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Opinião

A influência da população na definição das políticas públicas

Laboratório Económico

A situação demográfica de partida em 2019 é1: população total de 30 167 079 habitantes, taxa de crescimento demográfico de 3,1%, taxa de fecundidade de 5,8%, densidade populacional de 24,2 habitantes por quilómetro quadrado, população rural de 45%, PIB de 98,9 mil milhões USD e PIB por habitante de 3278,4 USD (menos de 9 dólares por dia) e em queda desde 2014 de 41,7%.

De que modo a população pode ser um factor de crescimento económico?
Um critério possível é o da ocupação do imenso espaço territorial - por razões de equilíbrio regional, reconciliação nacional e limitação da emigração fronteiriça - podendo-se, então, estabelecer um valor desejável para o rácio população/superfície, de, por exemplo, 30 habitantes por quilómetro quadrado, devidamente bem distribuídos. Em condições de política demográfica inalterável (mantendo-se a mesma taxa de crescimento demográfico), Angola atingiria 37,4 milhões de habitantes em meados de 2026 (aliás compatível com as projecções do INE). Um dos grandes problemas demográficos do País é a imperfeita e desequilibrada distribuição populacional, de resto, em consonância com a do rendimento nacional e da actividade económica. Como a política demográfica e as correlacionadas com o fenómeno da população demoram muito tempo a produzir efeitos (as variáveis demográficas como a natalidade e a fecundidade - fundamentais e estratégicas para os equilíbrios demográficos - têm componentes culturais e tradicionais que só o desenvolvimento económico e a educação são capazes de alterar, no longo prazo), a correcção dos desequilíbrios demográficos territoriais vai ser difícil, no contexto dos propósitos acima enunciados. (ver gráfico)
Confirma-se pelo gráfico anterior a assimétrica distribuição da população, assim como a maior capacidade de atracção de actividade económica e investimento produtivo pela via da concentração demográfica das províncias do litoral norte-centro, com destaque para Luanda e Benguela (praticamente, 110 habitantes por quilómetro quadrado).
Não existe, no País, uma política de desenvolvimento regional capaz de modificar os comportamentos e motivações que influenciam a localização das empresas, verificando-se um efeito de atracção-mútuo actividade económica-deslocação da população. Ou seja, a localização empresarial atrai população e esta, por seu turno, é um factor de atracção empresarial. François Perroux (economista e demógrafo francês dos anos 60 do século XXI) e Walter Isard (especialista em teoria da localização espacial das actividades económicas dos anos 80, também do século passado) explicam muito bem os contornos das políticas regionais para se tender para um desenvolvimento económico equilibrado do ponto de vista territorial, minimizando-se/evitando-se os efeitos pressionantes sobre os equipamentos sociais e de saneamento básico. As posições neoliberais sustentam, em tese, que as localizações espaciais deverão ser as que o funcionamento dos mercados determinarem, especialmente no accionamento da Teoria das Vantagens Comparativas Regionais Internas2.
Voltando à primeira aproximação do óptimo de população, segundo o critério da ocupação do espaço territorial nacional (37,4 milhões de habitantes), que significado tem este quantitativo de população em termos de condições de vida? Admitindo um crescimento médio anual de 3% do PIB até 20263, o rendimento médio por pessoa seria de 3249 USD, um desincremento de 0,9% relativamente a 2019, ou seja, estagnação dos níveis de vida da população em 7 anos. No entanto, um rendimento médio diário de 9 USD por cada cidadão não corresponde ao objectivo estratégico de transformar Angola num País rico, educado e desenvolvido (pretensão do MPLA, seguramente partilhada pela grande maioria das pessoas, mas sucessivamente adiada pela incapacidade de se aplicar uma estratégia desenvolvimentista e geradora de rendimentos e igualdades). Assim sendo e do viés das condições de vida, ou se aumenta substancialmente a capacidade de crescimento económico, ou, então, se diminui a taxa de crescimento demográfico, podendo desacautelar-se o objectivo de uma maior ocupação do território nacional e de aumento da segurança interna.
Considere-se, então, um rendimento médio anual de 7000 USD em 2026 (19 USD por dia)4. Este valor só é compatível (matemática e economicamente) com uma taxa média anual de alteração do valor real do PIB de 14,9%, só imaginável nos sonhos mais idílicos dos inveteradamente optimistas. Muito dificilmente até 2035 aparecerão condições semelhantes às verificadas na "mini-idade de ouro" do crescimento em Angola (2002/2008).
Não sendo pela via do crescimento económico (tomando-se uma capacidade média anual de crescimento provável de 5%) e admitindo-se 7000 USD de rendimento médio anual por habitante como uma cifra medianamente aceitável (representa um incremento de 11,4% por ano depois de 2019), a população teria de diminuir para menos de 20 milhões de habitantes até 2026 (um ritmo médio anual de -5,8%, evidentemente só como hipótese meramente académica e teórica, mas que acaba por expressar bem a complexidade de conciliar economia, demografia e condições de vida, representando um aviso aos poderes públicos, normalmente pouco atreitos a aprofundar as matérias relacionadas com a demografia).
O Plano de Desenvolvimento Nacional 2018-2022 não aborda a demografia neste interface população/ocupação do território/crescimento económico/melhoria das condições de vida, limitando-se a propor políticas genéricas (página 77): "Tendo em consideração este enquadramento estratégico, as prioridades definidas no âmbito da política de população consistem em:
n Promover o desenvolvimento local inclusivo, mediante iniciativas de desenvolvimento endógeno das comunidades locais, assentes na participação, no desenvolvimento das competências e iniciativa, na valorização integrada dos recursos de pequena escala e no potencial das novas tecnologias;
n Garantir a protecção dos direitos da criança, prevenindo, combatendo e protegendo a criança contra actos de violência e de violação dos seus direitos, assegurando o seu acolhimento quando necessário, bem como implementar as redes de protecção dos direitos da criança nas comunidades;
n Mobilizar os jovens para comportamentos mais éticos, saudáveis, desportivos, inclusivos e participativos no desenvolvimento social, cultural e económico do País, possibilitando o convívio, a troca de experiências e aprendizagens conjuntas, e apoiar o envolvimento dos jovens em acções de voluntariado;
n Promover o empoderamento da mulher angolana, através do reconhecimento e valorização do seu papel em todos os domínios da sociedade, alargando os dispositivos de informação e sensibilização das comunidades para as questões do género e reforçando a sua qualificação profissional e autonomia familiar; e
n Melhorar a condição de vida das famílias e dos indivíduos, em especial os idosos, que se encontram em situação de precariedade social, suprimindo situações de carência extrema, aumentando os apoios sociais e assegurando a satisfação das suas necessidades básicas".

Volta-se, portanto, à questão do crescimento económico. Continuando a admitir-se que 30 habitantes por quilómetro quadrado representa uma boa ocupação do espaço e reduzindo-se a melhoria das condições médias de vida da população para 4500 USD anuais em 2026, o esforço de crescimento seria de 7,9% em registo médio anual entre 2019 e 2026. As simulações poderiam repetir-se em cadeia mas o anteriormente apresentado expressa bastante bem a complexidade do problema. (ver tabela)
(1) INE - Projeccções da população por províncias até 2050.
(2) É conhecido o livro de Paul Krugman sobre as determinantes da localização geográfica mundial das actividades económica (Geography and Trade).
(3) Entre 2019 e 2023, Governo e Fundo Monetário Internacional prevêem uma taxa média anual de variação real do PIB de 2,2%.
(4) Quanto maior a prosperidade em Angola, maior atractividade se exercerá sobre as populações dos países vizinhos (RDC, Zâmbia e Congo) e mesmo sobre os restantes da SADC (evidentemente numa hipótese simplificadora de que nesses países a sua situação económica e social permanecesse estacionária no tempo.
Alves da Rocha escreve quinzenalmente