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Opinião

Profissional dos créditos

Editorial

Esta semana tive a oportunidade de conhecer um profissional dos créditos. Vou tentar explicar. Idade por volta dos 40 anos, parece-me. Fato apertado azul escuro, calças suficiente curtas para percebemos que não usa meias, pulseira de ouro em cima de um enorme relógio, e um lenço branco que sai discretamente do bolso superior esquerdo do casaco. Fala alto e trata todos por "tu". E também fala comigo.

Explica-me que tem uma fazenda de 200 hectares no Bié, que produz batata, e que conhece Luanda como ninguém. Diz que é empreendedor mas que o banco está a complicar o financiamento. Quando tento perceber para que quer o dinheiro, não me consegue explicar. Mas diz-me que foi um amigo que diz ter grandes contactos, que lhe sugeriu que se mudasse a factura pró-forma para um determinado fornecedor português, o financiamento seria aprovado sem problema. Volto a insistir para que quer o dinheiro. Diz que é um sistema de rega, mas não avança pormenores.

Ele sente-se mais à vontade e rapidamente percebo que apesar de insistir que tem 200 trabalhadores na fazenda, raramente lá vai. Empreende a partir da capital. Percebo que também conseguiu um financiamento ao abrigo do Angola Investe, que acabou por não implantar nem reembolsar na totalidade, e que um amigo lhe disse que estava numa lista da central de risco.

Explico-lhe que dessa forma não vai conseguir o financiamento. Não vacila. Não é a primeira vez que lhe acontece isso, e o velho dele que foi deputado, resolve. Diz que também tem um tio que nunca o deixa ficar mal. "Aliás, é ele que me dá estas dicas dos financiamentos".

Com a confiança que ganha, abre mais a sua vida. Estudou sete anos em Londres, mas nunca chegou a formar-se. No entanto trouxe um diploma para encher de alegria o coração da mãe. Trabalha num instituto público, mas pelos vistos não vai lá. Foi o tal tio que lhe arranjou, confessa.

Sobre a fazenda no Bié, nem uma palavra. No entanto sempre vai dizendo que desta vez está a pedir um financiamento de apenas 18 milhões de dólares. Tento perceber afinal quantos financiamentos já conseguiu nos programas de apoio ao empresariado. Diz-me que três, mas que apenas voltou a Angola em 2010. Agora já sou eu a fazer contas...

Somos interrompidos por um funcionário que se apresenta como gestor de crédito, reconhece-me e fala para os dois. "Já vi o seu processo e já falei com o seu tio. Neste momento a administração ainda não libertou as aprovações porque parece que existe um problema de comunicação com o BNA.

No entanto já sabemos que é apenas uma questão de tempo. Dentro de duas/três semanas já deve estar resolvido". Quando tenta mostrar um "maior agradecimento", o outro explica-lhe que já combinou tudo com o seu tio.

Encho o peito de ar e volto a perguntar-lhe qual é o sistema de rega que vai comprar por aquele preço. "Nem sei bem. Mas tenho um papel que o tal português me mandou com a factura pró-forma. Se quiseres mando-te por mail". Não, deixa lá, é a única coisa que me sai. Quando me sento no carro, percebo, conheci um "profissional" dos créditos.

Editorial da edição 533 do Expansão, de sexta-feira, dia 19 de Julho de 2019, já disponível em papel ou em versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui.