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Economia

Queda dos juros com impacto mais psicológico do que real na economia

TAXA BNA CAI DE 19,50% PARA 18,00%

Em termos práticos, uma descida dos juros é um incentivo à actividade económica já que torna os empréstimos mais baratos. Mas uma coisa é a teoria e outra é a prática, já que o crédito a empresas e famílias ainda é muito baixo, uma vez que a banca prefere apostar em títulos de dívida pública.

Aproveitando a "boleia" da desaceleração da inflação no final de 2022 para 13,86%, o Comité de Política Monetária (CPM) procedeu na semana passada ao segundo desaperto da política monetária em dois anos, ao baixar a Taxa Básica de Juro do Banco Nacional de Angola (BNA) de 19,50% para 18,00%. O banco central dá sinais de que a política monetária será menos restritiva em 2023, mas uma descida dos preços do petróleo ou o início do processo que prevê acabar com a subsidiação estatal aos combustíveis podem comprometer o combate ao "imposto escondido" que é a inflação.

Além de proceder ao sexto desapertar da taxa BNA desde 2014, o banco central também baixou a taxa de juro da facilidade permanente de cedência de liquidez de 21% para 18%, ou seja a taxa de juro que o BNA cobra aos bancos para lhes emprestar dinheiro, bem como a taxa de juro de facilidade permanente de absorção de liquidez de 15% para 14%, que corresponde à taxa a que o banco central reembolsa os bancos por depositarem dinheiro no BNA.

O banco central não determina as taxas de juro dos bancos comerciais, mas pode influenciá-las, através, precisamente, da Taxa Básica, também conhecida por "Taxa BNA", que serve de referência ao mercado interbancário, onde os bancos que têm excesso de liquidez emprestam dinheiro aos bancos que precisam de liquidez. Estas trocas de liquidez fazem-se a uma taxa de juro chamada LUIBOR. Se a taxa básica serve de referência às taxas LUIBOR, estas servem de referência às taxas de juro de crédito a clientes. Quando as empresas e as famílias vão ao banco pedir dinheiro, ele cobra-lhes uma taxa LUIBOR, acrescida de uma margem, que depende do risco.

Cronologicamente, quando o CPM desce a "Taxa BNA", essa descida contagia a LUIBOR, que, por sua vez, faz baixar as taxas a que os bancos emprestam dinheiro aos clientes. Em termos práticos, uma descida dos juros é um incentivo à actividade económica, já que torna os empréstimos mais baratos. Desta forma, as empresas podem investir mais, gerando mais circulação de dinheiro e criação de emprego, e as empresas podem gastar mais em consumo.

Mas uma coisa é a teoria e outra é a prática, já que o crédito a empresas e famílias ainda é muito baixo, uma vez que a banca - com receio do malparado - continua a aplicar os seus recursos (obtidos através de depósitos dos clientes) em dívida titulada em vez conceder crédito. Assim, apesar deste corte nos juros ter pouco impacto no crescimento económico do país, segundo especialistas, tem como positivo o facto de dar um sinal de mudança da política monetária seguida pelo BNA nos últimos anos.

"Após a descida de 50 pontos base da Taxa BNA na reunião de Setembro 2022, esta nova descida da taxa de juro tem um efeito psicológico nos agentes económicos, pois dá um sinal claro de que houve uma inversão da política monetária seguida pelo banco central", adiantou ao Expansão o economista-chefe da consultora Eaglestone, Tiago Dionísio. E acrescentou: "É provável que o impacto deste corte dos juros no crescimento económico do país seja reduzido. No entanto, a manutenção de uma trajectória para uma política monetária mais acomodatícia por parte do banco central deverá ser mais um factor de apoio à actividade económica nos próximos trimestres".

Ainda assim, o governador do BNA, José Massano, admite não ter expectativas de "um forte crescimento do crédito num curto prazo", considerando que "o crédito há-de continuar a crescer naturalmente a um ritmo, que, nesta altura, para efeito de objectivo de redução da inflação, não se encontra assim tão deslocado".

Na nota que divulgou sobre o CPM, o banco central dá como sucesso o combate à inflação nos últimos tempos. "Esta decisão fundamenta-se na redução da inflação observada ao longo de 2022 e das pressões inflacionistas, bem como no alinhamento das condições monetárias com o objectivo da inflação de médio e longo prazo (...). O comportamento da inflação deveu-se ao curso da política monetária, à apreciação da moeda nacional em relação às moedas usadas nas trocas comerciais, bem como ao aumento e regularidade da oferta de bens de amplo consumo, com destaque para os bens alimentares", pode ler-se no comunicado.

No entanto, nem todos os analistas estão de acordo com a posição do banco central. "Falar de sucesso no combate à inflação em Angola é errado. Os preços em Angola subiram 27,3% em 2022, quando avaliados em dólares. Apesar da forte apreciação, a inflação manteve-se elevada. A seguir ao Sudão, foi a maior inflação de África em dólares", admite um consultor internacional sob anonimato.

Depois de ter registado uma inflação de 23,86% no final de 2022, o banco central aponta a um intervalo entre os 9% e os 11% para este ano. Isto, caso os preços do petróleo se mantenham em alta, já que uma descida acaba por afectar a taxa de câmbio e, por sua vez, potencia a subida dos preços dos bens de consumo, já que Angola continua a ser um país mais importador do que produtor de bens alimentares.

Numa altura em que o Governo prepara uma decisão sobre se avança este ano com o processo gradual de eliminação do subsídio estatal aos combustíveis, a alta de preços do barril pressiona essa decisão já que só em 2022 essa subsidiação custou quase 3 mil milhões USD aos cofres públicos. Quanto mais alto estiver o preço do petróleo maior é a pressão para avançar já com o processo, o que agravará os custos dos combustíveis, contribuindo para a subida da inflação.

É por estas razões que o economista Mateus Maquiadi entende que o banco central deveria ter sido um pouco mais cauteloso, baixando apenas 50 pontos base em vez dos 150 pb. "Em todo o caso foi uma decisão acertada e oportuna, sobretudo por se tratar do início do ano, em que planos de investimento ainda estão a ser projectados e expectativas ainda estão a ser formuladas", remata.