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Análise

O FMI encalhou nesta questão

Convidado

É convicção generalizada, em Angola, a ideia de haver uma forte relação de causa e efeito entre a taxa de câmbio oficial e o nível geral de preços.

Esta convicção tem como base a falsa percepção causada pelo facto de, normalmente, o Banco Nacional de Angola (BNA) pôr a taxa oficial a seguir, de certa forma, as variações da taxa de câmbio do mercado paralelo, a qual tem verdadeira relação com o nível de preços, juntamente com as condições de oferta e procura de moeda estrangeira no mercado formal. Esta falsa percepção é reforçada por um equívoco em torno da noção de "repercussão de variações da taxa de câmbio no nível geral de preços", correspondente à expressão "exchange rate passthrough", na língua inglesa. O equívoco está no facto de se incluir neste conceito a taxa de câmbio oficial, quando o mesmo só se realiza com taxas de câmbio livres.

Nesta senda, o relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) emitido no mês de Setembro de 2020 - relativo à terceira avaliação do acordo com Angola, ao abrigo do Programa de Financiamento Ampliado - estabeleceu como premissa a relação de causa e efeito entre a taxa de câmbio oficial e o nível geral de preços, mas, não estando os dados a corroborar, não pôde, satisfatoriamente, concluir em conformidade com a premissa estabelecida.

Como se pode ver, pela figura que acompanha este texto, um recorte da página 66 do referido relatório, a premissa é estabelecida no título do 8º parágrafo: "Exchange rate passthrough to domestic prices". No entanto, olhando para o gráfico logo abaixo, vê-se claramente que o índice de preços no consumidor, representado pela linha contínua, não reage à brusca elevação da taxa de câmbio oficial, representada pela linha tracejada, ocorrida em Janeiro de 2018.

Em face de tão evidente disparidade, os autores do relatório explicam-se nos seguintes termos (ver figura de recorte): "When the official rate was allowed to move, the passthrough had already taken place, and thus the remaining passthrough was low". Interpretando em português, esta frase significa que "quando, em Janeiro de 2018, se começou a permitir que a taxa de câmbio oficial variasse, a repercussão dos efeitos de tais variações no nível geral de preços já tinha ocorrido e, por isso, o que restava de efeitos era exíguo".

Ora, isto não faz sentido, pois ressalta coma inversão da ordem sequencial entre causa e efeito. A repercussão de variações da taxa de câmbio no nível geral de preços não pode ter efeitos retroactivos, salvo os casos em que, antecipadamente, se avivem as expectativas inflacionárias, o que também não tem indícios de plausibilidade, nem no gráfico do relatório nem nas estatísticas de preços. Sendo assim, o parágrafo em causa, contido na página 66 do relatório, por ser incongruente, denota que o FMI encalhou, nesta questão.

Tal como afirmado inicialmente, a verdade é que a repercussão de variações cambiais no nível geral de preços (passthrough) não pode ocorrer com a taxa de câmbio oficial. Tal fenómeno só ocorre quando se trata de uma taxa de câmbio livre, a qual se assume como taxa de equilíbrio e flutua livremente aos impulsos da oferta e da procura de moeda estrangeira. É a esta taxa de câmbio que se referem os manuais de economia, quando falam do fenómeno de repercussão cambial, excluindo assim a taxa oficial, estabelecida por decreto, de certa forma.

Quando o banco central impede a taxa de câmbio oficial de se elevar livremente, fazendo com que se alargue o ágio cambial - que é a diferença entre a taxa de câmbio do mercado paralelo e a taxa oficial - a procura de moeda estrangeira passa a ser maior que a oferta, o que implica congestionamento no mercado. Vice-versa, quando o banco central vai liberando as taxas dos bancos, fazendo com que se reduza o ágio cambial, a oferta e a procura reaproximam-se uma da outra, reduzindo-se assim o congestionamento e as dificuldades de obtenção de moeda estrangeira.

*Economista

(Leia o artigo integral na edição 608 do Expansão, de sexta-feira, dia 22 de Janeiro de 2021, em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)