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Opinião

Fundo de Resolução e Sustentabilidade do Sistema Bancário: Quando contribuir pode fragilizar

CONVIDADO

Aviso n.º 05/2025 representa um avanço necessário e coerente com o quadro legal vigente, mas impõe-se um debate técnico mais aprofundado sobre os seus efeitos distributivos e sobre a proporcionalidade dos encargos impostos ao sector bancário. A solidez do Fundo de Resolução não dependerá apenas da soma das contribuições arrecadadas, mas sobretudo da confiança dos participantes na justiça, transparência e previsibilidade do regime que o sustenta.

A crise financeira de 2007-2008 redefiniu as fronteiras da intervenção pública no sector bancário e levou os Estados, bem como as instituições de supervisão internacionais, a repensar profundamente o modelo de regulação financeira. Neste medida, resultou uma premissa universalmente aceite: a resolução bancária deve proteger o sistema, não o accionista; e deve preservar a estabilidade sem comprometer os cofres públicos.

Foi neste contexto que emergiu, no ordenamento jurídico angolano, a figura do Fundo de Resolução, instituída pela Lei n.º 14/21, de 19 de Maio, e regulamentada pelo Decreto Presidencial n.º 111/22 de 13 de Maio (Regulamento do Fundo de Resolução), cuja função nuclear consiste em prestar apoio financeiro à execução das medidas de resolução determinadas pelo Banco Nacional de Angola (BNA), enquanto autoridade nacional de resolução. No artigo que publiquei no Expansão em 2023 - "O Fundo de Resolução: perfunctória análise" - defendi que este instrumento assume a natureza de verdadeiro investimento de reserva sistémico, financiado pelo próprio sector bancário, destinado a prevenir e mitigar crises. Sublinhava-se então a importância de operacionalizar o Fundo, dotando-o de previsibilidade financeira e de regras claras quanto às contribuições devidas pelas instituições participantes.

É precisamente neste domínio que surge o Aviso n.º 05/2025, recentemente publicado pelo BNA, e que estabelece o método de determinação das contribuições iniciais, periódicas e extraordinárias ao Fundo de Resolução. Trata-se de um diploma de inequívoca relevância jurídica e económica, que materializa o princípio da auto-responsabilidade do sistema financeiro: os bancos financiam o próprio mecanismo que, em última instância, os poderá socorrer.

Contudo, a leitura do Aviso suscita questões de ordem técnico-jurídica e prudencial que merecem reflexão. Em primeiro lugar, a taxa uniforme de 1% sobre os capitais próprios para a contribuição inicial, embora simples na execução, ignora a heterogeneidade do mercado bancário nacional. A aplicação indistinta dessa percentagem a instituições de dimensões e perfis de risco díspares poderá traduzir-se em encargos desproporcionais, penalizando actores de menor escala.

A prudência regulatória aconselharia, portanto, a introdução de critérios graduais ou modulados, à semelhança dos modelos europeus de "risk-based contributions". Em segundo lugar, o método de apuramento da contribuição periódica, baseado na média dos saldos mensais do passivo e numa taxa ajustada ao perfil de risco, representa um avanço conceptual importante, mas padece de certa opacidade técnica.

O diploma remete a definição da taxa anual para normativo complementar do BNA, sem especificar os limites mínimos e máximos nem a ponderação dos factores de ajustamento. Essa ausência de parâmetros objectivos abre margem a decisões discricionárias e dificulta o planeamento financeiro das instituições participantes.

Em terceiro lugar, a contribuição extraordinária, a ser exigida quando o Fundo revele insuficiência de recursos, apresenta- -se como mecanismo legítimo de contingência, mas com potencial impacto desestabilizador. A obrigação de pagamento em prazos curtos (até 10 dias úteis) e o recurso a activos elegíveis como colateral podem gerar tensões de liquidez, sobretudo em períodos de crise generalizada.

Sem um regime de escalonamento temporal ou de mutualização parcial do encargo, corre-se o risco de transformar a solução em fonte adicional de vulnerabilidade. Por outro lado, as dispensas temporárias de pagamento previstas para instituições com rácios prudenciais abaixo dos limites regulamentares ou em processo de fusão/cisão traduzem um elemento de flexibilidade positiva, embora careçam de critérios mais objectivos quanto à sua aplicação.

A inexistência de indicadores normativamente definidos poderá conduzir a tratamentos desiguais ou interpretações subjectivas por parte da autoridade supervisora. O Aviso prevê ainda a possibilidade de satisfação das contribuições em numerário ou activos elegíveis, limitando a componente não monetária a 40%. A regra é coerente com os princípios de liquidez e segurança, mas dependerá da futura regulamentação sobre valorização e aceitação desses activos, aspecto determinante para a credibilidade do sistema.

O Aviso reforça, do ponto de vista macroprudencial, a estabilidade financeira, consolidando o paradigma de "bail-in" e afastando a lógica de resgates públicos. No entanto, a concretização desse modelo exige um equilíbrio delicado entre a sustentabilidade das contribuições e a efectiva capacidade de resposta do Fundo.

Em síntese, o Aviso n.º 05/2025 representa um avanço necessário e coerente com o quadro legal vigente, mas impõe-se um debate técnico mais aprofundado sobre os seus efeitos distributivos e sobre a proporcionalidade dos encargos impostos ao sector bancário. A solidez do Fundo de Resolução não dependerá apenas da soma das contribuições arrecadadas, mas sobretudo da confiança dos participantes na justiça, transparência e previsibilidade do regime que o sustenta.

A regulação prudencial deve ser, antes de tudo, um exercício de equilíbrio entre segurança sistémica e viabilidade económica. Só assim o Fundo de Resolução poderá cumprir a sua missão primordial: garantir que, quando uma instituição falha, o sistema permanece de pé.

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