Saltar para conteúdo da página

Logo Jornal EXPANSÃO

EXPANSÃO - Página Inicial

Grande Entrevista

"Temos de ser corajosos e criar modelos económicos específicos para África"

ALBERTO SEIXAS, CONSULTOR ECONÓMICO E FINANCEIRO

Alberto Deixas defende a adopção de medidas que transformem a economia angolana em economia de mercado, com um Estado menos interventivo, mas que vele pelo bem-estar dos cidadãos e aponta o dedo a programas padronizados fora do contexto local.

Depois de alguns anos a economia nacional saiu da recessão e indicadores apontam para manutenção da tendência de crescimento este ano. Enquanto consultor económico e financeiro, como olha hoje para a nossa economia?

A economia nasce da escassez porque os recursos são escassos e a oferta é limitada. E aqui faço uma reflexão sobre a economia angolana e faço um paralelismo, porque as sociedades ocidentais, que nós temos como referências do modelo de capitalismo, cumpriram todas as fases do desenvolvimento económico. Andaram pela comunidade primitiva, fizeram o esclavagismo, feudalismo, algumas tornaram-se socialistas-comunistas e hoje temos o capitalismo. Angola, por alguma razão, interrompeu etapas. Estamos a queimar etapas. Se olharmos para a história recente de Angola, vemos que, de 1975 até 1989, experimentámos o socialismo/comunismo. Depois, em 1989, começámos a ensaiar a economia de mercado. Fizemos uma transição do socialismo comunista para o capitalismo, mas esquecemos de pedir o manual de instruções.

Porquê?

Para que nós nos conformemos com determinada ciência é preciso obedecer a determinados pressupostos. Se olharmos para esta narrativa do ponto de vista numérico, de 1975 para 1989, passaram 14 anos. O resto do tempo estamos a viver na tentativa de nos adaptarmos à economia de mercado.

A nossa economia não é de mercado?

Há um conjunto de pressupostos que permitem que uma economia se configure como economia de mercado. E, se passarmos em revista estes pressupostos, vamos descobrir que, no essencial, não somos.

O que é que falta?

Hoje temos uma economia ancorada ao petróleo, uma economia de enclave. Para que os pressupostos de funcionamento de uma economia de mercado existam é preciso que haja livre concorrência e sabemos que a Lei da Concorrência é recente no País. É preciso que haja também produção nacional não petrolífera, porque nos termos em que estamos a economia fica sujeita a dois tipos de externalidades.

Quais?

Temos externalidades positivas, quando o preço do petróleo sobe e negativas quando o preço desce. E sabemos que o nível do preço desta commodity não é controlado por nós. Para que a nossa economia seja minimamente controlável era preciso que tivéssemos alguma produção interna. Aliás, todos os pressupostos em termos de política económica assentam na existência de alguma produção nacional. Na prática, em Angola costumamos a usar os instrumentos de política económica quer monetária ou fiscal sem ter o suporte efectivo que é a produção nacional.

Como se altera este quadro?

Imagine que estejamos em preseja expansionista ou contraccionista, para que surta efeitos na economia real, é preciso que o sector produtivo associado funcione. Se decidirmos aumentar os gastos públicos para reanimar a economia e se estes gastos não encontrarem no mercado um sistema produtivo que permita responder a este aumento da massa monetária em circulação vamos gerar uma pressão inflaccionista.

A inflação é um problema na nossa economia...

O mecanismo mais profundo de combater a inflação é a produção nacional. Se não existe produção nacional está-se a fazer um conjunto de artifícios que não têm sustentabilidade. Aliás, a maior parte das crises derivou deste excesso de economia financeira que não tem nada a ver com a economia real. Chegamos ao ponto de mexer nos instrumentos de política monetária, como a que reduz a taxa básica de juros, para aumentar o nível de liquidez do mercado e conceder crédito à economia.

Não é um caminho?

Não. Há um princípio dos monetaristas que diz que a quantidade de massa monetária em circulação numa economia tem de ser proporcional à quantidade de bens e serviços produzidos nesta mesma economia. Se não existe economia doméstica suficiente para responder ao aumento da massa monetária, haverá muito mais dinheiro para a mesma quantidade de bens e serviços a serem transaccionados no mercado. E isto provoca inflação.

Diz que não se combate inflação com medidas monetárias, não havendo produção suficiente, como se combate a inflação?

Começando pelo princípio. Gerar produção nacional. Por exemplo, as nossas Reservas Internacionais Líquidas (RIL) em 2011 valiam 27 mil milhões USD e o pico foi em 2012 e 2013, quando atingimos a cifra astronómica de 32 mil milhões USD. Em Julho de 2022 as RIL valiam 13,7 mil milhões USD. A pergunta que se coloca é como é que as RIL evaporam com esta velocidade? Estamos a gastar USD para comprar arroz, feijão, alfinetes... Se, de facto, começarmos a produzir internamente a pressão sobre as RIL diminui automaticamente.

(Leia o artigo integral na edição 690 do Expansão, de sexta-feira, dia 2 de Setembrode 2022, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)