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Opinião

Trabalhar para os netos

Editorial

"Não ia suportar, lá onde estiver, que os meus netos sentissem vergonha do seu avô. Quero que olhem para a minha história, contada por quem quer que seja, e que sintam orgulho"

Recordo uma conversa tida há alguns anos com uma das figuras do nosso País, que contrariamente a muitos da sua geração não se passeava de Lexus na cidade, não tinha casa na Expo em Lisboa, nem tinha aquele hábito de então, de circular pela noite de Luanda com a missão de abrir garrafas de whisky. Era tranquilo, vivia na mesma casa em que a independência o tinha encontrado e todos os dias caminhava ao final do dia até à marginal para se encontrar com os seus ideais.

Na altura em que se construíram os pilares do País, as primeiras instituições, as bases para um sistema que hoje muitos põem em causa, foi uma figura muito activa, conhecida, respeitada. Depois, com a chegada da democracia, o fim do partido único, as primeiras eleições em 1992, foi saindo pouco a pouco das luzes, quando a "corrida ao ouro" se iniciou, quando as riquezas do País passaram para as contas e para as casas dos dirigentes. Nos gloriosos anos 90 criaram-se as primeiras fortunas, escondidas num nacionalismo muito próprio, de tirar um milhão de todos e dar 100 de favor a alguns. Solidariedade social que acabou por lhe dar algum prestígio.

Com o advento da paz havia alguns que estavam suficientemente fortes para ficarem com maiores oportunidades, outros que estavam desembarcaram rapidamente com parceiros e dólares para distribuir a quem estava a entregar os "negócios". E criou-se uma elite sob olhar daqueles, como a figura de que vos falei, que orgulhosos pelo seu passado não correram para a fila das oportunidades, como muitos dos seus amigos e companheiros de outros tempos.

Dizia-me então essa figura que nas decisões mais difíceis que teve de tomar foi nos netos que pensou, mesmo em momentos em que ainda não os tinha. O que para muitos podia significar arrecadar o máximo para que os netos não tivessem qualquer privação, que crescerem sem passar qualquer dificuldade, ricos, para ele era uma coisa muito diferente.

"Sabes, João, daqui a muitos anos, quando já tiver morrido, os meus netos vão querer saber o que o avô fez. Com a quantidade de informação que existe hoje, não é possível esconder o essencial. E os meus netos vão olhar para o meu percurso, para os lugares por onde passei, o que eu fiz, como tratei os outros, como me comportei. Não ia suportar, lá onde estiver, que os meus netos sentissem vergonha do seu avô. Quero que olhem para a minha história, contada por quem quer que seja, e que sintam orgulho. E acha que isso vai acontecer a muitos dos meus amigos que vocês conhecem? Os miúdos nem vão usar o apelido do avô para não haver associação".

"Sempre pensei nisso nos momentos em que tive de decidir. Sempre trabalhei para os meus netos", acrescentou. Se todos trabalhássemos para os nossos netos, certamente que o País seria melhor, digo eu.