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Angola

Comerciantes aumentam a facturação em dia de eleições

REPORTAGEM NAS RUAS DA CAPITAL DO PAÍS

A reportagem do Expansão viajou pela cidade de Luanda na manhã das eleições, um dia com bastante movimento nos bairros e muita tranquilidade no centro da cidade. Mas foi também um dia em que os comerciantes venderam muito mais e aproveitaram os locais de votação para potenciar os seus negócios.

O calendário marcava 24 de Agosto de 2022. Em algumas partes do mundo era um dia normal, na Ucrânia comemorava-se a independência num momento particularmente difícil da sua História, mas em Luanda o dia era de festa. Da festa da democracia. Apesar de alguma tensão entre os dois principais partidos, as pessoas estavam felizes e não havia nenhum sinal de confrontos. "Eu votei mas posso ficar na rua desde que não faça mal a ninguém, pelo menos foi assim que entendi. Agora, ninguém me pode obrigar a ficar trancado em casa ou podem?", foi a primeira frase que ouvimos quando a equipa de reportagem iniciou a viagem pela capital em dia de eleições.

A conversa era mantida entre João Baptista, de 54 anos, funcionário público, Mário e Afonso (não quiseram dizer a idade), que depois de terem exercido o seu direito ao voto se questionavam sobre o facto de poderem estar ou não na rua, depois de tudo o que tinham ouvido do "votou, sentou" ou "votou, bazou". "Pelo que ouvi na televisão não podemos votar e ficar na rua porque isso pode criar instabilidade. Temos de votar e ir para casa" dizia Mário, depois contrariado por João Baptista, que afirmava que era normal ficar à porta de casa ou num restaurante a comer e a beber qualquer coisa.

Na mesma rua, no distrito do Neves Bendinha, encontrámos um grupo de quatro pessoas, dois homens e dois mulheres, que mantinham uma conversa com os ânimos um pouco alterados, onde se discutia a credibilidade do processo e a justiça das eleições. Continuamos a nossa caminhada rumo à assembleia de voto número 234, situada na Igreja Metodista Unida da Calemba, no Bairro Anangola. Aqui as filas para aderir à assembleia de voto eram muito longas. O movimento era frenético em todas as ruas do bairro, mais parecia a festa da passagem de ano. Música, animação, roupas bonitas, o ambiente de um dia diferente.

Com tanto movimento, quem ganhou foi a democracia, numa primeira fase, mas também os comerciantes que aproveitaram o dia para facturar mais. Os negócios não eram novos, mas as vendas muito superiores.

Sopa, cerveja e bifes de moela

Eduardo vive perto da assembleia de voto número 234, vende todos os dias, em sua casa, sopa, cerveja e vinhos tinto e branco. A porta de casa estava, quando eram apenas 10 horas, abarrotada de pessoas que depois de terem exercido o direito ao voto só pensavam em tomar uma sopa e beber algumas cervejas. Àquela hora, Eduardo já tinha facturado quase o dobro do que consegue ganhar em dias normais. O sorriso aberto escondia a preocupação de ainda não ter votado. "Estou a aproveitar para ganhar um dinheiro que é muito difícil fazer em dias normais. Aqui as movimentações começaram quando eram 5 horas da manhã, e uma hora depois começaram a surgir as primeiras filas, parece que estavam todos ansiosos para votar. Eu só estou a aproveitar o movimento para facturar. Acabei agora de mandar comprar mais mercadoria, porque a que comprámos ontem para vender hoje durante o dia, já acabou" disse.

Ao fundo do estabelecimento, destaca-se o som de um grupo de jovens em grande festa. "Estamos a comemorar a vitória do nosso partido porque temos a certeza que vai ganhar. Somos um grupo de amigos que calhou na mesma assembleia, e combinámos que depois de votar estaríamos aqui a comemorar e a festejar. As cervejas estão a ser vendidas a 160 Kz e a tigela de sopa está a 500 Kz. A meta hoje é que cada um de nós gaste pelo menos 13 mil Kz até ao final do dia" disse António, de 26 anos, que estava ladeado de mais seis jovens.

Quem também aproveitou a movimentação no bairro para comercializar foi Maura que fez bifes de moela para vender em frente à assembleia de voto. Um negócio que costuma fazer todos os dias no período da noite, mas a movimentação anormal fez antecipar o horário de venda. "As pessoas estão a procurar muito. Acho que é por causa da fila longa. Até agora o rendimento ainda é o mesmo que consigo nos finais de semana, o que já é muito bom, mas espero que no final do dia as coisas melhorem", disse-nos rapidamente enquanto servia mais uma sandes.

Micati e sumo de múcua

O relógio marcava 9 horas e a nossa reportagem estava perto da assembleia de voto número 307, no distrito do Kilamba Kiaxi, onde um grupo de aproximadamente 10 ou mais pessoas rodeavam a dona Ntimba que vendia micati (bolinho frito com gindungo), muito famoso nestas bandas.

A congolesa de 40 anos também aproveitou para facturar mais nesse dia. Explica que trouxe mais mercadoria do que em dias normais. Montou a bancada às 8 horas e, passada uma hora, a vendedora nem se conseguia sentar devido à enchente de pessoas que estavam a caminho da assembleia e dos que já estavam de regresso a casa. O cheiro era o chamariz e o aspecto crocante obrigava a parar. O preço ajudava, apenas 50 Kz, sendo que alguns enchiam a mão com três ou quatro e seguiam a caminhada.

Já Maria aproveitou para vender sumo de múcua à porta de uma assembleia de voto na rua D do Bairro Palanca. Nesta assembleia tanto as pessoas que estavam na fila, como as que já estavam dentro, faziam-se acompanhar de uma garrafa de sumo, inclusive alguns delegados de lista. Um facturação suplementar num dia especial que a deixava muito satisfeita. "A menina também não vai levar sumo? Está fresco", atirou a uma cliente.

Quem também teve um dia de lucros mais altos foi Moazi Maqui, 42 anos, natural do Mali e dono de uma cantina que funciona há oito anos no Bairro Popular. Ele explica que vendeu um número considerável de garrafas de água mineral e pacotes de bolacha. "Não é normal esta procura, mas também não costuma haver tantas pessoas aqui na zona", explicou.

Ao contrário destes comerciantes, que começaram a facturar nas primeiras horas do dia, Bia, dona de uma roulotte, explicou que teve receio de abrir o estabelecimento por achar que era proibido fazer qualquer tipo de negócio em dia de eleições. Abriu apenas quando eram 12 horas pelo facto de ter visto outros comerciantes da sua zona a venderem os seus produtos sem sobressaltos. "E não é que está a correr muito bem? Agora que estamos na hora de almoço, os nossos produtos estão a ter muito mais procura. Vai ser um dia muito bom", disse.

A nossa reportagem saiu da periferia para o centro da cidade de Luanda, mas aqui o movimento não era igual. A maioria dos locais visitados não estavam cheios e não havia qualquer tipo de negócio a ser praticado nas portas ou perto das assembleias de voto. Nos bairros a festa era na rua, no centro da cidade era cada um em sua casa.