Onde é que anda a riqueza de angolanos em contas offshore?
Uma riqueza que se estivesse ao serviço da economia nacional, poderia dinamizar o acesso ao crédito e em condições mais favoráveis, consequentemente dinamizar o sector produtivo, gerar empregos para juventude, contribuindo para a melhoria da condição de vida dos angolanos. Um outro dado interessante é o facto dos angolanos terem feito grandes investimentos no sector imobiliário de cidades como Londres, Paris e Dubai.
Duas notícias chamaram a nossa atenção recentemente. A primeira foi o pronunciamento da Ministra da Finanças, quando explicava as causas dos atrasos salariais. Segundo a ministra o problema estava relacionado com a excessiva dívida externa de Angola. Sobre este assunto temos dito que as autoridades precisam explicar aos angolanos como e onde aplicaram estes fundos e apresentar os resultados obtidos. A segunda notícia foi a reunião de urgência entre o Titular do Poder Executivo e os principais responsáveis da banca comercial em Angola. Este encontro, que foi destaque aqui no Expansão, visou discutir formas de se baixar as altas taxas de juros que dificultam o financiamento das empresas e do próprio governo. Como é que Angola chegou a este ponto?
As nossas pesquisas nos mostraram que no início deste século XXI Angola viveu um bom momento, caracterizado pelo aumento da produção petrolífera numa altura em que o preço do barril de petróleo nos mercados internacionais estava em alta. Logo, podemos dizer que o País tinha os recursos financeiros de que necessitava para transformar a sua economia. Todavia, o que muitas vezes não é dito é que Angola que saia de uma prolongada guerra civil logo, não tinha infraestruturas capazes de acomodar possíveis investimentos no sector produtivo. Nestas condições, diz a teoria económica, a entrada de divisas faz apreciar a moeda local, dificultando a dinamização da produção local.
A evidência empírica mostra que as principais autoridades, política e monetária, tinham consciência desta situação, porém, acreditavam, ou melhor esperavam, que o livre arbítrio do mercado permitisse que esta apreciação da moeda facilitasse a importação de bens de capital (i.e., máquinas e equipamentos) que poderiam dinamizar o sector produtivo. Ora bem, no Gráfico 1 podemos ver que houve um aumento na importação de bens de capital de 701.8 milhões em 2001 para 5.1 mil milhões de dólares em 2010. Todavia, a importação de bens de consumo corrente saiu de 2.1 mil milhões para 8.7 mil milhões de dólares.
Essa apreciação da moeda, na ausência de incentivos para o investimento no sector produtivo trouxe um outro problema, i.e., a fuga de capitais. No Gráfico 2 podemos ver que até 2010, segundo dados do "EU Tax Observatory Global Repository", o stock de capitais de angolanos esteve concentrado na Suíça e outros paraísos fiscais na Europa. Estes dados são interessantes porque temos visto as autoridades europeias a exigirem mais transparência e boa governação por parte dos países africanos, quando na verdade os seus sistemas financeiros têm estado a facilitar a fuga de capitais do continente. Esta riqueza pode estar a gerar dividendos que hoje não estão ao serviço da economia nacional, numa altura em que o País enfrenta enormes dificuldades para se financiar tanto no mercado interno como externo.
Uma riqueza que se estivesse ao serviço da economia nacional, poderia dinamizar o acesso ao crédito e em condições mais favoráveis, consequentemente dinamizar o sector produtivo, gerar empregos para juventude, contribuindo para a melhoria da condição de vida dos angolanos. Um outro dado interessante é o facto dos angolanos terem feito grandes investimentos no sector imobiliário de cidades como Londres, Paris, Dubai, cf. Gráfico 3, salta a vista a ausência de Lisboa. Quando as autoridades europeias decidiram monitorizar melhor a entrada de capitais na zona Euro, a riqueza financeira de angolanos começou a mudar de região geográfica, a partir de 2014, saindo da Suíça (Europa em geral) para os paraísos fiscais na Ásia cf. Gráfico 4. Os dados neste gráfico mostram uma ligeira redução dos fluxos em 2018, depois da eleição do Presidente João Lourenço, e recuperação em 2019.
É igualmente visível o aumento da fuga de capitais para todos os paraísos fiscais (excepto nas Américas) durante a pandemia da Covid-19. Mais uma razão para se apurar os gastos com a Covid-19 em Angola. Temos consciência de que a governação em Angola ainda não foi capaz de dotar o país de infraestruturas que permitam o investimento no sector produtivo, bem como de remover barreiras à liberdade económica. Sabendo que muitos dos detentores desta riqueza financeira têm ligações com o poder político instalado, acreditamos que com os incentivos correctos, poderiam eles mesmos investir na construção de infraestruturas tais como pólos industriais, perímetros irrigados, estradas, isto é, fazer os investimentos necessários para captação de mais investimento privado (nacional e estrangeiro).
Leia o artigo integral na edição 792 do Expansão, de sexta-feira, dia 06 de Setembro de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)