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Opinião

O voto certo

Alves da Rocha

A actual forte mensagem do MPLA para as eleições é a do VOTO CERTO, qual seja neste partido. A mobilização dos seus militantes está a ser feita em diferentes locais e até mesmo nas Universidades, orientando, com carácter obrigatório, estudantes e professores para um conjunto de tarefas a realizar até ao acto eleitoral, de modo a assegurar a sua vitória. E o slogan a ser difundido é justamente o voto certo.

Não sei se o voto no MPLA é o certo ou não. Em 1992, o meu voto foi na verdade para este partido e considerei-o o voto certo. Mas, em 2008 e 2012, já não foi assim, porque as suas propostas não foram convincentes. Já neste Semanário escrevi que as grandes metas de 2008 - criação de 1.300.000 postos de trabalho - e de 2012 - crescer mais para distribuir melhor - não foram atingidas. Seguramente que eram metas ambiciosas e, por isso, antes de serem anunciadas e propagandeadas deveriam ter sido testadas quanto à efectiva possibilidade de serem atingidas. Criaram-se novos postos de trabalho? Seguramente que sim, só que muito menos do que os prometidos. Angola já estava a dar sinais de desaceleração económica com a crise financeira internacional de 2008/2010, e as taxas de crescimento do PIB só não foram negativas porque o preço do barril de petróleo recuperou quase de imediato. Porém, não mais os níveis dos anos anteriores poderão ser atingidos. De resto, Angola parece ser a única economia no mundo que consegue criar permanentemente novos postos de trabalho (também já escrevi neste Semanário sobre a minha perplexidade quanto às estatísticas do emprego), sempre a somar ao volume de emprego anterior o novo emprego. As estatísticas oficiais nunca referem a destruição de postos de trabalho, processo normal nas economias de mercado, sobretudo, quando em crise de crescimento. Mas não, no nosso país, quer o PIB cresça ou não, quer se retraia ou não, o emprego está sempre a aumentar. Mas, mesmo assim, não se conseguiu atingir a profética meta de 1.300.000 novos postos de trabalho durante a legislatura 2008-2012.

Entre 2012 e 2017, nem se cresceu mais, nem muito menos se distribuiu melhor. Já o provei aqui nestas páginas. Não é suficiente as economias crescerem para que mais renda, mais serviços, mais oportunidades e mesmo mais serviços públicos cheguem, de uma forma igual a todos os cidadãos. O segredo para que isso possa acontecer está no modelo de acesso ao rendimento nacional, que está inquinado, só funcionando para um lado, o que permite licitarem-se, em leilões internacionais, relógios de USD 500.000. Quando se assume o propósito de distribuir melhor, não se pode perder de vista que se tratam de dinâmicas sociais e económicas de transformação profundas, e não meros propósitos eleitoralistas. Quando estes processos são estudados, ao nível da investigação social, a abordagem científica requer o domínio de conceitos como "formação social" ou mesmo "modo de produção", porque, volto a sublinhar, não se trata de agarrar em meia dúzia de tostões (que podem ser geradores ou outras "divices") e distribuí-los pelos habitantes das periferias, os mais pobres. Não, não é nada disso. A alteração de modelos de distribuição e redistribuição do rendimento nacional é um processo político-económico-social visando reformar alguns dos fundamentos dos modos de produção que, pela sua própria natureza, são desiguais e desigualitários nos acessos e na repartição. Os movimentos de transformação associados são profundos - autênticas vagas de ajustamentos nas variáveis económicas e sociais, na sua sobreposição - e deseja-se que tenham como resultado final a transfiguração dos sistemas existentes. É disso que se trata e, talvez por isso mesmo, a promessa não foi cumprida. Não vale a pena tentar justificar-se o insucesso pela crise internacional - que afinal até não existe nas economias mais desenvolvidas (vide Fundo Monetário Internacional, World Economic Outlook, Abril de 2017) - e a queda do preço do barril de petróleo. Mesmo que isso não tivesse ocorrido, a desigualdade ter-se-ia agravado ainda mais e mesmo o crescimento do PIB não teria sido muito diferente da realidade registada. Por isso, também nas eleições de 2012 o meu voto certo não foi neste programa.

O Programa de Governação do MPLA e o seu Manifesto Eleitoral para 2017-2022 (sobre os quais já me pronunciei também aqui no Expansão) não me satisfazem. Apenas duas notas para explicar a razão desta minha afirmação (claro que em termos subjectivos as opções e decisões não têm de ser sempre racionalizáveis, prevalecendo sempre o gosto pessoal por isto ou por aquilo) (1). A diversificação da economia e a redução da pobreza. São duas bandeiras da sua campanha eleitoral.

Também, a diversificação das economias tem subjacente processos de transformação e de dinâmicas transformativas profundas, muitíssimo para além dos indicadores macro e microeconómicos que as análises mais superficiais, incluindo as oficiais, usualmente apresentam. Estas dinâmicas envolvem processos de criação/destruição de classes sociais, alterações nos modos de produção prevalecentes, nos ajustamentos (quantitativos e qualitativos) das forças produtivas nacionais (para além dos tradicionais factores de produção terra-trabalho-capital), na alteração da composição orgânica do capital (dicotomia entre trabalho intensivo e capital intensivo, envolvida pela fundamental e indispensável modernização dos tecidos produtivos, em especial o industrial), nos esquemas e modalidades de repartição da mais valia (ou numa linguagem mais clássica, dos ganhos de produtividade), na movimentação sectorial e regional da força de trabalho, etc. Salvo melhor opinião - que as há sempre e felizmente - nenhum documento oficial, mesmo os prospectivos, aborda ou abordou a diversificação da economia nacional nesta perspectiva transversal (são insuficientes as abordagens pela via dos "clusters" e mesmo das cadeias produtivas, página 24 do Programa de Governação) e das componentes transformativas da formação social angolana. Por isso, quando na página 24 do Programa de Governação se identifica como objectivo "reforçar a diversificação da produção nacional, em bases competitivas" ficam muitas dúvidas. Segundo a visão deste partido político, a diversificação tem de se basear na substituição de importações, pelo menos numa primeira fase, não especificada quanto à sua duração e características. Tem-se como adquirido que o agravamento das pautas aduaneiras é uma das vias, sem se quedar de se compreenderem e avaliarem os respectivos malefícios para o bem-estar nacional.

Por enquanto, nem diversificação, nem substituição de importações substantivas e portadoras de alterações duráveis e racionais nas estruturas produtivas estão a acontecer. Deve-se, entretanto, pensar que a substituição de importações é sempre imperfeita e parcial. A substituição de importações perfeitas remete-nos para as abstrações do "óptimo de Pareto" e para discussões essencialmente teóricas, ainda que muito aliciantes. E igualmente, para as contribuições de Adam Smith, David Ricardo e John Stuart Mill sobre a divisão internacional do trabalho. Atenho-me apenas ao mais corriqueiro. A substituição de importações em Angola tenderá a ser imperfeita e parcial. Porque associada a distorções na produção e no consumo e no ainda muito elevado coeficiente de importação, no primeiro caso, e não está associada aos processos e dinâmicas sociais e económicas de acumulação.

Por isto, mas igualmente por outras propostas, o meu voto certo nas próximas eleições ainda está muito indefinido e hesitante. O outro tópico - o da pobreza - vou deixar para o próximo artigo no dia 16 de Junho, mas com um esclarecimento preliminar: pretendo tecer algumas considerações quanto ao relacionamento pobreza/inflação (dois fenómenos há muito recorrentes no nosso país), mas numa perspectiva muito para além da quebra do poder de compra dos rendimentos das classes menos protegidas.

Alves da Rocha escreve quinzenalmente neste espaço