31 mil milhões USD em ouro "voam" de África em 2022
Emirados Árabes Unidos, Suíça e Índia são os principais destinos de quase 80% do ouro extraído em África em 2022, refere um relatório elaborado por dois investigadores da Swissaid, que seguem o rasto ao ouro entre 2012 e 2022. Numa década, o contrabando "mais do que duplicou", com a conivência de vários governos.
Mais de uma tonelada de ouro sai de África todos os dias sem ser declarado, conclui um estudo da Swissaid, que estima em 435 toneladas o ouro contrabandeado para fora do continente em 2022, o equivalente a 31 mil milhões USD, às actuais taxas de câmbio. A maior parte do contrabando ocorre no Mali, no Gana e no Zimbábue, enquanto Emirados Árabes Unidos, Suíça e Índia são os principais destinos de quase 80% do ouro extraído em África em 2022, refere o relatório, elaborado por Marc Ummel e Yvan Schulz.
Ao seguir o caminho que o ouro trilhou durante uma década, desde a sua extracção até ao uso final, os dois pesquisadores da unidade de matérias-primas da Swissaid tentam furar a opacidade que rodeia o comércio de ouro africano e lançam novas pistas para o negócio do contrabando, que "mais do que duplicou entre 2012 e 2022".
Pela primeira vez, a Swissaid quantifica a produção e o comércio de ouro africano, tanto declarado, como não declarado, numa pesquisa que cobre os 54 países. Os resultados são impressionantes e ilustram bem o impacto do fenómeno, que representa uma "perda significativa de receitas para muitos Estados africanos".
"Todos os anos, entre 321 e 474 toneladas de ouro são produzidas no continente através da mineração artesanal e em pequena escala (MAPE) sem ser declarada, o que representa 75% da produção total de ouro MAPE de África", refere o relatório. A organização avalia entre 24 e 35 mil milhões USD o valor comercial do ouro contrabandeado. Nove países em todo o continente vêem mais de 20 toneladas de ouro MAPE não serem declaradas anualmente. Em 41 dos 54 países africanos, a produção de ouro MAPE excede os 100 kg por ano, mas 15 países não reportam qualquer produção, observa o relatório, intitulado "On the trail of african gold", divulgado a 30 de Maio.
"Estamos a falar de centenas de milhões USD, que estariam disponíveis para todo o tipo de serviços públicos, incluindo saúde e educação", observa Schulz, alegando que as elevadas taxas de exportação também favorecem o contrabando. A harmonização e diminuição das taxas é, pois, uma das recomendações aos Estados.
Comércio opaco
Traçar o caminho seguido pelo ouro desde a sua extracção até ao uso final não é fácil. "Depois de extraído, o metal precioso é vendido, transportado, processado, exportado, reprocessado e depois revendido. Tudo isso muitas vezes pelas mãos de muitas pessoas, em diferentes países. Grande parte do comércio de ouro é opaco".
Entre 2012 e 2022, a grande maioria do comércio intra- -africano de ouro envolveu a África do Sul como país de destino, que depois o reexportou para países não africanos.
Em 2022, quase 80% de todo o ouro extraído das minas industriais e artesanais africanas foi exportado para três países: Emirados Árabes Unidos (47%), território que não tem minas de ouro, Suíça (21%) e Índia (12%).
"Sendo um dos principais centros de ouro do mundo, os Emirados Árabes Unidos importaram 2.569 toneladas de ouro de África entre 2012 e 2022 que não foram declarados como exportação pelos países africanos", revelam Marc Ummel e Yvan Schulz. Em termos de valor, isto equivale a uns "espantosos 115,3 mil milhões USD". A maior parte deste ouro é refinado no Dubai antes de ser exportado para a Índia, Suíça, Turquia e Hong Kong.
Devido à legislação suíça, que faz do último local de processamento o local de origem, o ouro importado dos Emirados é considerado dos Emirados, mesmo que a sua verdadeira origem seja outra, refere o estudo.
Já a Suíça foi responsável por 21% das importações directas de ouro africano, em 2022. Além das importações directas, a Suíça também importa uma quantidade significativa de ouro do Dubai (mais de 1.670 toneladas de ouro entre 2012 e 2022).
Corrida ao ouro
As dificuldades socioeconómicas vividas em vários países africanos, combinadas com o aumento do preço, desencadearam uma corrida ao ouro em muitas regiões africanas. Corrida "desenfreada" que foi impulsionada pela "falta de controlo estatal e a corrupção que assola o sector" e que teve como consequência "o desenvolvimento precipitado e descontrolado de minas artesanais, de pequena escala e até semimecanizadas", onde as condições de trabalho "são muitas vezes desastrosas".
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