Garantias soberanas exigem do Estado a capacidade de disciplinar o beneficiário
Foi com bastante interesse que lemos a notícia, segundo a qual um grupo empresarial privado, no caso o Grupo Carrinho SA, iria beneficiar de uma garantia soberana de 56,9 milhões de euros, aprovada recentemente pelo Presidente da República.
Segundo a notícia, o Deutsche Bank da Alemanha criou uma linha de crédito para o sector privado angolano (operacionalizada pelo BDA), mas um financiamento feito através desta linha precisa de uma garantia soberana, como forma do credor ter certeza de que será reembolsado. A notícia adianta que o grupo empresarial beneficiário irá proceder ao pagamento de 1,5% do valor contratado como taxa de garantia, que no caso do crédito contratado, 56,9 milhões de euros, deverá dar uma soma de 853.500 euros.
De salientar que, durante a administração Dos Santos, muitos negócios privados foram alavancados por este mecanismo. Por ex., lembramos aqui o caso da SODIBA, que adquiriu equipamento para a sua fábrica de produção de cerveja em Bom Jesus. Na altura, a linha de financiamento veio do Banco Alemão de Apoio à Exportação e foi operacionalizada pelo BPC.
Num outro texto, indicamos que um processo de industrialização num país em desenvolvimento, onde se esteja a criar uma economia virada para o mercado, como é o caso de Angola, implicaria um certo papel para o Estado na função "mobilização de recursos" (internos, externos ou uma combinação de ambos). Essa linha de crédito do Deutsche Bank enquadra-se perfeitamente nessa função. O que o tempo nos vai mostrar, através do impacto directo e indirecto desta intervenção, é se a escolha do beneficiário, desta vez, foi a mais acertada ou não.
Esta iniciativa do Executivo constitui o que na literatura especializada é denominado por política industrial. Uma política industrial "envolve a combinação de intervenções estratégicas e selectivas, por parte do Estado, com vista a dinamizar sectores e/ou actividades específicas"(4). Neste caso, o Executivo deseja que o agente privado importe equipamentos para produção de óleo alimentar e farinha de soja. Até aí tudo bem. Porém, a história das garantias soberanas em Angola ensina- -nos que muitos dos beneficiários acabaram por não desenvolver o projecto para o qual a garantia foi dada ou, o projecto não teve depois "pernas para andar".
*Docente e investigador da UAN
(Leia o artigo integral na edição 615 do Expansão, de sexta-feira, dia 12 de Março de 2021, em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)