das mulheres é diferente. Assumiu, apresentou-se e mostrou-se disponível para pagar pelo seu erro. O mesmo aconteceu em África com uma das mulheres que mais admirava no nosso continente.

Tratou-se de deslumbramento pela posição ocupada?
O poder da caneta é extremamente complicado em termos de compliance. Quando as dificuldades financeiras - não só da micro-família como da macro-família - são grandes, fazem com que o poderoso facilmente caia em ciladas. Porque é a sua assinatura que vai adjudicar contratos, é a sua assinatura que vai autorizar a disponibilização de verbas...

Está a dizer-me que há desculpa para a corrupção?
Não há desculpa. Não é desculpável porque não é um dinheiro seu. Estou é a dizer que é necessário formação, preparação, que tenha os seus assuntos macro e micro-familiares devidamente resolvidos. Quando damos esse poder da caneta a alguém com fome, a probabilidade deste poder ser utilizado em proveito e benefício próprio é muito maior.

Lídia Onde

Trajecto profissional

Foi das primeiras pessoas a desfraldar a bandeira contra a corrupção, implantação do compliance e valorização do capital humano em Angola. Advogada de profissão, ligada ao sector do petróleo, com experiência nos Estados Unidos, Ásia e África, faz parte da network Word Economics for África. Empreendedora, fundadora do grupo LCF, promoveu 603 primeiros empregos na sua organização e proporcionou 312 estágios externos de advocacia aos seus colaboradores.

Ganhou inúmeros prémios, onde se destaca o ACQ Global Awards 2014 (melhor advogada anti fraude e recuperação de activos) e o Corporate Excellence Awards 2015 (Most Influential Woman On Natural Resourses). Foi também reconhecida em Houston por ter sido a primeira mulher a abrir um escritório de Ética e Compliance em 2013.