Nove em cada 10 USD adjudicados em 2022 foram para ajustes directos
Dos 1.628 procedimentos de contratação pública comunicados ou registados pelo Serviço Nacional da Contratação Pública no ano passado, 706 foram por contratação simplificada, que consumiu 1,4 biliões de Kz, do total de quase 1,6 biliões Kz contratualizados em contratos públicos.
Noventa porcento do valor total dos contratos públicos registados no ano passado pelo Serviço Nacional da Contratação Pública (SNCP) foi em contratação simplificada, os denominados ajustes directos, segundo o relatório anual deste organismo publicado este mês.
O documento do SNCP avança não só o valor dos contratos dos diferentes procedimentos de contratação pública, mas também o número concreto de contratos. Assim, se em termos de valor o ajuste directo é líder destacado, o mesmo acontece com o número de contratos registados, já que os contratos simplificados correspondem a 43% do total dos procedimentos adoptados pelas entidades públicas contratantes. Ou seja, 706 contratos de um total de 1.628 foram por ajuste directo.
Já em termos de valor, a contratação simplificada atingiu quase 1,4 biliões Kz de um total de quase 1,6 biliões de toda a contratação pública registada pelo SNCP no ano passado.
Em termos homólogos, os ajustes directos disparam assim de 21,5 mil milhões Kz em 2021 para 1,4 biliões Kz, no passado, uma variação de 6.407%. Segundo uma fonte do Ministério das Finanças este "salto deve-se ao facto de "os contratos por contratação simplificada apresentarem regularmente o valor contratual, contrariamente a outros tipos de procedimentos, que muitas vezes não trazem o valor estimado para os contratos".
"Há ainda a questão de 2022 ter sido um ano eleitoral, que faz com que quem governa queira apresentar mais trabalho e isso leva ao aumento de contratos. E também há o aumento do número de procedimentos de contratação pública comunicados ao SNCP", concluiu a fonte.
Ou seja, apesar de a contratação simplificada ser aquela que é menos transparente ( já que afasta a concorrência entre as empresas) os órgãos públicos que estão a divulgar ao SNCP os contratos por ajuste directo estão a cumprir a lei que os obriga a comunicar também os valores, ao contrário do que está a acontecer com outros tipos de contratação que por norma ocultam os valores envolvidos.
Os dados de 2022 da contratação pública foram publicados pouco depois de o Expansão ter avançado com os dados, ainda preliminares, do I trimestre deste ano. Assim, o ano passado e o I trimestre deste ano têm em comum o facto de os ajustes directos serem o tipo de procedimento de contratação pública cujos valores são mais elevados, o que para vários especialistas é "escandaloso" e compromete a transparência exigida na Lei dos Contratos Públicos e em nada abonam no processo de combate à corrupção. Há cerca de um mês, Heitor Carvalho, coordenador do Centro de Investigação Económica da Universidade Lusíada Angola (CINVESTEC), tinha defendido ao Expansão que um valor tão elevado de ajustes directos "comprometem a transparência quase na sua totalidade". "Vejo com enorme preocupação que a quase a totalidade dos contratos públicos têm sido feitos por contratação simplificada, que retira praticamente a transparência exigida nestes contratos", disse o investigador.
Para Heitor Carvalho, deve ser criado um mecanismo que ponha fim a esta prática, já que este tipo de contratação, que deveria ser de excepção está a tornar-se regra. "Só vejo um caminho que é o de substituir a legislação existente, impedindo a contratação simplificada para casos que não se enquadrem em situações de calamidade ou mais graves", considerou. O problema é que os principais prevaricadores são praticamente os mesmos que fazem as leis, como é possível verificar-se no recurso quase exclusivo à entrega de contratos públicos pelo Governo a empresas como a Omatapalo, o grupo Mitrelli, o grupo Carrinho e a Gemcorp, que já lhes valeu o cognome de as quatro estrelas da governação de João Lourenço.
Já Fernandes Wanda, coordenador do Centro de Investigação Social e Económica da Faculdade de Economia da Universidade Agostinho Neto, entende que a contratação simplificada retira a concorrência que é necessária para o desenvolvimento e crescimento da economia. "Há uma exagerada preferência pela contratação simplificada que acaba por distorcer a sã concorrência que caracteriza uma economia de mercado", disse.
Para o também docente universitário não é possível imaginar um governo que quer pensar no longo prazo, fazer uso recorrente de procedimentos supostamente emergenciais. "É preciso questionar a urgência de certos contratos para que os agentes económicos tenham as mesmas igualdades de circunstâncias", defendeu.
(Leia o artigo integral na edição 730 do Expansão, desta sexta-feira, dia 23 de Junho de 2023, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)