Notícias do Reino
As notícias do reino não são nada boas. Envolvido numa praga mundial que assusta as pessoas e bloqueia os processos produtivos, que expõe as fraquezas e fragiliza as virtudes, o rei tem cada vez mais dificuldade em mostrar que mantém uma linha segura e tem uma estratégia consistente. Pode tê-la, mas não a consegue explicar convenientemente.
O grupo de escudeiros que mais tem dado a cara nestes tempos de maior crise também dá os primeiros sinais de cansaço. Mostram-se mais irritados, menos conciliadores e dizem, nos corredores do palácio, que tal como aconteceu em outras alturas, têm sido vítimas de algumas intrigas promovidas por aqueles que nunca dão a cara, mas que sempre se mantiveram perto do rei. Alguns mesmo já estavam perto do rei anterior. Esta intriga estende-se depois ao conselho da corte, agora com muitas caras mais jovens e, por isso, com uma visão diferente destes "truques", mas ainda assim com algum respaldo na ideologia dominante. Muitos discordam cá fora, mas depois lá dentro põem o "x" no quadrado da maioria, o que causa desgaste aos visados. Muitos não mudaram e mantêm a estratégia de passar a mensagem ao rei de quem faz bem, de quem se empenha e se mexe, na verdade está a querer ofuscar o brilho do monarca. O novo rei parecia imune a estas investidas, mas as crescentes bandejas de palavras servidas com os mais requintados sinais de bajulação, alguns estão mesmo a perder a decência e voltam ao discurso da "sábia orientação", pode, ou está, a alterar o escudo protector do novo rei. Se não resultasse, se não tirassem benefícios, se houvesse uma condenação clara, este movimento não seria crescente.
Mas o que mais incomoda a corte é o facto de os cofres estarem pouco carregados. Habituados a ficar com uma percentagem do ouro do pecúlio real, agora que todas as moedas contam, a vida mudou um pouco. Não podem exibir tanta riqueza, embora os mais nobres continuem a fazer faustosas celebrações, e já sabem que o tempo dos potes que vinham das paragens asiáticas sem obrigatoriedade de justificação da sua utilização, acabou. Tristes, mas envoltos num discurso patriótico, vão disfarçando nas aparições públicas, mas atrás da cortina vão elogiando a princesa candidata a rainha, que foi, e ainda é, símbolo máximo desta forma de utilizar o pecúlio real.
Até porque agora as moedas de ouro vêm de outras paragens, de outros reinos, que obrigam a escrever tudo, a fazer contas certas, a publicar nos livros do reino. O que é sempre um problema, pois se a maioria não consegue decifrar a linguagem nem quer saber nada desses livros, há sempre um ou outro membro da plebe que acaba por descobrir alguma coisa nos escritos. Quando um dos nobres é envolvido em algo duvidoso a primeira estratégia é negar, depois desacreditar, ainda ameaçar, e se ainda assim não resultar, dizer que foi um erro de quem transcreveu para os livros. Por vezes, o rei reage, noutras nem por isso. A corte vai mudando, mas muito lentamente. Pelo menos é o que alguns acreditam. Outros, nem tanto!