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Opinião

A descentralização regional em Angola é rentável? (sem ovos não haverá omeletes)

Laboratório Económico

Estranha forma de colocar em reflexão - mais uma da minha parte neste Semanário - um tema da actualidade política em Angola? Não creio, porquanto estão envolvidos recursos escassos com um custo de oportunidade calculável e num contexto económico e social de inúmeras carências. Em quanto a descentralização regional influenciará o crescimento económico nacional? De que modo poderá ser um meio de atenuação das tremendas assimetrias entre litoral e interior? Em quanto a descentralização criará economias de aglomeração no interior do País? Não são suficientes suposições e especulações teóricas sobre as consequências da descentralização.

De um ponto de vista político, o argumentário a favor da descentralização regional não oferece contestação, por ser um meio de fazer as populações participar na equacionação dos seus problemas e na descoberta das melhores soluções. Mas de outros pontos de vista (administrativo, constitucional e metodológico) o facto de Angola ser um Estado Unitário (tal é o preceito constitucional), determina que o essencial e mais importante das decisões políticas e de política económica continuem a pertencer ao Estado e à Administração Central do Estado (ACE), não restando à Administração Local Autárquica (ALA) senão responsabilidades e zonas de intervenção marginais, provavelmente insuficientes para alavancar o crescimento económico e o desenvolvimento social local.

Por muito que se avance na descentralização administrativa e mesmo financeira, a natureza marginal dos seus efeitos económicos perdurará. A autonomia na definição de políticas económicas próprias de cada província (com participação e repercussões dos municípios) é impossível no actual quadro constitucional.

Em Ciência Económica não há como fugir de conceitos básicos, como eficiência, eficácia, equidade e racionalidade. A questão do título poderia ser também "a descentralização regional em Angola é racional"? Ou tem condições para ser racional? É conveniente lembrar que a racionalidade é um dos postulados da economia (parte-se do princípio de que todos os agentes económicos são racionais nas suas escolhas) a par do do equilíbrio (os mercados equilibram sempre por força da actuação livre dos seus mecanismos de ajustamento). São princípios definidos e defendidos pela economia liberal neoclássica, mas nem sempre ou quase nunca verificáveis nas economias reais.

Via de regra, a eficiência conflitua com a equidade e se um dos objectivos da descentralização regional for o de se melhorar a equidade entre as regiões/províncias/municípios na distribuição do rendimento nacional, a observância da eficiência - se for tida como critério essencial de afectação de recursos escassos - pode agravar a desigual repartição espacial do crescimento económico. E entre eficiência e eficácia as convergências são claras (1)?

A eficiência tem a ver com a produtividade e a economicidade dos meios. A eficácia relaciona-se com a capacidade de se implementarem "coisas", como, por exemplo, a execução de um projecto de investimento público (reabilitação, em tempo, do eixo rodoviário Huambo-Luanda, em detrimento da construção da Cidade Administrativa, pelos efeitos centrípetos (de irradiação) que pode ter sobre o crescimento económico global e regional (acreditando-se nos efeitos de propagação tão do agrado da Economia Regional de Walter Isard)).

O projecto de descentralização regional está considerado em todos os documentos oficiais do Governo e do MPLA. Também nos da Oposição, ainda que neste caso com uma vertente política acentuada. Mas o modo como as entidades de governação o apresentam e defendem é racional? Poderá ser eficiente e eficaz nos propósitos e objectivos defendidos, como o da redução das disparidades e desequilíbrios?

A racionalidade, neste caso, relaciona-se com o trinómio descentralização/população/localização das empresas (actividade económica). A aplicação cega do princípio da racionalidade económica - ligação da população à instalação das actividades económicas enquanto factor de atracção e de rendibilidade dos investimentos privados - poderia levar a que se tivesse de concentrar toda a população do País numa única área metropolitana (seguramente Luanda).

Não se pode desligar a descentralização regional da população, nem tão pouco do crescimento económico e da localização das empresas e firmas - as que, no final do dia, dão corpo ao investimento, ao aumento da produção e à criação de emprego - valendo por dizer que sem pessoas (força de trabalho e consumidores) não se cria uma massa crítica de procura económica endógena atractiva do investimento privado. Ou seja, e de acordo com os dados populacionais do INE, existem municípios com tão pouca população que nunca serão capazes de atrair actividade económica (e são em número elevado).

E se estivermos de acordo com as teorias que enfatizam os factores de atracção (factores centrípetos) e de repulsão (factores centrífugos) da localização da actividade económica (uma vez mais Walter Isard), então ficaremos com a certeza de que a descentralização regional não será suficiente para atenuar os desequilíbrios territoriais actuais e futuros, que, do meu ponto de vista, tenderão a acentuar-se.

As propostas do Plano de Desenvolvimento Nacional sobre estas matérias seguramente que irão acentuar as discrepâncias entre o litoral e o interior. Respigo, transcrevendo na totalidade: "Esses objectivos foram acompanhados pela proposta de um Modelo Territorial, orientado para uma rápida reconstrução do potencial produtivo e do bem-estar da população, tendo por base o desenvolvimento de uma rede de pólos de desenvolvimento, pólos de equilíbrio, plataformas de internacionalização e eixos de desenvolvimento, consolidados e potenciais, cujos principais traços são:

- Uma grande região metropolitana organizada em torno de Luanda, concentrando as principais infra-estruturas de internacionalização e a sede dos principais grupos económicos e das empresas e instituições internacionais que actuam no País, embora com dificuldades para ultrapassar a forte dualidade e a incapacidade de criação de emprego e garantir condições de vida condignas a todos os habitantes e, por isso, exigindo políticas fortes de ordenamento e desconcentração;
- Uma segunda plataforma de internacionalização no eixo Benguela-Lobito - com base na indústria e nas actividades logísticas, em serviços avançados e num importante sector turístico - e uma aglomeração urbana dinâmica no centro geográfico do País (Huambo-Cuíto) na base de actividades agro-pecuárias e industriais, competitivas no mercado nacional, e de serviços avançados de educação e investigação;
- Um vasto conjunto de territórios remotos e periféricos, caracterizados por muito baixas densidades populacionais, ausência de aglomerações urbanas e muito fraca intensidade de relações económicas e de fluxos de pessoas e bens e objecto de acções públicas, visando a sua integração na economia nacional". (2)

Com Luanda a concentrar presentemente 75% da actividade económica e emprego, praticamente 30% da população total e o eixo Luanda-Benguela-Lobito a debitar praticamente 90% e 37% respectivamente, os tempos que se avizinham serão caracterizados por um agravamento das assimetrias regionais em Angola.

Razões: as economias de aglomeração em torno destes dois eixos, que ainda levarão muito tempo a transformarem-se em deseconomias de aglomeração e a dificuldade em os eixos interiores apresentarem capacidades de captação de investimentos privados (os governadores provinciais estão bem conscientes destas dificuldades e têm-no manifestado em Fóruns que organizam justamente com o propósito de influenciarem os empresários privados).

É neste contexto que me atrevo a recear que se crie uma "armadilha da regionalização (autarcização)", ideia retirada de "armadilha da globalização" de Stiglitz e Krugman (3): melhoria das condições políticas de participação, sem dinamismo económico e melhoria na repartição do rendimento em cada província ou município.

Notas

(1) Têm sido muito interessantes as discussões/reflexões feitas sobre a dicotomia eficiência/eficácia dos investimentos públicos com um dos meus colegas investigadores do CEIC, que defende, justamente a propósito do eixo rodoviário Huambo-Luanda, que o mais importante é finalizar a sua reabilitação/construção (eficácia), ainda que com padrões mínimos de qualidade (eficiência)

(2) Plano de Desenvolvimento Nacional, 2018-2022, páginas 69 e 70, na versão PDF.

(3) Muitos economistas, dentre os quais Stiglitz e Krugman, apontam a armadilha da globalização para muitos países, afirmando-se que o que se observou
a partir dos anos 80 foi uma
intensificação do comércio externo
sem dinamismo interno


Alves da Rocha escreve quinzenalmente