Presidência sul-africana do G20 "fracassa" nas dívidas soberanas
Em carta dirigida a Ramaphosa, 165 organizações acusam presidência sul-africana do G20 de não ter feito avanços em questões de sustentabilidade da dívida e pedem "reformas radicais" antes de passar a presidência aos EUA, a 1 de Dezembro. Reuniões anuais do FMI e do BM arrancam com apelos ao cancelamento da dívida.
As negociações entre o Comité Ad Hoc de Detentores de Títulos da Dívida da Etiópia e o governo etíope, para a restruturação de uma dívida de mil milhões USD, encerraram sem acordo, esta terça-feira, dia em que três centenas de organizações pediram o cancelamento de todas as dívidas soberanas "insustentáveis e ilegítimas", num apelo dirigido ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial (BM), no arranque das reuniões de Outono, em Nova Iorque. Na mesma altura, 165 organizações criticaram a África do Sul por não ter feito avanços, durante a presidência do G20, para resolver o problema das dívidas soberanas.
Numa carta enviada a Cyril Ramaphosa, e que foi subscrita pela Rede Europeia sobre Dívida e Desenvolvimento (Eurodad), Amnistia Internacional, Fundo Malala e a ActionAid International, as 165 organizações exortam o G20 a pressionar por "reformas radicais" nos processos de restruturação da dívida, antes de África do Sul transferir a presidência para os EUA, a dia 1 de Dezembro, e a apoiar a criação de uma Agência Africana de Classificação de Crédito e um "Clube dos Mutuários" para facilitar a cooperação entre países devedores.
Pressionam ainda por um acordo que permita vender as reservas de ouro do FMI para criar um fundo de alívio da dívida, num contexto em que os países em desenvolvimento, já sobrecarregados com elevados níveis de dívida, enfrentam encargos adicionais devido às tarifas impostas por Donald Trump.
Em Abril, o Banco Mundial afirmou que metade dos 150 países em desenvolvimento não conseguem pagar o serviço da dívida e o Quadro Comum do G20, criado para facilitar o diálogo com os credores privados, revelou-se inadequado, como mostra o fracasso das negociações entre o governo da Etiópia e os credores privados
A falta de um acordo prolonga o incumprimento da Etiópia e pode bloquear o acesso do país aos mercados. O eurobond da Etiópia, emitido em 2010 e com maturidade em 2024, entrou em incumprimento em Dezembro de 2023, após o país falhar um pagamento de 33 milhões USD em juros.
O comité, que detém mais de 40% dos títulos de 2024, "propôs um acordo que incluiria um desconto inicial significativo e um mecanismo de pagamento ligado ao desempenho das exportações", afirmou o grupo de credores, num comunicado citado pela Bloomberg, onde se manifesta desapontado com o resultado. A proposta dos credores, recusada por Adis Abeba, incluía "um corte moderado e um mecanismo de recuperação de valor que ligasse os pagamentos ao crescimento das exportações, semelhante aos instrumentos baseados no desempenho utilizados no Gana e na Zâmbia", refere Idriss Linge da Agência Ecofin.
Presas à armadilha da dívida
Segundo os subscritores do apelo para o cancelamento das "dívidas insustentáveis", as reuniões anuais do FMI e do Banco Mundial decorrem num cenário em que "milhares de milhões de pessoas, principalmente no Sul Global, estão presas numa crise de dívida crescente".
A Conferências das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD) estima que as dívidas públicas do Sul Global ou dos países em desenvolvimento atingiram os 31 biliões USD em 2024, tendo crescido duas vezes mais depressa do que no Norte Global desde 2010. Isto tem consequências desastrosas para cerca de 3,3 mil milhões de pessoas que vivem em "países forçados a gastar mais em juros de empréstimos do que em educação, saúde ou investimentos climáticos", e que é "resultado de anos de remodelação colonial e neocolonial das economias do Sul para garantir a extracção de recursos e o serviço da dívida interminável".
Os subscritores do apelo recordam que "a governação da dívida global tem sido da responsabilidade do FMI, do Banco Mundial e dos países do G7, que as controlam, bem como dos interesses cada vez mais concentrados do capital privado transnacional", que definem as regras de concessão e contracção de empréstimos, estabelecem os termos de pagamento e impõem condições de austeridade onerosas que têm empobrecido o Sul Global, devastado os serviços públicos, corroído as economias locais e violado direitos. "Os pagamentos de dívidas reclamados do Sul Global incluem projectos financiados por dívidas, contaminados por fraude e corrupção, e cujos impactos negativos duradouros nas pessoas, nas economias e no planeta ofuscam qualquer benefício reivindicado pelos credores", declaram.
Além do cancelamento de "dívidas ilegítimas, odiosas e coloniais", exigem um ambiente regulatório global e que se ponha termo às políticas de austeridade. "As políticas de austeridade culpam erradamente as despesas públicas, ignorando a perda de recursos financeiros devido a pagamentos opressivos de dívidas e aos abusos fiscais desenfreados por parte de empresas e indivíduos ricos que impulsionam fluxos financeiros ilícitos", sublinham.
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