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"A força de um país é pela cultura e não pelo solo ou pelo petróleo"

Entrevista a BINELDE HYRCAN

"Perdidos e achados" é a 1.ª exposição individual de Binelde Hyrcan, na galeria Jahmek Contemporary Art, de 24 de Janeiro a 28 de Março. O artista diz que a cultura é o principal dinamizador da economia e que a crise só aumentou a sua agenda de trabalho.

O que retrata a exposição "Perdidos e achados"?
Há tempos, um pescador e algumas pessoas disseram que tinham visto um objecto perdido na Chicala e, quando fui ver, era uma parte pequena de um satélite que encalhou aqui na Chicala. Quando fomos buscar esse pedaço, decidi mostrá-lo às pessoas, através da internet, já que não podia meter esse pedaço em minha casa porque o espaço é pequeno.

O nome da exposição vem dessa história?
Sim. É uma história oportuna, sobretudo porque agora andamos à procura do satélite perdido. Aviso, no entanto, que este não é o satélite perdido.

Como é que surge o gosto pela arte?
Acho que foi por causa da minha mãe. Sou o cassule no meio de 10 filhos e, na escola, insultavam-me sempre por os meus dentes serem muito separados, diziam que tinha levado uma bala na boca. Então, para me confortar, a minha mãe dizia-me, "meti toda a beleza nas tuas mãos, só vais fazer coisas giras". Naquela altura, o meu pai era agricultor e tínhamos muitas galinhas. A minha mãe ensinava-me a fazer roupas e comecei a fazer para as galinhas. Por acaso, fiz este projecto também no Mónaco e levei-o a várias exposições no mundo. Acho que foi a minha mãe quem me empurrou para este lado.

A história das galinhas surgiu em sua casa?
Sim, porque nós tínhamos sempre galinhas. O meu pai tinha uma quinta no Caxito, Bengo. Naquela altura, já desenhava também, fabricava bicicletas e não gostava muito de assistir televisão, passava o tempo a criar.

Como é que te defines no mundo da arte?
Acho que não há definições. Eu sou igual a qualquer pessoa, só que tenho essa possibilidade de tirar aquilo que tenho na cabeça. Todos nós temos sonhos. Até já sonhei com macacos aquáticos a nadar comigo.

O que preferes: escultura, pintura, design, vídeo-arte ou performance?
As pessoas classificam-me de artista, mas eu considero-me intermediário de uma coisa que existe. Simplesmente, estou a transmitir uma mensagem, uma visão que estou a ter. Reitero, sou um intermediário para ajudar as pessoas, é um objectivo de cada dia que tenho cá, na terra.

Vive exclusivamente da arte?
Sim, já há bastante tempo. Formei-me no Mónaco, ganhei muitos prémios e tive vários privilégios por isso. Trabalhei com um atelier de design internacional e encontrei o cantor americano Pharrell Williams. Trabalhei com a cantora Asa, fiz um vídeo cujos direitos foram vendidos. As oportunidades foram surgindo e transformou-se numa bola de neve. Estive com o filho do Bob Marley.

Quantas exposições, em regra, faz por ano?
Em média, cinco.

Como é que a arte pode ajudar a desenvolver a economia?
Vou falar com exemplos. A galeria tem uma exposição agora e precisa de uma caixa, solicita um carpinteiro, este vai ao mercado comprar a madeira, depois é preciso um transporte para levar a madeira até à galeria. É uma micro economia que funciona perfeitamente. É incrível que, com um pedaço de carvão ou uma fotografia, é possível vender obras em leilões por montantes incríveis. Há 10 anos, era diferente, não tínhamos noção, mas hoje temos. Conhece um cantor, jornalista, jogador ou artista da Ucrânia ou paquistanês? São países que estão em guerra. Conhece um cantor brasileiro, americano? Só a guerra trava e bloqueia um país. A força de um país é medida pela sua cultura e não pelo solo ou pelo petróleo.

A crise impediu-o de concretizar algum projecto?
Não. Considero que agora tenho mais trabalho. Notei que um policia do SME, no aeroporto, disse: "Puto, essa cena da arte está a dar, né? Isso é ele a prestar atenção aos meus movimentos, resultado do meu trabalho, que é a arte.

Apaixonado pelas pessoas, re(cria) o quotidiano

Binelde Hyrcan tem 37 anos, é natural de Luanda e não deixa de referenciar o seu bairro, Ilha de Luanda, pela sua mística, que influenciou a sua arte. Sobre o seu estado civil, afirmou-se apenas apaixonado. Tem formação académica em Artes Plásticas e trabalha com os "sonhos" como matéria-prima. Nos tempos livres, gosta de praticar kitesurf. Em carteira tem o projecto de realizar um filme de animação, onde não vão faltar galinha animal que esteve sempre presente na sua infância.

Não consegue dizer se é consumista ou poupado, porque, segundo diz, quando tem de fazer o bem a alguém não mede esforços. A única coisa que não consegue controlar é a sua capacidade de sonhar. Para o ano, a galeria Jahmek Contemporary Art vai levar Binelde Hyrcan, Yonamine e Kiluanje Kia Henda a participarem na exposição China-África "Atravessar a linha da cor do mundo", que estará patente no Centro Pompidou, em Paris, França.