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Opinião

Sacrifícios para todos

Editorial

Confesso que me está a incomodar esta sensação de acordar todos os dias e pensar "hoje estou mais pobre". Para quem tem poupanças em kwanzas, faz a sua vida no País de forma tranquila, não acumulou dólares, não tem "redes" no estrangeiro, não conhece as Seicheles a não ser pelo Travel Chanel, esta coisa da desvalorização começa a tornar-se chata.

Por um lado, porque as coisas estão mais caras, o nível de vida baixa sem darmos por isso, e depois porque quando queremos viajar, ir a outros locais, percebemos claramente que a ordem de grandeza da nossa moeda mudou, e já não dá.

Tudo isto num cenário em que os ordenados não aumentam, as empresas têm problemas de pagamento, as pessoas estão mais impacientes, o dia-a-dia mais difícil, as confusões e a marginalidade cruzam-se com mais frequência connosco, a qualidade de vida desaparece, a moral baixa e a felicidade de estar vivo vai fugindo. Também me incomoda, e muito, ver que isso parece não afectar quem tem obrigação de evitar que isto nos aconteça.

Sabia bem que de vez em quanto alguém valorizasse esta vida que estamos a passar. Com uma mensagem de esperança em vez de distância e arrogância, que de olhos nos olhos nos fosse dito "pedimos desculpa, mas o País precisa do sacrifício de todos. Nós vamos dar o exemplo e contamos convosco para que daqui a três/quatro anos possamos viver melhor".

Que as medidas que nos retiram essa qualidade de vida nos fossem explicadas de forma objectiva, e não parecesse sempre que o País passa por dificuldades por causa do cidadão comum - que é preguiçoso, incumpridor, malandro e pouco capaz. Essa é possivelmente a maior mentira da nossa História recente.

Angola está nesta situação porque os dirigentes não tiveram capacidade de gestão, não estavam preparados para essas funções, porque se preocuparam mais com os seus bolsos, porque deixaram ou levaram mais de 100 mil milhões de dólares para o exterior por vaidade e ganância.

Não tem nada a ver com o cidadão comum. Compreendo que faz parte da terapia e da salvação da elite culpar a massa anónima, onde se podem encontrar sempre exemplos de comportamentos e atitudes menos próprias que justifiquem esta atitude.

Mas relembro, também que nesta massa anónima se podem encontrar exemplos de garra, profissionalismo, solidariedade, de gente muito boa. Gostava de ver a elite mais preocupada com os sistemas de educação do que com os procedimentos da sua segurança, mais preocupada com a saúde de todos do que os privilégios de uns poucos, mais preocupada com os actos do que com os discursos.

Enfim, tenho para mim que é necessário perceber o que se está a passar para que possamos acreditar. Está chegada a altura de falar mais para dentro, de estar mais perto do cidadão comum. E de assumir que o culpado não é ele...


Editorial da edição 547 do Expansão, de sexta-feira, dia 25 de Outubro de 2019, já disponível em papel ou em versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui.