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Grande Entrevista

"Temos de ter um banco que só olha para a indústria"

RUI MATATA, CONSULTOR E ESCRITOR

O lançamento do livro "Caminhos para a industrialização de Angola" foi o mote para a conversa com Rui Matata, que defende uma alteração nos modelos de financiamento à indústria e a dinamização de infraestruturas que contribuam para o desenvolvimento de um sector, que tem potencial para crescer e melhorar a sua contribuição para o Produto Interno Bruto.

Recentemente apresentou um livro sobre a industrialização em Angola. Quais são os desafios da indústria?

No livro, eu aponto, não só desafios, mas também soluções. Desde a década de 1960 à data, foram várias as medidas tomadas pelos governos, visando transformar Angola num país industrializado. Apresento o Triângulo de Desenvolvimento Industrial mais Dois (TDIA+2), tendo como principal fonte de análise várias fontes, incluindo o Plano de Desenvolvimento Industrial 2021-2025, também designado PDIA2025, um documento aprovado pelo Executivo, publicamente apresentado pelo Ministério da Indústria e Comércio e outros documentos que contêm informações úteis e soluções para a nossa indústria.

Quais são estas soluções?

Os principais desafios que o TDIA+2 se propõe resolver são melhorias nas infraestruturas de apoio ao sector industrial. Há muita produção industrial no País que se tornará mais competitiva com a melhoria das infraestruturas disponíveis para a execução da actividade industrial. As vias de acesso, não só do movimento de mercadorias inter-regionais, como também dentro dos principais pólos de desenvolvimento industrial.

A água e energia permanente são um factor essencial para a competitividade da produção nacional. Isso resolve?

O Triângulo de Desenvolvimento Industrial mais Dois (TDIA+2), além das infraestruturas, dá relevância ao investimento privado. O PROPRIV é uma evidência clara dessa aposta e do facto de que não é possível ter uma indústria forte dominada pelo Estado. Para tal, proponho a criação de um banco de investimento para a indústria, com financiamentos bonificados para a importação de máquinas, investimentos em infraestruturas industriais e outros. Isto iria permitir que os industriais nacionais ou estrangeiros instalados no nosso País e focados na produção nacional tivessem uma assistência especial, no âmbito do financiamento.

O financiamento é uma questão chave neste desenvolvimento industrial?

Sim. Tem de haver um equilíbrio na balança da capacidade de investimento entre os empresários nacionais e estrangeiros que venham com linhas de financiamento bonificadas dos seus países. O TDIA+2 também considera relevante a aposta em sectores que facilitam o acesso à matéria-prima. É mais caro produzir sempre com matéria-prima importada. Perdemos na concorrência com quem produz com matéria-prima local ou adquirida com preços bonificados. Por exemplo, o principal elemento da constituição do preço do tecido é a matéria-prima.

Custa muito produzir com matéria-prima importada. Falta produção nacional?

Há aquelas matérias-primas que poucos países podem fornecer, mas outras temos de apostar em explorar nós mesmos, na agricultura, na petroquímica, no sector mineiro e outros que temos capacidade e recursos naturais para extrair. Só precisamos investir e atrair investimento privado nacional ou estrangeiro para as metas que pretendemos alcançar. Eu explico isso tudo no livro.

É esta a sua visão sobre a industrialização nacional?

Acredito na industrialização do nosso país. Quando ouço dizer, de alguns mais velhos e mesmo de alguns cépticos, que não temos solução, ou que nunca seremos capazes de atingir os níveis de produção industrial que Angola (província de Portugal), teve antes da independência, fico a pensar que ainda não descobrimos o segredo.

Que segredo?

Angola, antes da independência não era um país. Era uma província. Poucos entendem, mas Portugal criou alianças, com base no Acordo de Berlim, com as potências europeias para comprar os produtos de Angola, que eram produzidos com baixos custos de matéria-prima. Os industriais não pagavam elevados impostos para trazer matéria-prima da metrópole ou de outro sítio para Angola. O espaço português era uma zona de comércio livre. Angola era Portugal. O café de Angola era café de Portugal.

Isso mudou...

Desde 1960 até 1974, foram tomadas medidas de fomento do sector industrial que a independência nacional obrigatoriamente cortou. Deixámos de ser Portugal, são consequências para quem quer ser livre. A matéria-prima importada para produzir pneus, tecidos, vidro...tornou-se mais cara. Sem petroquímica, continuamos a importar para produzir materiais de plástico, etc. Mas temos soluções e apresento-as no livro.

Já se pode falar em industrialização no País?

Sim. Isso depende do sector e daquilo que nós consumimos. Há sectores onde nós estamos à frente, muito por força das necessidades. Refiro-me ao sector da produção alimentar, onde foram feitos elevados investimentos nos últimos 10 anos. Contudo, apesar de alguma transformação ser feita localmente, tem alta dependência da importação de matéria-prima. Consumir massa importada, por exemplo, é já uma questão de vontade pessoal, porque o País produz massa alimentar em quantidade. Nos sectores das embalagens e do aço, somos auto-suficientes. Importamos embalagens de plástico e de vidro em pouca quantidade, embora produzamos poucas embalagens de papel, muito por força da procura. Ainda não somos tão amigos do ambiente (risos).

Quais são os caminhos para a industrialização em Angola?

Triângulo de Desenvolvimento Industrial Mais Dois serve para isso: A sustentabilidade das Zonas Económicas Especiais (ZEEs) e pólos industriais e a aposta na dinamização da indústria rural (mais próxima às comunidades rurais) reduzem o êxodo das pessoas do campo para a cidade, ao mesmo tempo que leva as indústrias para perto das comunidades, favorecendo quer os agricultores locais, assim como reduz o peso que o transporte pode ter no custo da produção. Temos de ter um banco que só olha para a indústria.

Porquê?

Os incentivos nas ZEE"s devem ser específicos e suportados por outras medidas de âmbito das infraestruturas e legais. Um banco dedicado só à indústria, que crie sinergias com os fornecedores de equipamentos, pode mudar a consciência dos empresários angolanos. Ao invés de focar somente na importação de bens para o comércio, vamos ver um crescimento rápido de indústrias pequenas, médias e grandes, em tudo quanto é canto de Angola. Os jovens vão ter mais emprego e criar empregos. Vamos ser mais competitivos na região.

Que indústrias podem contribuir mais para a economia nacional?

Temos de nos focar naqueles sectores em que conseguimos criar vantagens competitivas em relação aos outros, e aqueles em que a médio prazo conseguimos criar auto-suficiência na matéria-prima, sem desprezar os outros sectores. Assim, conseguimos mais rapidamente alcançar os nossos objectivos de industrialização e ser competitivos em relação aos países que importam estas matérias-primas para sua produção industrial. Temos de atrair investidores para a indústria química, mais especificamente a petroquímica.

(Leia o artigo integral na edição 683 do Expansão, de sexta-feira, dia 26 de Agosto de 2022, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)