Que emprego efectivo tem criado a economia nacional? Qual a consistência dos respectivos dados?
Refira-se mais uma vez que as Contas Nacionais são imprescindíveis para a tomada de decisões macroeconómicas e microeconómicas, para a pesquisa, para as comparações internacionais, para os estudos sobre a realidade angolana, para os políticos formularem as suas propostas de governação, para os sindicatos gizarem os seus cadernos reivindicativos. Afinal para tudo, para que a sociedade se mexa e se dinamize.
As informações das Contas Nacionais abarcam um leque importantíssimo de variáveis económicas (algumas com relações estreitas com a situação social), do qual faz parte o emprego, total e por sectores. Desde 2012, que estas estatísticas sobre a situa- ção económica do país deixaram de ser publicadas com o riquíssimo pormenor que as caracterizou (ainda que com algumas inconsistências, corrigidas umas, outras - pequenas - que ainda se mantiveram nas publicações ajustadas). As Contas Nacionais gerais estão atrasadas e as folhas informativas que foram sendo divulgadas não substituem as publicações completas, onde se encontram detalhes que só mesmo as Contas Nacionais podem fornecer. O que se passa? Ordens superiores para que se não forneça este tipo de informações dado que podem desnudar os reais efeitos económicos e sociais das políticas do Governo?
Justamente por isso - partindo-se do princípio do rigor metodológico e da veracidade das informações oriundas das empresas e do Estado - é que este documento estatístico é um verdadeiro bem público. Sem ele os dados sobre o emprego não oferecem a mesma confiança, apesar da existência da Comissão Interministerial responsabilizada pelo acompanhamento desta situação e pela produção de informação estatística sobre a ocupação, pela economia, da população economicamente activa. À carência de dados estatísticos junta-se, por vezes, a inconsistência de alguns deles. Por exemplo, o Relatório de Balanço das Actividades do Governo 2013-2017 apresenta duas estimativas diferentes para o incremento de emprego (equivalente à criação de novos postos de trabalho) de 2015 para 2016. Na verdade, no gráfico do parágrafo 20, página X (1) são apresentados dois valores, um de 156 mil novos empregos para o chamado sector real da economia e 156,8 mil para o total. Porém, logo no parágrafo seguinte, se destaca que "em 2016, foram criados cerca de 152.199 novos empregos, com a maior concentração nos sectores da energia e águas (52.617), da indústria transformadora (30.526) e da geologia e minas (24.373)". Transportadas as informações oficiais, conseguidas através da consulta de alguns dos seus relatórios sobre o emprego, para o Ficheiro do CEIC, o incremento total ocorrido em 2016 foi, afinal, de 146810 novos empregos. Entre a primeira cifra e a do CEIC está uma diferença de 10 mil postos de trabalho, com reflexos sobre a estimativa da produtividade média do factor trabalho.
Outro aspecto que contribui para o aumento do receio sobre a consistência (e mesmo veracidade) das informações estatísticas sobre o emprego relaciona-se com os sectores da Energia e Água e Geologia e Minas, que desde 2013 aparecem como os maiores criadores de emprego líquido na economia nacional. Tratando-se de actividades capital-tecnologia intensivas é difícil compreender como é que a Energia e Águas acresceu ao seu stock de emprego em 52617 novos empregados em 2016, 50064 em 2015, 57349 em 2014 e 39309 em 2013. Um total de cerca de 200 mil novos trabalhadores em 4 anos.
Ainda outra relevância prende-se com a relação entre crescimento económico e variação percentual do emprego (ou seja, entre PIB e emprego). As evidências empíricas e a Ciência Económica mostram que para haver criação de emprego tem de haver forçosamente crescimento económico, global, sectorial e regional. A intensidade de reacção do emprego ao aumento da produção depende da natureza dos processos produtivos, intensivos em capital-tecnologia ou em trabalho. Ou seja, não há nenhuma garantia de que 1% de incremento do PIB induza, necessariamente, um aumento do emprego igual. Aparentemente, em Angola as coisas não se passam exactamente assim, sendo disso prova a indústria transformadora, a energia e água e as actividades diamantíferas e de extracção de outros minerais. Parece haver uma ciência económica específica a Angola para a análises destas correlações.
Na verdade, para as actividades indicadas - que são as mais destacadas neste item da incongruência, porque há outras - as taxas de crescimento dos seus PIB registadas em 2015 e 2016 foram muitos pontos abaixo do aumento relativo do emprego, conforme se pode observar pelo gráfico seguinte (ver gráfico).
As seguintes aproximações interpretativas são possíveis:
a) A produtividade bruta média aparente do factor trabalho, não só é baixa nessas actividades económicas, como tem vindo a diminuir significativamente desde 2012. Como se tratam de sectores que são relevantes para o processo e a estratégia de diversificação da economia e para construção de uma competitividade estrutural - nomeadamente a manufactura e a energia - então as combinações produtivas entre os diferentes factores de produção não obedecem a critérios e regras, nem da macroeconomia, nem da microeconomia.
b) As informações sobre o emprego são muito inconsistentes, quando comparadas com outras variáveis económicas, das quais o PIB é apenas uma delas. Ter-se-á de esperar pelas Contas Nacionais definitivas de 2015 e 2016 para se saber, de facto, qual foi a capacidade de geração de novos postos de trabalho da economia nacional.
c) Sendo as discrepâncias entre as taxas de crescimento do PIB e do emprego tão grandes, cabe perguntar, afinal, para onde foi tanto emprego? Ainda que a sua utilização tivesse sido ineficiente, muito mais crescimento do PIB deveria ter ocorrido.
d) E o caso da manufactura é verdadeiramente inexplicável: criação de emprego com recessão da sua actividade. O que fizeram então os trabalhadores? Ainda que se saiba que as taxas de absentismo são elevadas, nada permite explicar e compreender semelhantes disparidades, verdadeiramente anti Teoria Económica.
e) Centrando-se a reflexão sobre a competitividade e alguns dos seus factores estruturantes, emerge uma outra disparidade, desta feita entre o crescimento da produção de electricidade e da produção do país (muito mais da primeira do que do segundo), sendo de toda a legitimidade questionar-se para onde, no final de contas, irá tanta energia (2).
É fundamental que a colecta e sistematização de informação estatística pelos diferentes órgãos da Administração Pública se faça, integralmente, no respeito das correlações teóricas entre as variáveis económicas e não se guie por objectivos de natureza política, como aparentemente pode ser o acervo informativo sobre o emprego, variável social de relevância.
Alves da Rocha escreve quinzenalmente neste espaço