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Mente tão bem: a cara nem treme!

EM ANÁLISE

Mentir aos outros é uma ferramenta social necessária, tantas vezes piedosa, mas que devemos usar com cuidado, para não perdermos credibilidade. Mentir a nós mesmos, por sua vez, pode ser necessário quando estamos muito vulneráveis, quando nos sentimos frágeis.

A Marina acabava de dar um pequeno sermão aos filhos, explicando: "Meninos, não se mente! Mentir é feio! Fica mal. Não se faz!". "Está bem", responderam os meninos com os olhos no chão. "Trrrrrr Trrrrrr!" - o telefone da Marina começou a vibrar. "Silêncio, meninos, é o chefe da mamã!". A Marina atendeu, constrangida e visivelmente desconfortável: "Sim, chefe. Sim, eu sei, chefe! Peço desculpas, chefe, mas hoje acordei com uma dor de cabeça horrível, nem me conseguia levantar da cama... Cof! Cof!" - a Marina fez de conta que um ataque de tosse a impedia de falar. "Penso que estou com uma gripe terrível, chefe... Cof! Cof! Cof!" - continuou a Marina - "Não creio que amanhã consiga ir trabalhar... Cof! Cof!". Nos dois dias seguintes, a Marina ficou em casa, a descansar, e a ver séries da Netflix: "A vida não pode ser só trabalho. Eles que terminem o relatório, estou cansada!" - pensava, enquanto comia batatas fritas e ria da comédia que estava a ver. Na quinta-feira, decidiu voltar ao trabalho. "Trrrrrr Trrrrrrr!" - o telefone vibrava. "Mas que chato!", pensou a Marina, "Assim o João já quer saber onde estou". "Sim, João, está tudo bem? Não te preocupes, estou mesmo a chegar, até já estou a ver a porta de entrada!" - respondeu, parada no meio do engarrafamento, muito longe do local de trabalho.

Uma pesquisa apresentada pela BBC - encomendada pelo Museu da Ciência, em Londres, para marcar a inauguração de uma nova galeria (Who Am I?) - apresentou o resultado, após entrevista a três mil britânicos, de que os homens mentem mais do que as mulheres. Entretanto, Allan e Barbara Pease, em "Linguagem Corporal" (2005), explicam que as mulheres mentem muito melhor do que os homens (p. 170).

Ainda que pareça provável que os homens mintam mais e que as mulheres mintam melhor, a verdade é que todos nós, seres humanos, mentimos. A mentira é, indiscutivelmente, uma ferramenta social.

Explicam Allan e Barbara Pease: "Se disséssemos constantemente toda a verdade a toda a gente, não só acabaríamos sós e abandonados, como poderíamos terminar os nossos dias no hospital ou na prisão. Mentir é o óleo que lubrifica as nossas interacções com os outros e nos permite manter relacionamentos sociais amigáveis" (p. 166).

Os autores distinguem, no entanto, as mentiras piedosas das mentiras maliciosas. As primeiras são ditas para que as pessoas não se sintam mal: "Esse vestido fica-te super bem!", "Foste óptimo! Adorei a tua apresentação!", "Não estás nada mais gordinha!", "Ele não é mais interessante do que tu!". Allan e Barbara Pease acrescentam que "as pessoas que mentem em ocasiões sociais são mais populares do que as que dizem constantemente a verdade, ainda que saibamos que as primeiras estão a mentir-nos" (p. 166). Por sua vez, as mentiras maliciosas são usadas para enganar deliberadamente alguém, em seu benefício pessoal. Há pessoas para quem mentir é tão natural como respirar. São os mentirosos patológicos. Estes podem mentir mesmo quando apanhados em flagrante: "Este dinheiro que eu estou a tirar da tua carteira é meu! Fui eu que pus na tua carteira, para te fazer uma surpresa, mas agora mudei de ideia!". A mentira patológica é, aliás, critério para diagnóstico do transtorno de personalidade narcisista e do transtorno de personalidade antissocial (psicopatia).

Há alguns factos interessantes na relação dos humanos com a mentira: pessoas que não são narcisistas nem psicopatas costumam ter dificuldade em mentir, ficando nervosas e sentindo-se culpadas; acreditamos mais nas pessoas que consideramos atraentes; mente-se muito melhor "à distância", por mensagem de WhatsApp ou por e-mail, por exemplo; mente-se melhor com uma pasta ao colo ou por detrás de uma secretária, do que expostos.

Allan e Barbara Pease apresentam os "oito gestos mentirosos mais comuns": cobrir a boca; tocar no nariz; coçar o nariz; esfregar os olhos; agarrar a orelha; coçar o pescoço; puxar o colarinho; pôr os dedos na boca. Em geral, esses gestos são utilizados quando mentimos para, inconscientemente, tentarmos impedir a mentira de sair; como uma forma de nos tranquilizarmos; e também para evitar que encaremos a pessoa a quem estamos a mentir (pp. 172-178).

Então, e quais são os sinais de abertura, transparência e honestidade? Pensemos no Barack Obama, um génio na comunicação e exímio no uso da linguagem corporal: sorriso aberto, olhar directo, manifestação de interesse no outro, e, finalmente, os sinais de que "não há nada a esconder", "não estou a mentir nem a enganar ninguém", nomeadamente: arregaçar as mangas ("nada na manga") e mostrar as palmas das mãos ("não estou a guardar nada para mim: tudo o que sei, tu também podes saber").

Leia o artigo integral na edição 764 do Expansão, de sexta-feira, dia 23 de Fevereiro de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)