Saltar para conteúdo da página

EXPANSÃO - Página Inicial

Opinião

Particularidades

Editorial

Como vamos recuperar a confiança de quem olha para nós, quando somos nós próprios que alimentamos os segredos e manipulamos a história, de acordo com os interesses de uma elite que se vai mantendo impune, alimentando uma enorme máquina de informações e contrainformações, que distorcem os problemas e as soluções, fingindo que somos prósperos e felizes. E que tudo é normal.

O País tem particularidades muito próprias difíceis de explicar dentro de uma lógica que seja perceptível para a maioria dos cidadãos. Nesta edição explicamos que quase quatro meses depois de uma aprovação polémica, que gerou inúmeras discussões públicas, dividindo o sector e os deputados, a lei da mediação de seguros ainda não foi publicada em Diário da República. Uma fonte do regulador do sector, a ARSEG, confirmou mesmo ao Expansão que não sabe se o decreto ainda está nos serviços da Assembleia Nacional ou na Imprensa Nacional em lista de espera para ser publicada. Passaram mais de 100 dias e, pronto, está tudo na mesma! Só resta esperar. Pelos vistos não era importante.

A Gemcorp que teve processos por subfacturação nas importações, que entrou e saiu da Reserva Alimentar sem ninguém perceber o que se passou, que foi envolvida em histórias pouco transparentes com a Odebrecht na construção das barragens, que é dona da refinaria de Cabinda, um projecto modular cuja inauguração já foi adiada pelo menos cinco vezes e continua sem funcionar, que recebeu direitos mineiros em diversos projectos que nunca avançaram, que teve problemas com a Justiça noutros países africanos, afinal é responsável por cerca de 56% dos activos externos do nosso banco central. Que passou a gerir mais um novo fundo, o dinheiro de todos nós, que afinal já desvalorizou 2,5 milhões USD em menos de um ano. E parece que ninguém se preocupa com isso. Até porque, em abono da verdade, também nunca nos foi dito de forma directa e transparente quem são os "donos" e últimos beneficiários deste fundo. Se calhar não temos nada a ver com isso, apesar de serem recursos de todos. Mas vale o que vale o que nós pensamos, dirão os mais iluminados.

Estes são apenas dois casos que espelham uma postura difícil de aceitar, porque vamos encolhendo os ombros, parece que ninguém com responsabilidades questiona o que se passa, ou pelo menos não nos explica. Criou-se, ao longo dos anos, uma nuvem espessa entre a verdade do que é efectivamente e a verdade que podemos, todos os cidadãos, saber. Dois mundos, ou mais. consoante as situações, servidos de acordo com os destinatários.

Ainda recentemente se falou nisto num encontro onde estive presente. Como vamos recuperar a confiança de quem olha para nós, quando somos nós próprios que alimentamos os segredos e manipulamos a história, de acordo com os interesses de uma elite que se vai mantendo impune, alimentando uma enorme máquina de informações e contrainformações, que distorcem os problemas e as soluções, fingindo que somos prósperos e felizes. E que tudo é normal.

"Tens de entender, isto é Angola", já me disseram tantas vezes. E quando argumentamos, discutimos, recusamos, vem o argumento da angolanidade, dos angolanos que são mais angolanos que os outros angolanos. Porque é que tem de ser assim? Não tenho resposta