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"Estamos a criar ideias para as rentabilizar a partir de casa"

Entrevista a GILMÁRIO VEMBA

Sem luz, som e sem cenário é frustrante para quem depende dos espectáculos. O humorista Gilmário Vemba revela não estar em situação de "aperto", mas o facto de só sair e não entrar dinheiro em casa pode criar rotura na economia doméstica. E adverte que vêm aí tempos difíceis.

É incontornável falar na pandemia da Covid-19. Como é ficar em casa, numa altura em que estava sempre fora, com espectáculos?
É completamente frustrante, porque tinha uma agenda muito corrida, que foi brutalmente interrompida. Vamos esperar que passe rápido e que possamos retomar a nossa agenda normal. A Covid-19 tirou-me muita coisa, muitos trabalhos que estava para fazer em Março e Abril, e agora está tudo "vendido".

O que tem feito nesta fase de "isolamento social"?
Em casa, sou um bocadinho professor dos miúdos, tenho tarefas a cumprir com eles, indicadas pelas escolas. Tenho tirado o meu atraso dos livros, tenho dormido muito, faço exercício e pratico os meus instrumentos musicais. Tento manter-me ocupado, com o corpo e a mente em movimento.

Para quem vive de espectáculos ao vivo, imagino que em termos financeiros esteja a pesar. O que um artista deve fazer nesta altura para sobreviver?
É realmente complicado estar esse tempo todo fechado sem subir aos palcos, sem poder ter mecanismos para ganhar dinheiro. Estamos a pensar criar conteúdos, que sejam interessantes para pessoas e empresas, para distribuir de forma digital e, desta forma, conseguir ter algum retorno. Ainda não estamos na fase de aperto, mas temos só saídas e não entradas. Isso cria um buraco na nossa economia, até doméstica. Estamos a criar ideias para rentabilizar, a partir de casa.

Que lição tira da actual forma de viver, por causa da pandemia?
Fica aqui a lição da nossa fragilidade, que deve ser aproveitada por nós, angolanos, para olharmos um bocadinho para as nossas condições de saneamento básico e para aquilo que deve garantir o principal para a estabilidade social do País. Fica a mensagem que nós, homens, somos frágeis e que devemos cuidar-nos mais e estar atentos.

Para os angolanos, à situação económica e financeira, acresce a crise da Covid-19. Teme as consequências que se avizinham? O que fazer?
Temos estado a pensar em diversificar a nossa economia e arranjar outras formas de encontrar meios de sustentabilidade, acredito que vêm aí tempos muito difíceis, mas que, de alguma forma, vão-nos ajudar a despertar. Acredito que, após o estado de emergência, não vamos poder ter contactos com outros países, então teremos de aprender a virar-nos sozinhos. Acredito também que isso vai trazer um upgrade para a nossa maneira de olhar para os nossos próprios problemas. Se calhar, pela primeira vez, vamos estar fechados e a contar apenas connosco.

Para 17 de Abril estava previsto o lançamento do filme "A Dívida", uma longa-metragem em que participa. A data mantém-se?
A estreia de "A Dívida" fica adiada, como tudo. Vamos ter de voltar a negociar com os cinemas e depois lançar novas datas. Tarde ou cedo, vai sair.

Pode-nos desvendar um pouco da sua personagem?
Vão encontrar nesta personagem muitas coisas que têm a ver com a própria personalidade do Gilmário. O personagem chama-se Gil, e é um pai que luta para garantir a sustentabilidade da sua família e que faz de tudo para salvaguardar o bem-estar das suas crianças. É um personagem engraçado e de família.

Imagina-se a interpretar um personagem mais dramático?
Acredito que, um dia, hei-de experimentar um personagem totalmente dramático, embora as personagens que interpreto não sejam na sua totalidade cómicas, têm os seus momentos dramáticos. Mas gostava de, um dia, interpretar uma personagem que fosse 100% drama.

Gostava de realizar um filme?
Agora que comecei a trabalhar neste filme vi que o processo de realização é mais complexo do que se pensa. É algo que exige uma certa formação, uma certa queda e um certo entendimento que não se compadece com o empírico. Portanto, ainda que quisesse, tinha de esperar muito até pensar em realizar um filme.

Além do lançamento do filme, quais são os seus projectos que foram adiados por causa da Covid-19?
Tinha a continuidade do tour, que comecei em Portugal. Estive em Inglaterra e tinha agora espectáculos agendados para Moçambique, Guiné e Angola. E outros que ainda não podem ser revelados, com datas marcadas para iniciar em Abril.

A nova geração de humoristas encontrou nas redes sociais um palco. Acha que os meios digitais têm sido bem explorados?
Claramente que as redes sociais são meios de comunicação rápidos e eficazes. Com um bom conteúdo facilmente se ganha notabilidade através das redes sociais. Acho que estão ser muito bem exploradas pela nova geração para apresentar e divulgar os seus trabalhos.

Se existir alguma possibilidade de regressar aos Tuneza, volta?
Quanto a esse assunto estou completamente fechado e não vou abordar.

Quais os espaços em Luanda para ver comédia ao vivo? Eles são suficientes?
Embora já estejamos a trabalhar na comédia há 17 anos, com shows há mais de 13 anos, os espaços ainda são reduzidos. O que o pessoal faz é reaproveitar outros espaços, como restaurantes, salas de cinemas, para fazer teatro, o que torna difícil aos grupos fixarem-se. Entretanto, o único sítio regular que temos para ver comédia é o projecto Goz"Aqui e as Quartas Quentes com Calado show. Mas acredito que é necessário mais espaços.

Covid-19: o País vai precisar das capacidades de todos

Nascido em Luanda, Gilmário Vemba diz que o momento é oportuno para alguns exteriorizarem as suas capacidades e outros começarem a capacitar-se, para ajudar o País a sair desta situação. Para ele, o País vai entrar num isolamento mundial, que vai criar uma situação de aperto, pelo que os governantes terão de encontrar forma de passar esperança às pessoas".

Depois de um tour por oito cidades europeias, em Portugal, Vemba ficou espantado por ver que o público era, na sua maioria, português. "Fiquei muito feliz e surpreendido. Acredito que há pessoas com saudades, que me cobra nas redes sociais. A eles só tenho a dizer que, em breve, vamos estar de volta para poder rir na cara da Covid-19".

O humorista enfatiza que mantém o cérebro alimentado com comédia e informação e, por esse motivo, não sente muita pressão para construir histórias. Manter o cérebro activo a pensar em ideias e a trabalhar é o seu segredo.

(Entrevista publicada na edição 570 do Expansão, de sexta-feira, dia 17 de Abril de 2020, também disponível em papel ou em versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)