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Pandora Papers podem ser a oportunidade para mudar um sistema fiscal herdado do século XIX e que não funciona no século XXI

É hora de agir, escreve Thomas Piketty no Le Monde

Thomas Piketty escreve um artigo no Le Monde em que faz uma reflexão sobre a forma como os Pandora Papers confirmam o que já se adivinha, os ricos e muito ricos pagam menos impostos que o cidadão comum

Há vários anos que os jornalistas investigam negócios offshore, depois LuxLeaks, em 2014, tivemos os Panama Papers, em 2016, os Paradise Papers, em 2017, e temos, agora, os Pandora Papers, que resultam do acesso, por parte do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ, no acrónimo inglês), a 12 milhões de documentos, das mais variadas origens, sobre finanças em offshore, e mostram, à evidência, que os ricos e os muito ricos continuam a fugir ao impostos, "e não há indicador fiável que nos permite afirmar que a situação melhorou nos últimos dez anos", escreve o economista Thomas Piketty num artigo publicado recentemente no Le Monde.

Por estes dias, ficamos a saber de um acordo histórico de tributação corporativa à escala global: a taxa 15% para todas as multinacionais e a obrigatoriedade das grandes empresas pagarem impostos nos países onde estão localizadas, um esforço coordenado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), que pretende, justamente, encurtar o espaço dos paraísos fiscais.

Há muito que se sabia que os multimilionários quase não pagam impostos quando comparados com o resto da população. Em França, por exemplo, as 500 maiores fortunas francesas passaram de 210 mil milhões de dólares, em 2010, para 730 mil milhões de dólares, em 2020, e tanto quanto se sabe, o volume de impostos pagos não foi proporcional, e tanto quanto se sabe... porque muitas das contas destas grandes fortunas mantém uma relativa (ou muita) opacidade.

De acordo Piketty continuamos a tributar os bens imobiliários no século XXI usando métodos e cadastros do século XIX. E se não se alterar estes estado de coisas, "os escândalos vão continuar, com o risco de uma lenta desintegração do nosso pacto social e fiscal e a inexorável ascensão de cada um por si", escreve Piketty.

E depois explica que o registo e a tributação de propriedade sempre estiveram intimamente ligados, em primeiro lugar, porque o registo da propriedade dá ao proprietário uma vantagem - a de beneficiar de uma protecção do sistema jurídico - e, em segundo lugar, porque apenas um imposto mínimo pode tornar o registo verdadeiramente obrigatório e sistemático. A posse de um património é, também, um indicador de capacidade contributiva, o que desempenha um papel central nos sistemas fiscais modernos.

Em quase todos os países ricos, o imposto sobre a propriedade (property tax nos países anglo-saxónicos), continua a representar o principal imposto sobre o património - em França, por exemplo, representa cerca de 2% do PIB, o equivalente a 40 mil milhões de euros anuais.

Nos últimos dois séculos, com os activos financeiros a assumirem um papel preponderante, a tributação de activos não mudou quase nada, continua assente na propriedade. O resultado, explica o economista, é um "sistema extremamente injusto e desigual".

Quem possuir uma casa no valor de 300 mil euros, e se tiver um empréstimo de 290 mil euros, paga o mesmo imposto do que uma pessoa que herdou património no mesmo valor e que, além disso, tem uma carteira financeira de três milhões de euros. Ou seja, na prática, os pequenos proprietários pagam mais do que os grandes proprietários. E isto é uma escolha política, escreve Thomas Piketty.

Os Pandora Papers vieram confirmar de forma clamorosa uma evidência: é que os muitos ricos também conseguem escapar aos impostos sobre o património, transformando-os em títulos financeiros domiciliados em offshore, como é o caso do antigo primeiro-ministro britânico, Tony Blair, que tem uma casa de sete milhões de euros em Londres através de um offshore e com isso furtou-se ao pagamento de impostos no valor de cerca de 400 mil dólares; ou do ex-primeiro-ministro checo, recentemente derrotado em eleições, Andrej Babis, com o seu castelo no sul de França, valorado em 20 milhões de euros, também adquirido através de uma empresa de fachada localizada num offshore.

Há muito para fazer, o economista francês propõe um cadastro financeiro público e a tributação mínima de todo o património, e que cada país exija das empresas detentores ou que operam com bens que divulguem a identidade dos seus titulares e os tributem de modo transparente, da mesma forma que o fazem com o contribuinte comum.

"Nem mais nem menos. Ao renunciar a qualquer ambição em termos de soberania fiscal e justiça social, não fazemos senão encorajar o comportamento dos mais ricos. Está mais do que na hora de agir", escreve Thomas Pichetty