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Opinião

Pobreza e inflação

Alves da Rocha

Finalmente a segunda parte da reflexão sobre pobreza e inflação, cuja primeira parte foi apresentada em 16 de Junho passado.

Depois de um período de dois anos de inflação baixa, na casa de um dígito (2013 e 2014), a inflação em Angola voltou a subir de forma acentuada em 2015 e 2016, respectivamente, 14,5% e 41,7%. Duas pequenas observações quanto a estes comportamentos: (i) dada a quebra de mais de 45% no preço do barril de petróleo entre Junho e Dezembro de 2014 - que acarretou a relativa perda de influência da âncora cambial como instrumento da política monetária de estabilização dos preços -, a taxa de inflação de 7,5% verificada nesse ano ficou a dever-se, essencialmente, ao controlo da massa monetária, através dos instrumentos clássicos dos bancos centrais; (ii) a outra relativiza-se no lag de transmissão dos efeitos inflacionistas através da política cambial e que pode ser estimado em cerca de seis meses, em condições de ceteris paribus. Durante este período - 2013/2016 - as taxas de crescimento do PIB, de inflação e de pobreza foram as constantes do gráfico nesta página.

Os pacotes clássicos de políticas macroeconómicas são tidos como potencialmente geradores da seguinte sequência de efeitos: crescimento económico, estabilidade de preços (controlo da inflação) e redução da pobreza. Algumas evidências empíricas parecem não confirmar exactamente que mais crescimento seja suficiente para estabilizar os preços e reduzir a pobreza (1). O modelo de acesso às oportunidades de geração de valor agregado e de criação de renda é o ponto central, sendo por isso que muitos economistas e sociólogos desloquem as suas propostas de progresso económico e social para modelos que incorporem a redução das desigualdades e o melhor acesso à educação e formação como pontos centrais das respectivas políticas de intervenção social.

No meu artigo neste Semanário de 30 de Junho - A Redistribuição do Rendimento como modelo de acumulação alternativo - defendi que uma das formas de promover, melhorar e garantir sustentabilidade a novas modalidades de acesso ao rendimento nacional era a do fornecimento de educação de qualidade às faixas populacionais mais pobres, possibilitando-se, assim e a montante do processo, a criação de activos fundamentais para uma participação diferente e de maior valor agregado na distribuição e redistribuição dos benefícios do crescimento económico. A ser verdade a notícia da LUSA (30 de Junho de 2017, sexta-feira), segundo a qual e de acordo com um estudo encomendado pelos Ministérios da Educação e do Ensino Superior a uma empresa portuguesa, o Governo, nos últimos 12 anos, gastou menos de 2% em educação, então, não se podem esperar alterações de vulto no modelo e nos processos de diminuição das desigualdades sociais e de redução da pobreza (2).

Também por aqui se pode compreender - voltando ao gráfico anterior - a razão do aumento da taxa de pobreza, mesmo tratando-se de estimativas, entre 2013 e 2016. Com apenas 2% de gastos públicos em educação (presumo que de funcionamento e investimento) as expectativas de mudança nos itens pobreza e desigualdades são muito baixas, reduzindo-se ainda mais se as perspectivas de crescimento do PIB forem da ordem de 1,5% em média anual até 2021. Nestas circunstâncias, a capacidade de geração de receitas para a economia e para o Estado apresentar-se-á bastante afectada.

Para além desta insuficiência de política económica e de intervenção sobre os processos de mudanças sociais, o que também deve ser posto em causa é o automatismo do raciocínio mais crescimento "mais emprego" menos pobreza. Marc Wuyts (3) refere um estudo recente de Mishel (4) sobre o boom da economia americana de 2000 a 2007 onde chegou à conclusão de que "a economia teve um bom desempenho, a não ser para as pessoas que dela fazem parte". Quer isto dizer, e repito-o, que a relação entre crescimento e redução da pobreza está muito longe de poder ser considerada um axioma da macroeconomia, como muitos economistas e investigadores angolanos pensam. Claro que tudo começa no crescimento económico, mas como condição necessária, apenas.

Na verdade, não se pode partir do princípio de que, por obra e graça de forças inexplicáveis, o crescimento se espalhará automaticamente por todos e em igual medida. E é isto que os Partidos Políticos em Angola - como em qualquer outra parte, tendo destacado o meu país porque está em campanha eleitoral, onde cabem todas as promessas, mormente as mais inverosímeis - devem ter em atenção, em especial, os que podem ser Governo, de modo a alicerçarem as suas propostas e modelos de governação em premissas e axiomas científicos.

O gráfico anterior mostra, ainda, que a perda de dinâmica de crescimento do PIB angolano depois de 2012, teve como consequência o aumento da taxa de pobreza. Mas devo acrescentar que a melhoria das condições de vida da população depende também do crescimento da produtividade do trabalho e da medida em que esse crescimento se transforme em aumento dos rendimentos do trabalho, voltando-se, portanto, à questão de base do modelo de repartição do rendimento nacional. Para se ter a certeza de que o crescimento beneficia a população pobre é necessário esquematizar (e aplicá-lo com coerência e determinação política) um modelo de geração e acumulação de mais-valias do qual participe a maioria da população, através das modalidades explicadas no meu artigo de 30 de Junho de 2017.

A relação entre pobreza e inflação pode ser estabelecida através do índice de preços dos produtos alimentares e do seu comportamento. Através da Lei de Engel sabe-se que a percentagem do rendimento familiar consagrado às despesas com bens alimentares baixa conforme o rendimento aumenta. Isto implica que o aumento dos preços destes produtos afecta, portanto, muito mais os pobres do que os ricos. Um corolário importante deduzível desta afirmação e com reflexos para a política económica é que o aumento da produção agrícola é muito mais importante do que o crescimento do PIB global - sobretudo quando dominado pela produção exportável de recursos naturais não renováveis, como em Angola com o petróleo - para o combate à pobreza e a melhoria do nível geral de vida.

Notas:
(1) Conforme tenho escrito em diferentes ocasiões, o elemento fundamental para a redução da pobreza é dado por alterações significativas e sustentáveis do modelo de distribuição e redistribuição do rendimento nacional, relativamente ao qual nada de substantivo tem ocorrido em Angola, não sendo de esperar que o novo Presidente da República tenha capacidade e espaço político para o fazer durante o seu mandato.
(2) "Custos e o Financiamento do Ensino Superior em Angola", compila o peso da dotação orçamental dos Ministérios da Educação e do Ensino Superior de Angola". Mais um atestado de incompetência passado às Universidades angolanas às quais o Governo não reconhece habilidades, competência e capacidade de pesquisa sobre itens e assuntos económicos, sociais e políticos nacionais para fazer determinados estudos. Não me cansarei de denunciar esta forma de transferência de divisas para o exterior e de marginalização das competências e investigadores angolanos.
(3) Inflação e Pobreza, Uma Perspectiva Macroeconómica, Desafios para Moçambique, 2016, Instituto de Estudos Sociais e Económicos, Maputo 2016.
(4) Mishel, L. et all - The State of Working América, 2009.

Alves da Rocha escreve quinzenalmente neste espaço