Entrada da Sonangol na produção de ferro assusta especialistas
A estratégia para relançar a mina de ferro em Kassinga foi aprovada e publicada em decreto pelo Presidente da República em 2019. O projecto previa um período de quatro anos para que o Grupo Tosyali e parceiros locais terminassem de realizar o investimento, o que está longe de acontecer.
Anunciada oficialmente em Agosto, a entrada da Sonangol no capital da empresa angolana Tosyali Iron & Steel Angola S.A., que opera a histórica mina de Kassinga, município da Jamba (também conhecido como Jamba Mineira), província da Huíla, continua a ser um mistério por resolver, já que até ao momento não foi divulgado pela empresa (ou pelo Governo) o investimento previsto e o capital que ficará nas mãos da Sonangol.
Em termos estratégicos, também não é fácil de perceber a entrada da petrolífera num sector alheio à actividade tradicional, sobretudo quando a concentração no seu "core business" foi anunciada pelo Governo como uma medida urgente para salvaguardar a saúde financeira da Sonangol. A petrolífera nacional acumula um histórico de péssimos resultados, falta de transparência e permeabilidade política nas suas incursões fora do petróleo, realidade que quase levou a empresa à bancarrota em 2014.
Ao mesmo tempo que este movimento rumo à exploração de ferro e aço (no futuro) levanta dúvidas sobre sustentabilidade e lógica empresarial, também a empresa parceira, a Tosyali Iron & Steel Angola S.A., não parece ser a mais indicada, já que a sua experiência está totalmente fixada no sector siderúrgico e não na exploração mineira e na produção de ferro.
"É um mau formato, seja qual for o enquadramento que lhe quisermos dar", defende o consultor independente Mário Rui Pires, que chegou a ser secretário de Estado para o Investimento Público entre Outubro de 2012 e Fevereiro de 2015.
"Estamos a atrair Investimento Directo Estrangeiro (IDE) de forma errada", acredita Mário Rui Pires, que escolhe como um exemplo positivo a concessão do Corredor do Lobito.
Na sua opinião, para captar mais e melhor IDE, o Estado deve começar por financiar a realização dos estudos preliminares, que demonstrem a viabilidade dos projectos, para depois divulgá-los via contactos directos com possíveis investidores e potenciais operadores, sobretudo internacionais.
A esta fase deve seguir-se a realização de concursos públicos "totalmente dentro das boas práticas" internacionais e, numa altura posterior, garantir a assinatura de contratos robustos "em linha com toda a experiência acumulada no sector petrolífero".
Para a instituição pública que regula o sector mineiro, que neste caso é a Agência Nacional de Recursos Minerais (ANRM), ficaria a responsabilidade de monitorar e aplicar as regras contratuais ao longo da vigência do contrato de investimento, com o apoio de outras instituições públicas.
No que diz respeito à Sonangol, que vive com sérios problemas financeiros causados pela enorme dívida do Estado (devido aos subsídios aos combustíveis), são conhecidas as dificuldades em garantir os seus compromissos financeiros decorrentes da exploração petrolífera. "Empurrar a empresa para fora do seu negócio principal só agrava a situação", acredita José Oliveira.
Andar sem sair do mesmo sítio
A produção de ferro na mina de Kassinga arrancou na década de 1960, ainda no período colonial, sendo que o Japão era o destino final, com a ligação com o Porto do Namibe a ser garantida pelo Caminho-de-Ferro de Moçâmedes (CFM). Ainda hoje se mantém alguma influência nipónica na região, visível nos financiamentos utilizados para a reforma do Porto do Namibe.
Desde a independência que a actividade mineira em Kassinga tem sofrido vários percalços mas, em 23 de Outubro de 2019, há 5 anos atrás, através do Decreto Presidencial n.º 308/19, o Presidente João Lourenço, autorizava a constituição da Tosyali Iron & Steel Angola S. A. com a seguinte estrutura societária: Coremetal Mining (Grupo Tosyali) 70%; entidade privada - a indicar com 15%; empresa a ser constituída pelos trabalhadores da Ferrangol EP com 5%; Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE) com 5% e Fundo Social dos Trabalhadores do MIREMPET com 5%.
Por sua vez, a Coremetal Mining tem vários parceiros angolanos, entre eles a empresa Ferrex S.A. (não existem registos públicos sobre a sua actividade) e a Bled Capital S.A., que no seu problemático e quase ilegível website se apresenta como investidora na Tosyali Iron & Steel (15%), na Tosyali Angola Gold (15%) e Tosyali Angola Ports (cerca de 15%), além de 25% da Kassala Resource Mining (exploração de ferro), 25% da Munenga Resource (manganês e cobre) e duas pedreiras nas províncias da Huíla e Namibe.
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