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Opinião

Quando o crime compensa

Convidado

Ainda está por analisar qual o impacto económico dos crimes ambientais na economia do País. Todavia, a julgar pela degradação ambiental causada pela actividade antrópica, certamente que a magnitude do impacte é alta.

Esta análise não deverá ser feita apenas sobre o que é destruído (por exemplo, como resultado das queimadas) mas também pelos investimentos que deverão ser feitos para travar a degradação ambiental e de infra-estruturas (por exemplo, como consequência das ravinas).

Nos últimos dois anos, os resultados de crimes ambientais têm tido incalculáveis custos para a biodiversidade, tanto para a flora como para a fauna. Por outro lado, tem resultado num impacto negativo sobre campos agrícolas, empreendimentos turísticos e infra-estruturas rodoviárias e ferroviárias que são destruídas por queimadas ilegais e desnecessárias. Há igualmente um impacto na sociedade com a perda de vidas humanas, muitas delas inocentes e que são apanhadas desprevenidas no meio do fogo.

Há vários factores que devem ser tidos em conta quando se trata do valor económico da biodiversidade e dos serviços ecossistémicos por si fornecidos onde se destacam: 1) a fonte de alimento de toda a vida animal e seres humanos, 2) a principal fonte do fornecimento de combustível, 3) muitos químicos e medicamentos são originários biodiversidade, 4) os serviços indirectos para o turismo, sequestro de carbono, purificação da água, e 5) os valores culturais e de conforto espiritual. No entanto, só é possível quantificar a nível nacional quando se souber o real valor dos nossos recursos naturais, principalmente aqueles que não têm um valor comercial.

Os acontecimentos mais recentes, e que configuram, à luz da legislação, transgressões administrativas e/ou crimes ambientais, hipotecam o desenvolvimento sustentável de Angola e não permitem que sejam concretizados compromissos nacionais e internacionais. Alguns dos objectivos da Política de Sustentabilidade Ambiental definidos no Plano de Desenvolvimento Nacional 2018-202 incluem preservar os recursos da biodiversidade, evitar a destruição de ecossistemas e controlar as emissões de poluentes.

Estes objectivos não podem ser apenas alcançados com documentos de política mas sim com acções concretas. O abate de quase dois mil imbondeiros no Sequele, outros tantos na zona de Luanda leste e o corte de mangais nas zonas costeiras não parecem ser adequadamente protegidos. Estas espécies têm o estatuto de espécies vulneráveis e a sua exploração deve ser feita de forma regrada. Tanto os imbondeiros como os mangais são espécies que devem ser protegidas e o seu corte ilegal pode resultar em penas de prisão de 6 meses a 3 anos.

Recuperação das áreas

Quando não são aplicados recursos na educação das pessoas, fiscalização das actividades e protecção dos recursos acaba por ser necessário investir recursos para a recuperação das áreas degradadas. Por exemplo, o Projecto Otchiva já despendeu aproximadamente 1,2 milhões USD para a recuperação dos mangais nas províncias de Luanda, Benguela e Zaire em quatro anos de actuação. Durante esse período, foram plantados mais de 779.000 mangais e retiradas 600 toneladas de lixo.

O mesmo acontece com a palanca negra gigante (Hippotragus niger variani), espécie ameaçada de extinção e cuja multa pela sua caça é de aproximadamente 21 milhões Kz ou ainda o rinoceronte preto (Diceros bicornis), espécie dada como extinta em Angola, que tem como multa o valor de aproximadamente 7 milhões Kz. A Fundação Kissama, organização não-governamental de protecção da biodiversidade, trabalha na protecção da palanca negra gigante no seu habitat natural na província de Malanje com um conjunto de parceiros nacionais e internacionais. Nos últimos 13 anos, já foram gastos perto de 1,5 milhões USD para a protecção da palanca e do seu habitat, campanhas de marcação e inventários, contratação de especialistas, fiscais e pastores da palanca, construção de infra-estruturas, aquisição de meios, custos de manutenção e acções de educação e sensibilização.

Este investimento permitiu aumentar significativamente a população de palancas no Parque Nacional da Cangandala de 9 indivíduos em 2009 para mais de 90 em 2020, e garantir a segurança de cinco manadas com aproximadamente 140 animais na Reserva Natural Integral do Luando. Apesar dos números optimistas, a caça furtiva continua presente no Luando e queimadas entraram no santuário da palanca na Cangandala. Esforços e investimentos de mais de duas décadas podem ser destruídos em meia dúzia de dias, pois o crime continua a compensar.

Outras espécies que são afectadas pelos seres humanos são as tartarugas marinhas. A tartaruga de couro (Dermochelys coriacea) tem estatuto de espécie ameaçada de extinção, particularmente devido à destruição dos seus ninhos e captura acidental. Durante a época de desova, entre Setembro e Março, são caçadas nas praias onde nidificam. Apesar de haver uma multa, desajustada ao seu estatuto de conservação (aproximadamente 140 mil Kz) e a proibição da sua caça continuam a ser feitas denúncias de mortes de tartarugas.

*Director Executivo da Fundação Kissama

(Leia o artigo integral na edição 596 do Expansão, de sexta-feira, dia 16 de Outubro de 2020, em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)