O Estado da Nação: Será que hoje cada angolano tem oportunidade de concretizar o seu sonho?
Hoje é inegável o investimento feito no sector da saúde bem como as melhorias que se verificam em vários aspectos da vida social dos angolanos, como foi o caso do programa Kwenda. Foram feitas várias reformas, contudo, é preciso ter coragem para reconhecer que Angola ainda está muito longe de ter dado início de forma sustentável e orgânica ao processo de transformação da estrutura da sua economia, capaz de proporcionar a cada angolano a possibilidade de realizar o seu sonho.
Nesta semana foi destaque a já tradicional "Mensagem à Nação", feita por ocasião da Abertura do Ano Parlamentar, na qual o Presidente da República fala sobre o "Estado da Nação e as políticas preconizadas para a resolução dos principais assuntos, promoção do bem-estar dos angolanos e desenvolvimento do País", conforme o Artigo 118 da Constituição. Ao ouvirmos atentamente a mensagem chamou-nos rapidamente a atenção o facto do Titular do Poder Executivo indicar que estava "a trabalhar todos os dias e em todos os domínios da vida nacional, com o objectivo de fazer de Angola uma terra capaz de proporcionar oportunidades para que cada um consiga concretizar o seu sonho". Neste espaço vamos analisar até que ponto os angolanos estão a ter (ou não) oportunidades de materializarem os seus sonhos no seu próprio País.
Nós ouvimos a Mensagem do Presidente à Nação numa das rádios de Luanda (aquela que é considerada líder de audiência). Minutos antes do discurso ir para o ar nesta rádio, ouvimos um jovem de 19 anos, finalista do Instituto Nacional de Petróleos (INP), localizado na província do Cuanza Sul, a pedir ajuda de pessoas de boa fé para fazer o seu estágio curricular obrigatório. Vejam que o INP, tal como muitos institutos do ensino médio, exige que o estudante faça um estágio curricular para posteriormente apresentar o seu trabalho de conclusão de curso. O valor do estágio curricular não é aqui questionado. O problema surge naqueles casos em que a própria instituição é incapaz de, junto de entidades públicas e privadas, conseguir uma oportunidade de estágio para os seus estudantes, deixando-os à sua própria sorte! Foi constrangedor ouvirmos um jovem desesperado e sem saber a quem solicitar apoio, daí esta ida a uma rádio para fazer um apelo. Notem que o ano lectivo teve início em Setembro, o que significa que o jovem já está a correr contra o tempo, correndo o risco de perder o ano mesmo sem ter culpa de tal situação. Daí a questão "Será que para este jovem (e outros em idêntica situação) Angola hoje proporciona oportunidades para que ele consiga concretizar o seu sonho?"
Nos últimos meses tem sido destaque na imprensa o aumento vertiginoso de angolanos em Portugal. De facto, dados do Novo Jornal indicam que, desde o ano de 2017, altura em que a actual administração entrou em funções, o número de angolanos residentes em Portugal saiu de 16.854 para 55.589 em 2023. Vale acrescentar que esta saída de angolanos do País coincidiu com o agravar das condições socioeconómicas das populações, fruto de sucessivas recessões económicas. Apesar da recuperação em 2021, entre 2022 e 2023 a comunidade angolana em Portugal saiu de 31.761 para 55.589, o que é bastante expressivo. No entanto, dados do BNA sobre as remessas e outras transferências pessoais mostram que Portugal representa 75,3% dos valores enviados pelos residentes, notem que o 2.º país a China, apenas representa 7,5%, de um total de 60.390.000 USD no 1.º Trimestre de 2024. Claramente que para muitos angolanos, Angola hoje não está a proporcionar oportunidades para a realização dos seus sonhos.
Na mensagem ouvimos o Presidente a falar dos crimes de "exploração ilegal de recursos minerais" e dos prejuízos que provocam à economia. Sem colocar em causa os danos ambientais que tal prática normalmente acarreta, não podemos deixar de lembrar que essa exploração desordenada, acontece dada a incapacidade de a governação materializar a visão do Presidente João Lourenço, expressa na Mensagem à Nação de 2019, quando disse que o Executivo iria proceder à "reorganização e legalização das cooperativas de diamantes, visando a sua transformação em empresas de exploração semi-industriais". Este posicionamento do Presidente está alinhado com o que estabelece o actual Código Mineiro (Lei 31/11 de 23 de Setembro) no artigo 170.º (Integração Económica) i.e., "O ministério da tutela deve criar condições para a integração dos mineiros artesanais em cooperativas ou outras formas organizadas de actuação, que resultem num melhor aproveitamento dos recursos naturais em benefícios das populações". Fruto da não implementação da visão do Presidente João Lourenço, continuamos a ver na imprensa notícias de mortes de operadores artesanais em consequência do deslizamento de terras, resultante em grande medida das condições em que os mesmos operam. Daí, mais uma vez, a questão: Por que razão a criação de cooperativas continua a não acontecer de forma natural e contínua?
Enfim, hoje é inegável o investimento feito no sector da saúde bem como as melhorias que se verificam em vários aspectos da vida social dos angolanos, como foi o caso do programa Kwenda. Foram feitas várias reformas, contudo, é preciso ter coragem para reconhecer que Angola ainda está muito longe de ter dado início de forma sustentável e orgânica ao processo de transformação da estrutura da sua economia, capaz de proporcionar a cada angolano a possibilidade de realizar o seu sonho.