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Grande Entrevista

"Devemos reconhecer que errámos ao eliminar o Ministério do Ambiente"

VLADIMIR RUSSO, AMBIENTALISTA E CONSULTOR

O actual director-executivo da Fundação Kissama analisa alguns dos temas mais importantes do sector ambiental e afirma que a junção dos ministérios da Cultura, Turismo e Ambiente foi uma decisão errada e que deve ser revertida.

A conservação ambiental é outro tema importante. Como poderia descrever o estágio em que o País se encontra?

À semelhança do que falamos anteriormente, também ao nível de políticas públicas de conservação temos novas leis, algumas não muito adequadas, temos uma nova estratégia de biodiversidade, novos regulamentos, um conjunto de projectos de investigação e conservação. Há uma melhoria relativa em relação às áreas integradas de conservação. Mas, na prática, temos problemas sérios.

A que níveis?

Só nos preocupamos quando começamos a ouvir as notícias sobre a fuga de turistas do Parque da Kissama, que até pode ser uma informa[1]ção algo sensacionalista mas que tem um fundo de verdade. Tem havido uma pressão cada vez maior sobre os recursos naturais. E como os recursos naturais melhor protegidos estão dentro das áreas de conservação, há uma pressão maior sobre estas áreas. Temos visto uma degradação muito grande.

O Parque da Kissama é um dos exemplos a esse nível, até pela proximidade de Luanda e de ter uma base dos comandos no seu interior, entre outras questões.

Kissama, Mupa, Cameia. A base dos comandos em Cabo Ledo já lá estava e vai continuar a estar. O problema é muito mais alargado do que isso, são fazendas, algumas fazendas de pecuarização (que são um risco para a vida selvagem devido às doenças, os animais selvagens não estão vacinados). Temos uma situação de degradação, de caça furtiva muito forte. O processo de desminagem permite que as pessoas andem por zonas antes evitadas e a chegada das motas piorou a situação, as pessoas que se deslocavam antigamente de bicicleta têm agora um raio de acção mais alargado, montam muito mais armadilhas do que no passado, montam acampamentos, fazem a seca dos animais e com a sua mota escoam rapidamente os produtos. Temos uma situação que para nós é preocupante.

Verifica-se uma degradação acentuada dos ecossistemas?

O elefante-da-floresta, por exemplo, é um dos casos graves, depois estamos a derrubar florestas para fazer madeira, carvão, para a agricultura e temos cada vez mais incidentes com os elefantes. Por outro lado, temos um conjunto de projectos de investigação que estão a correr bem, alguns de protecção ambiental, da palanca negra gigante, tartarugas, de protecção dos mangais. Também está em curso uma proposta de criação de cinco novas áreas de conservação, uma para o Morro do Moco (Huambo), outro para a Serra da Cumbira (Cuanza Sul) e mais um na Serra do Pingano, no Uíge. São áreas da escarpa angolana que não estão protegidas noutros parques, são zonas importantes. Temos ainda a proposta da Lagoa do Carumbo, na Lunda Norte, e a quinta área deve ser um parque marinho, o primeiro do País, na zona do Namibe e Baía dos Tigres.

Qual é o maior desafio para estas zonas que referiu?

Operacionalizar estas intenções. Há pessoas que vivem naquelas zonas. A gestão das áreas de conservação necessita de recursos. Se queremos proteger é preciso investir mesmo quando não obtemos retorno financeiro. Não é o turismo que vai trazer retorno financeiro, precisamos que o Estado invista, é importante perceber isto.

O Estado e as instituições públicas ainda não têm essa consciência?

Obviamente que o Ministério do Ambiente conhece estes temas, mas os outros sectores, como as Finanças, necessitam de entender que precisamos de orçamentos adicionais para essas áreas. Nos últimos 10 anos devemos ter conseguido, numa estimativa muito por alto, cerca de 250 milhões USD para investir em projectos de protecção da biodiversidade e alterações climáticas. É um valor relativamente bom, mas, infelizmente, não temos uma tradição ao nível da gestão de áreas de conservação.

Porquê?

Muito por culpa do modelo colonial, depois veio independência e este tema foi gerido, durante muito tempo, pelo sector da agricultura. Neste momento, as pessoas que tinham experiência já estão reformadas. Daí termos recomendado o desenvolvimento de projectos de co-gestão como está a ser feito com a African Parks no Iona e como se fez com a Fundação Kissama no Parque da Kissama e no Parque de Cangandala.

Concorda com esse modelo?

São modelos que funcionam ou que têm funcionado em África. Para além da co-gestão (em que gerem os dois, Estado e entidade privada) também existe a gestão delegada, onde se entrega uma concessão e define-se uma série de princípios. Há um monte de parques em África que funcionam nesta base. A Gorongosa e as Quirimbas (em Moçambique) e outros exemplos no Gabão, Ruanda, Uganda, RDC.

Normalmente associados a Organizações Não-Governa[1]mentais internacionais.

Sim, que trazem experiência, vão buscar o financiamento, contratam pessoal e estão lá durante 20 ou 25 anos. Quando saem ficamos com um grupo de pessoas formadas. Neste momento, não temos essa capacidade. Nós não estamos a gerir, estamos a brincar de gerir aos parques, temos lá um administrador e uns fiscais que dão umas voltas e tal.

Neste sentido, parece despropositada e contraditória a alteração da lei que permite a exploração de recursos naturais em área de conservação. Qual é a sua opinião?

Sim, na realidade, é mesmo contraditória e a decisão não foi boa. Mas não vamos dar mais murros na ponta da faca, está feito e a nossa preocupação agora é o escrutínio por que esses projectos devem passar. Foram mostrados vários exemplos bem-sucedidos onde existe exploração de petróleo e gás dentro de áreas de conservação noutros países. Mas há o outro lado da história.

(Leia o artigo integral na edição 676 do Expansão, de sexta-feira, dia 27 de Maio de 2022, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)