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Opinião

Crise sanitária e crise económica: Somos Keynesianos ou Novos Clássicos?

Laboratório Económico

Milton Friedman repudiava a ideia de que a despesa pública fosse benéfica à economia, contrapondo que com toda a probabilidade conduziria à inflação. Este mestre da economia monetária e da Escola de Chicago, juntamente com o seu discípulo, Thomas Sargeant, afirmaram que a inflação é "em todo o lado e sempre um fenómeno monetário-orçamental" (para estes mestres, o importante era controlar a quantidade de moeda na economia).

Aquele postulado faz parte dos manuais de política monetária e cuja teoria subjacente foi aplicada durante bastante tempo, no seguimento do esgotamento/limitação do modelo keynesiano pós segunda guerra mundial que originou um período de prosperidade na Europa jamais vivido na sua história e que foi apelidado dos gloriosos 30.

Esqueceu-se Friedman e os seus seguidores de procurarem saber se nestas circunstâncias como é que as economias estão a funcionar: abaixo do pleno emprego ou na chamada linha de fronteira de possibilidades de produção? Neste caso, Friedman e seus discípulos teriam razão: qualquer procura suplementar estimulada pelo Estado teria como resultado preços mais elevados.

Todavia, Keynes argumentava que, normalmente, a economia funciona em níveis de subutilização da sua capacidade produtiva, implicando graus elevados de desperdício (dependentes do quantum do hiato do produto). Também os novos clássicos alinham com Friedman, ao defenderem que a despesa pública é inútil (1), tendo como única consequência expulsar o investimento privado (o conhecido fenómeno do "crownding out", que, por razões diversas, alteia as taxas de juro). É um argumento simpático e atraente, porque coloca, no centro do sistema económico, a economia privada, a única que faz o crescimento, num contexto de improdutividade do Estado.

No entanto, não se devem perder de vista duas matérias. Em primeiro lugar, as taxas de juro não são um fenómeno inteiramente de mercado, possuindo uma componente administrativa muito forte pela intervenção do banco central ao estabelecer diversos limites, dentro da política monetária que conduz e gerencia. Assim, um incremento da despesa pública financiada por défice orçamental não faz, necessariamente, subir a taxa de juro.

Em segundo lugar, taxas de juro mais baixas não conduzem inevitavelmente a mais investimento, dependendo do nível das expectativas dos empresários. Nas presentes condições do País, com duas crises em cima, a redução das taxas de juro acaba por ser um poderoso e provavelmente o único estímulo ao investimento privado, como compensação da forte redução da procura agregada. Analisando-se os níveis de confiança dos empresários publicados pelo INE e referentes ao IV Trimestre de 2019, verifica-se que a desconfiança e a incerteza são muitos elevadas, desde 2015, não tendo as políticas económicas, produtivas e empresariais conseguindo inverter estas tendências. Por isto, também, a recessão continua.

Com a crise económica e a crise sanitária (ambas associadas a medidas insuficientes, mal calibradas e afastadas da realidade e sem ou muito pouco impacto sobre a procura agregada da economia), o factor que agora passa a contar para o crescimento (perdida, e por algum tempo - talvez 10 anos - a alavanca das exportações petrolíferas) é o investimento privado e o investimento público. Não havendo investimento em inovação, tecnologia e formação profissional (todos importantes ainda que com relações diferenciadas para o incremento da produtividade), dificilmente se registará aumento do PIB, a médio prazo. E se o aperto da despesa pública se prolongar por demasiado tempo, então a redução da procura se tornará estrutural e sistémica, assim como o investimento. Este é um ponto fundamental para o "novo-normal" (2) pós-Covid-19. O Estado tem de garantir um nível aceitável de procura agregada para servir de atractivo ao investimento privado.

Como está a economia angolana: em pleno emprego ou em subemprego? Com uma quantidade suficiente de moeda em circulação? A liquidez das empresas é bastante para cobrir necessidades de compra de insumos e de pagamentos de salários? A primeira situação nunca ocorreu, nem ocorrerá, porque é uma figura teórica para simbolizar que nas proximidades da curva de fronteira de possibilidades de produção as despesas públicas devem ter, principalmente, a função de aumentar o produto potencial da economia (passagem a uma outra curva) através da inovação, ciência, tecnologia e capital humano.

Então, a economia nacional e o seu sistema de produção estão em zona de desperdício de recursos, sendo a taxa de desemprego (32%) o indicador mais expressivo. Acresce que quando 55% dos jovens não conseguem encontrar emprego, prosseguir com políticas que verdadeiramente não afectam o nível geral de actividade, e, por arrastamento, o emprego, significa que toda uma geração pode estar condenada a perder os seus direitos a um futuro de progresso. Entre Keynes e os Novos Clássicos parece não haver dúvidas na escolha, mesmo afastando-se raciocínios maniqueístas (3).

Questiona-se, muitas vezes, quanto podem custar estas duas crises. Segundo estimativas das autoridades portuguesas, cada mês de confinamento custa à economia portuguesa 4,5% do seu PIB (em redor de 8,7 mil milhões de euros). Se aplicarmos, sem nenhum ajustamento, este valor à economia angolana, podemos estar a falar de perdas em redor de 4,8 mil milhões de dólares imputáveis apenas ao mês de confinamento que levamos desde que foi decretado o estado de emergência (o secretário de Estado dos Transportes declarou que a presente crise económico-sanitária vai provocar prejuízos neste sector de mais de USD 1,3 mil milhões). Se adicionarmos as perdas imputáveis à recessão (com crescimentos acentuados de desemprego - aproveito para dizer que os dados oficiais de criação de 800 mil postos de trabalho durante 2019 não podem ser reais, porque a sê-lo, Angola conseguiu criar a ilusão de um novo paradigma económico, a saber, com diminuição de produção e de valor acrescentado consegue-se criar uma enorme quantidade de empregos, fantástico, levando a concluir que não se precisa do crescimento para encontrar emprego para as pessoas), então os prejuízos são significativos: no último trimestre de 2019 o INE apresentou uma recessão de 0,9% em variação homóloga, o que pode ter significado uma perda de PIB de USD 952 milhões.

O desemprego, que significa perda de oportunidade de aumentar o PIB, estimado em 32% segundo as estatísticas do INE, equivale a um desperdício de mais de USD 9,2 mil milhões. Para concluir que todos os programas de governação e de política económica existentes (para além do OGE) têm de ser revistos em profundidade, porque desajustados da realidade actual (estou muito expectante quanto à revisão do OGE2020, não tendo ficado nada impressionado com os respectivos pressupostos anunciados (a recessão económica em 2020 pode chegar aos 6,8%), insistindo quem comanda as nossas vidas que o objectivo de saldo orçamental nulo tem de ser alcançado este ano.

O pacote da África do Sul para apoio à sua economia em recessão e às despesas com a pandemia acaba também por ser insuficiente (cerca de 7,1% do seu PIB), mas para todos os efeitos muito superior ao que foi reservado pelos poderes oficiais para Angola (aplicando a percentagem sul africana estar-se-ia a falar de USD 7,4 mil milhões, que o Governo alega não ter (4). Como toda a gente sabe, estão disponíveis pacotes de ajudas financeiras multilaterais, bilaterais e de outras fontes que estão à disposição de todos os países, em especial das economias africanas mais afectadas pela presente crise económica e pelo seu agravamento futuro devido à pandemia sanitária. Por isso, não são aceitáveis respostas que o Governo está a fazer o que pode. É altura de se discutir com todas as instituições que reservaram fundos para estes propósitos, como o estão a fazer a África do Sul, o Uganda, a Nigéria, Moçambique, Ruanda, Quénia, Egipto, a União Africana, etc., etc.

Notas

1 - Estou a preparar um texto sobre a Teoria da Improdutividade do Estado que os neoclássicos e os novos clássicos defendem, ao afirmarem que este agente do circuito de económico não cria valor, limitando-se a ser um intermediário entre quem paga impostos (mero colector de rendas fiscais) e a economia, não acrescentando valor nenhum quando fornece educação, saúde, inovação, investigação&desenvolvimento e infraestruturas e, consequentemente, Estado improdutivo deve ser reduzido à sua mínima expressão (defesa, justiça e segurança pública). Tanto quanto ouvi na apresentação dos pressupostos para a revisão do OGE 2020, a insistência num saldo orçamental nulo nas presentes circunstância é perfilhar a Teoria do Estado Improdutivo.

2 - Expressão que aproveitei de declarações de alguns economistas portugueses.

3 - O maniqueísmo é uma filosofia sincrética e dualista que divide o mundo entre Bom e Mau. Entre Keynes e os Novos Clássicos podem coexistir zonas de contacto maximizadoras de efeitos finais.

4 - Governar é encontrar soluções, tendo sido para isso que assumiram as respectivas pastas e se comprometeram no juramento à Nação e perante o Presidente da República: encontrar as soluções para os problemas.