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Opinião

Afinal onde estiveram os profissionais nestes 42 anos de governação do MPLA?

Alves da Rocha

A inspiração deste artigo decorre directamente das afirmações do primeiro discurso do Estado da Nação proferido pelo novo Presidente da República no passado dia 16 de Outubro. Um dos seus focos foi o Banco Nacional de Angola (BNA), no sentido das observações menos abonatórias sobre como o seu papel tem sido desempenhado (afinal pouco profissional). Mas foram igualmente outros sectores da nossa vida colectiva e em especial do nosso quotidiano económico, repleto de dificuldades. Sectores sob comando das políticas públicas.
Reconhecendo, embora, os avanços registados em matéria de melhoria da qualidade e da qualificação dos recursos humanos - alteração directamente relacionada com a finalização da guerra civil que possibilitou a explosão de iniciativas individuais de se aprender mais e melhor - sectores nevrálgicos da vida social e económica do País têm sido dirigidos não apenas por não profissionais (curiosos das coisas económicas), mas igualmente por pessoas com lacunas importantes ao nível da Ciência Económica. Não vale a pena fazer, aqui e agora, a crónica desses tempos, sendo suficiente constatar que se acumularam erros sucessivos de políticas económicas que acabaram por conduzir o País à presente situação da crise económica, financeira e social.
Pergunto: porque é que depois de 2009 Angola entrou num ciclo de desaceleração estrutural do seu crescimento económico? A resposta oficial (fácil, ligeira, imediata) tem sido sempre a queda do preço do barril de petróleo no mercado internacional (2008/2009 e 2014). Mas essa não é a verdade total, devendo procurar-se uma sua parte significativa na ausência de reformas estruturais de mercado e na decisão ideológica de se criar a burguesia nacional ligada ao MPLA que custou muito caro ao País. Governar não é tão-somente gerir (ainda que o façamos bem e como profissionais), mas antecipar, que exige capacidade de visão, presciência e sólidos conhecimentos da ciência económica. E a recessão económica? Efectivamente ela ocorreu em 2015 e 2016.
De um ponto de vista nominal e igualmente quando se analisam os valores reais. O Instituto Nacional de Estatística (INE) - teoricamente o guardião das Contas Nacionais e de estatísticas confiáveis, na base das quais, nós, os investigadores sociais, e vós, os fazedores das políticas económicas, alicerçam conclusões e se tomam decisões - ainda não invalidou a taxa de crescimento do PIB de 2016 de -3,6%, tendo-se limitado, por ordens superiores, a retirar de circulação a sua folha informativa das contas trimestrais desse ano. No seu discurso sobre o Estado da Nação, o Presidente da República apresentou uma taxa positiva de 0,1% (equivalente a crescimento zero, pois 0,1% acaba por ter apenas uma validade e um significado meramente estatístico), enquanto o Fundo Monetário Internacional (FMI) aponta para uma taxa (negativa) de -0,7%.
Afinal quantos INE"s tem Angola? Repare-se que para os agentes económicos - activos e responsáveis pelas decisões de investimento e produção e passivos a quem compete as decisões de consumir e de oferta de força de trabalho - não é nada indiferente considerar, indistintamente, cada uma daquelas taxas (a gestão das expectativas dos agentes económicos é hoje um dado incontornável do funcionamento dos sistemas económicos, independentemente da doutrina considerada, mais keynesiana ou menos neoliberal). Nem mesmo para o Governo que deve basear a definição das suas políticas da regulação da economia na verdade estatística.
Afinal onde é que está a falta de profissionalismo? No INE, no FMI ou nos serviços públicos que entregaram ao Chefe de Estado a estimativa de 0,1%? Recordo que, durante a sua campanha eleitoral, João Lourenço prometeu transparência em todos os sectores da nossa vida colectiva, em especial nas contas do Estado. As taxas de crescimento do PIB fazem parte das Contas do Estado.
Mas o INE tem sido considerado profissional quando produziu as estatísticas dos preços, vulgo índice de preços no consumidor. Depois de 2014, assistiu-se à derrapagem da inflação (controlada ao nível de um dígito graças à âncora cambial da política monetária), mas nem por isso o INE - que faz o seu cálculo segundo as normas convencionais e internacionais foi posto em causa.
Permitam-me algumas notas sobre a inflação e algumas achegas sobre encará-las para a estabilizar em níveis economicamente absorvíveis pelo sistema económico e socialmente compagináveis com a preservação do poder de compra dos rendimentos das famílias mais pobres.
A inflação em Angola, desde que começou a ser medida em 1991, sempre teve origem em problemas estruturais ocasionados por choques externos e pelos sucessivos erros de política económica, com especial destaque para o centralismo económico inerente ao sistema socialista implantado depois da independência. Durante longos períodos, foi possível suster a inflação à custa das reservas internacionais líquidas que agora estão no seu limite mais baixo. Foi a política da âncora cambial, cujos custos - económicos, financeiros e sociais - ainda estão por determinar.
Qual foi o custo de oportunidade para a economia nacional de se ter controlado a inflação à custa da manutenção de uma taxa de câmbio sobrevalorizada? Que prejuízo real esta política cambial acarretou para o processo de diversificação e de gestão das expectativas de potenciais exportadores (para muitos autores a diversificação e expansão das exportações é a boa diversificação, associada a efeitos de contágio sobre os restantes sectores da actividade económica). Estas contas estão por fazer e seguramente importava conhecê-las para se tirarem conclusões acertadas sobre quais as melhores políticas económicas que garantem a boa diversificação.
São dois os tipos de programas desinflacionistas que podem ser levados à prática para cortar a dinâmica de crescimento dos preços. Um é o programa ortodoxo, aplicado em situações de inflação moderada e cujo eixo principal é o controlo e a gestão da procura agregada, partindo-se do princípio da não existência de deficiências estruturais graves. No caso presente de Angola, a inflação já não deve ser considerada moderada, nem as deficiências estruturais são ligeiras. A lógica de funcionamento destas abordagens de controlo da inflação parte da existência de um excesso de procura nominal sobre uma oferta de tipo essencialmente conjuntural. A receita consiste em misturar um pouco de política fiscal - diminuindo-se os gastos do Estado - com muita política monetária (cortando-se os incentivos ao aumento do consumo privado, aumentando os impostos e elevando-se as taxas de juro). São as chamadas políticas ortodoxas. Aplicáveis a Angola neste momento? Sem se saber exactamente as causas da subida dos preços não se pode, de "peito aberto", adoptar este tipo de aproximação anti-inflacionista. Se se procura aumentar a dinâmica de crescimento da economia, altas taxas de juro e restrições ao aumento do consumo privado são uma receita contraproducente. Portanto, por aqui as coisas podem estar complicadas.
Então, no receituário anti-inflacionista encontram-se os conhecidos programas heterodoxos de combate anti-inflacionista: uma combinação dos ortodoxos (continua a ser necessária a gestão da procura pelas políticas ortodoxas), mas agora combinadas com a introdução de choques. Um choque é sobretudo uma mudança repentina e muito profunda em algumas variáveis estratégicas da política económica. Uma dessas variáveis - também conhecida como macro-preço - é a taxa de câmbio. Um choque nesta variável corresponde a uma desvalorização. Não do tipo gradual, mas de choque, que não dê azo à introdução de comportamentos de ajustamentos de expectativas e contribua para um reajustamento rápido do sistema de preços relativos da economia. Mas esta medida tem fortes componentes políticas que o novo Presidente da República talvez não queira ou não tenha condições de assumir as consequências negativas de curto prazo.
A política de preços tem sido conduzida ao longo do tempo por profissionais ou não profissionais. Esta política de preços envolve o Banco Central, o Ministério das Finanças e, afinal, todo o Governo. Quem é que neste quadro não tem sido profissional?
Alves da Rocha escreve quinzenalmente neste espaço