"É urgente usar o sector petrolífero para financiar a diversificação"
O gestor defende que apesar do sentimento anti-petróleo que se levanta no mundo inteiro, ainda é possivel usar o que resta do ciclo do crude para transformar a economia nacional. E partilha ideias e sugestões para combater o desemprego e a recessão económica.
No seu artigo de opinião publicado recentemente no Expansão, falou da dependência africanos em relação ao exterior para extrair e comercializar os recursos do seu território. Porque razão as empresas locais não têm peso neste processo?
A indústria que suporta o sector petrolífero em Angola - note-se que não estou a utilizar a palavra indústria, porque ainda não existe indústria petrolífera em Angola - se encontra lá fora. Este facto é um desenho arquitectado de forma ciente para manter os países produtores de matéria-prima na dependência da tecnologia, conhecimento e força financeira dos países que não têm este recurso.
É um problema de capacidade financeira apenas ou também de capital humano e de estratégia de desenvolvimento?
Angola é um exemplo disso mas a situação é a mesma na África toda. Como exemplo, podemos falar da República Democrática do Congo que tem 80% das reservas mundiais de cobalto. Hoje, a tonelada métrica do cobalto vende-se à volta de 72 mil USD, mas o país não está a ver grande retorno sobre esta produção. Quando os belgas estavam no Congo, produziam 400 mil toneladas métricas por ano. A produção de cobalto hoje aumentou em 300%. Mas a pobreza continua a crescer de uma forma alarmante.
Mas Angola está a trabalhar para aumentar a produção. Está a ser implementada uma estratégia para licitar mais de 50 blocos.
O exemplo que lhe dei foi exactamente para mostrar que a solução para o problema económico que se
vive em Angola não passa somente pelo aumento da produção. É preciso tirar maior proveito das receitas provenientes do petróleo, utilizando o efeito multiplicador e de contágio do petróleo noutros sectores. Ou seja, é necessário assegurar uma cada vez maior participação do empresariado local para trazer mais sustentabilidade ao processo de extracção e garantir que o retorno do investimento feito no sector petrolífero contagie outros sectores da economia.
De que forma?
Em Angola, acontece com o petróleo o mesmo que está a acontecer no Congo com o cobalto. Os exemplos são claros. Os empresários angolanos do sector petrolífero são postos de lado. Repare que mais de 98% do petróleo extraído em Angola é feito em blocos operados pelas multinacionais. A nível dos serviços, 95% são prestados pelas multinacionais de prestação de serviços.
E os empresários locais?
Temos um peso insignificante, embora tenhamos grandes valências para contribuir efectivamente na resolução dos problemas económicos do País, quer por via da produção quer por via da prestação de serviços ao petróleo, quer na arrecadação das receitas do País e na criação de emprego.
O que fazer para mudar esta situação?
A chave da sustentabilidade económica de Angola não é o aumento da produção do petróleo. Mas sim o aumento da retenção do valor dos gastos e investimentos gerados por esta indústria. Não estamos a falar só do pagamento de impostos porque o que fica de impostos é muito pouco comparado com o que ficará em contratos a empresas locais junto do sector petrolífero.
Mas Angola é um dos maiores produtores de petróleo em África.
Há países que produzem muito menos petróleo que Angola mas que conseguem fazer muito mais. A chave não é só aumentar a produção. Sem mudar a estrutura actual, podemos até aumentar a produção. Mas vamos continuar iguais, 60 anos depois do arranque do sector petrolífero.
Mas afinal como se pode aumentar esta retenção dos valores gerados?
Um ponto important é que quando se gasta um dólar proveniente do petróleo e do gás em Angola, este dólar mudaria de mãos em várias transacções sob a forma de investimento ou consumo, antes de sair das nossas fronteiras. Temos a seguinte situação no País: muito do investimento no sector petrolífero não tem impacto na economia angolana e o dinheiro do sector petrolífero sai do País antes de agregar valor à economia. Mas Angola acaba por pagar através do cost oil. É necessário mudar isso.
Como mudar?
Isto acontece porque não estamos a implementar uma lei forte sobre o conteúdo. Estima-se que nos últimos 40 anos de produção, o sector petrolífero em Angola movimentou entre 250 a 280 mil milhões USD. Com este valor podia ter criado mais de 1.2 milhões de empregos. Mas isso não aconteceu porque a produção petrolífera é sustentada por uma indústria localizada fora de Angola.
(Leia a entrevista integral na edição 640 do Expansão, de sexta-feira, dia 03 de Setembro de 2021, em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)