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"A forma como público se relaciona com a arte visual reflecte a falta de acesso"

SANDRA POULSON | ARTISTA

É uma das três artistas que vai representar Angola na maior e mais antiga bienal de arte do mundo, a Bienal de Veneza. Sandra acha interessante a reflexão sobre o que emprega e gera recursos para a sobrevivência, por isso, nas suas obras apresenta vários temas que afectam e afectaram o País.

Expôs recentemente "Safe to Visit" numa feira na Suíça. Que significado tem para si esta exposição?

Expor "Safe to Visit" em Art Basel na Suíça foi um seguimento importante a estar presente na 60ª. Bienal de Veneza este ano. Tanto no que concerne à sustentabilidade da minha prática artística, como a consolidação de relações dentro da indústria. A participação com a galeria angolana Jahmek Contemporary Art, com base em Luanda, na maior feira de arte do mundo sem dúvida que permite expandir o acesso que a minha obra tem e continuar a pôr ênfase no que artistas, tanto angolanos como da região, estão a pensar, a pesquisar e produzir.

Que mensagem está por trás do "Safe to Visit"?

Esta instalação é o primeiro ensaio de um projecto para o qual já estou em pesquisa há algum tempo, e que continua. Na sua essência está o estudo da relação de naturalidade e domesticidade que, enquanto angolanos, nós temos com um modelo específico de arma de fogo: a AK-47. A obra reflecte sobre a necessidade, quase inata, de nos relacionarmos materialmente com as memórias da guerra de libertação e a guerra civil angolana. Tanto as memórias vividas, como as herdadas e as confabuladas. Há alguns anos que um dos objetos centrais da minha pesquisa é o pó, literalmente o pó urbano de Luanda como fronteira sócio-económica numa cidade de assimetrias díspares. A AK-47 presente nas esculturas de "Safe to Visit" referencia o uso de um formato de pó que capacitou o colonialismo e, mais tarde, a guerra por procuração - a pólvora. Este formato de pó define hemisférios, assim como o pó urbano definiu, e continua a definir, o que "sul" e "norte" significam.

Tem memórias do tempo da guerra ou baseou-se em histórias?

Quando a guerra acabou em 2002, eu tinha 7 anos, e em Luanda já não havia conflito propriamente dito há quase 20 anos. Eu penso que o que "guerra" significa e modifica vai para além de memórias vividas, é também um estado de espírito, uma forma de viver, uma urgência e uma relação complexa com a ideia de futuro. Eu lembro-me perfeitamente das imagens passadas na televisão durante a minha infância e em especial em março de 2002. Assim como das músicas e "estigas" que fizeram parte da minha infância e que centravam contextualmente a guerra e a falta de infra-estrutura. Eu penso que se trata de uma constelação de memórias vividas, herdadas, inventadas. Mas sempre focadas em entendimento próprio e colectivo.

Qual foi o feedback que recebeu da exposição?

Esta obra, sendo de carácter muito pessoal, invocou em mim uma vontade de perceber mais e aprender mais. A obra envolve também um comentário, um tanto o quanto satírico, por ser apresentada no contexto do "norte". O título em português "É Seguro Visitar" reage à pergunta que me é feita constantemente em lugares em que o que as pessoas sabem sobre Angola, é que tivemos uma longa guerra. Que foi materializada com material bélico também desse "norte", e que normalmente viaja em direcção ao sul. O feedback foi construtivo e positivo, mas, como tudo, nem todos lêem as entrelinhas.

Na sua visão, como é que o angolano olha para a arte visual?

Sem dúvida que não me sinto na posição de falar por todos. Eu penso que, enquanto artistas visuais, estamos num processo comparável à literatura, teatro, talvez até à música no que toca à necessidade de espaços, tanto de mostra, como de produção e formação. Precisamos de museus, de mais galerias comerciais e de valorização da arte até como indústria. Naturalmente a forma como o público se relaciona com a arte visual reflecte a falta de acesso à mesma, e a forma como a arte é tratada no cômputo geral em Angola. No entanto, o trabalho que os agentes culturais e artistas têm feito prova que é possível.

Leia o artigo integral na edição 780 do Expansão, de sexta-feira, dia 14 de Junho de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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