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Opinião

Na relação com a China, a governação precisa priorizar o sector produtivo

MILAGRE OU MIRAGEM?

Nesta edição, o economista e investigador Fernandes Wanda aborda a questão da priorização do finaciamento chinês em Angola. Segundo o economista, o Executivo angolano pediu financiamento para quase tudo menos para aquele sector que neste espaço temos estado a chamar a atenção como sendo capaz de gerar economia de escala e interligações sectoriais

Na semana passada foi destaque a visita que o Presidente João Lourenço fez à China. Num outro texto, na edição 627, explicámos que hoje, a China é o principal destino do petróleo angolano. A China é também a principal fonte das importações de Angola (posição que vai alternando com Portugal) e, claro, ela é o principal credor de Angola. Por outras palavras, a dependência de Angola perante a China hoje é muito mais acentuada do que nunca!

É importante relembrar que da China vieram mais financiamentos do que investimento directo estrangeiro (IDE). A China é considerada, na literatura especializada, como o financiador do processo de reconstrução pós-guerra. De facto, é sabido que quando ficou claro para o governo angolano que a tão desejada conferência de doadores, sob a égide da ONU, não teria lugar, mais porque as potências ocidentais acreditavam que Angola naquela altura precisava mais de boa governação e transparência na gestão das receitas provenientes do petróleo do que ajuda financeira para o processo de reconstrução nacional, a solução veio do oriente.

Angola é de longe o país africano que mais financiamento recebeu da China, tendo beneficiado quase todos os sectores, cf. gráfico 1. Neste gráfico podemos ver que os dados, compilados por pesquisadores da Universidade Johns Hopkins dos EUA (Johns Hopkins SAIS China-Africa Research Initiative), mostram que o sector dos recursos minerais foi o que mais financiamento recebeu da China. Todavia, é importante esclarecer que do valor total, 10 mil milhões USD, cedidos pelo China Development Bank em 2016, foram para recapitalizar a Sonangol.

Como podemos ver no gráfico 1, o Executivo angolano pediu financiamento para quase tudo menos para aquele sector que neste espaço temos estado a chamar a atenção como sendo capaz de gerar economia de escala e interligações sectoriais, i.e., o sector da indústria em geral e muito particularmente o sector da indústria transformadora. Notem que essa "desatenção" do Executivo angolano não é acidental e precisa ser compreendida dentro daquilo que temos chamado de desarticulação sectorial. Vejamos o seguinte exemplo: durante a crise da pandemia da Covid-19, Angola adquiriu da China, através da empresa chinesa BGI, 5 laboratórios "chave na mão", tendo gasto 6 milhões USD.

Na Etiópia, o governo Etíope disponibilizou um espaço no pólo industrial de Bole Lemi (arredores de Adis Abeba), e incentivou a mesma empresa chinesa, BGI, a criar a BGI Health Ethiopia (numa parceria com investidores etíopes), para a produção local de testes da Covid-19 e , futuramente, testes de doenças como a malária, HIV e tuberculose. Como se pode ver, o fornecedor chinês é o mesmo, a BGI, mas, a opção de Angola mostrou-se menos sustentável e não contribuiu para a criação de capacidade produtiva no país, nem tão pouco facilitou a transferência de tecnologia, pelo contrário, ela mantém Angola refém das importações (de testes) e, consequentemente, facilita a saída de divisas. Já na Etiópia, a solução mostrou-se mais sustentável, ela permite a transferência de tecnologia e permite à Etiópia, no futuro, deixar de importar testes para doenças que em África (e Angola em particular) continuam a ser uma preocupação.

Temos aqui dois exemplos de dois países que viveram até ao início deste século 21 instabilidade político-militar, têm um regime idêntico (muitas vezes considerado de autocrático), estabeleceram uma parceria com a China, mas que hoje seguem trajetórias diferentes. A Etiópia apostou num processo sério de industrialização, começou pela indústria intensiva em mão de obra (vestuário, calçado e outros produtos de cabedal) e avançou para indústria farmacêutica, tecnologicamente mais avançada.

Neste processo a Etiópia está a criar a tão desejada mão de obra industrial, capaz de assegurar a transformação da estrutura de uma economia. Angola continua envolta naquilo que chamamos de paralisia por análise, e da relação bilateral que tem com China não tem sabido aproveitar para (1) atrair investidores privados chineses para produzirem cá bens que poderiam depois ser exportados para outros mercados (em África e não só) e (2) atrair empreendedores e capital angolano para numa primeira fase serem fornecedores de investidores estrangeiros e rapidamente inserirem-se nos mercados mundiais

Leia o artigo integral na edição 768 do Expansão, de sexta-feira, dia 22 de Março de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)