Janela única para registar terrenos dá mais poder aos municípios
As fontes consultadas pelo Expansão manifestam a sua concordância com a criação de uma plataforma tecnológica que agilize todos os procedimentos sobre direitos fundiários, mas criticam a falta de conhecimento, capacidade técnica e de recursos humanos nas administrações municipais.
Com a publicação em Diário da República do regulamento, que está em vigor desde 9 de Abril, sobre a janela única de concessão de direitos fundiários (Decreto Presidencial n.º 84/25), o governo dá um passo concreto na uniformização dos procedimentos de acesso aos direitos fundiários. Uma das principais novidades está relacionada com o reforço do poder local: segundo o Artigo 9.º, que se refere à tramitação dos processos, todos os requerimentos sobre acesso à terra passam obrigatoriamente a dar entrada na respectiva administração municipal, o que limita os pedidos feitos fora das jurisdições onde estão localizados os terrenos.
Esta é uma tentativa de impedir os conflitos de terras associados à dispersão administrativa, que resultavam em processos muitas vezes tramitados a partir de Luanda ou de outras regiões distantes dos terrenos em causa.
Segundo o regulamento aprovado pelo Presidente da República, compete aos administradores municipais autorizar a constituição ou a transmissão de direitos fundiários sobre terrenos rurais até 100 hectares, 1 hectare em áreas urbanas e até 2 hectares em áreas suburbanas.
Os governadores provinciais podem autorizar a transmissão de direitos sobre terrenos rurais com área superior a 100 hectares até 1.000 hectares, superior a 1 e até 2 hectares em áreas urbanas e superior a 2 e até 5 hectares em áreas suburbanas.
No caso dos terrenos rurais com área superior a 1.000 e até 10.000 hectares, superiores a 2 hectares em áreas urbanas e a 5 hectares em áreas suburbanas, compete ao titular do ministério responsável pelo cadastro nacional autorizar a constituição ou a transmissão de direitos fundiários.
Apesar desta estruturação (que não é nova e foi apenas reformulada), com diferentes níveis de autorização consoante o tamanho dos terrenos, o referido Artigo 9.º afirma, na alínea a) do ponto número 1, que o pedido tem de dar "entrada na secretaria geral da administração municipal, que faz o registo, a análise preliminar da documentação, o agendamento da vistoria e a emissão da guia de pagamento".
A alínea b) indica que o processo é depois distribuído à direcção municipal de Gestão Urbanística e de Cadastro ou serviço municipal equivalente, para a "realização da vistoria, emissão do parecer e demarcação do terreno". O ponto c) esclarece que "tratando-se de pedido de concessão de direitos fundiários que não seja da competência do Administrador Municipal", o processo é imediatamente remetido para a entidade concedente competente em razão da dimensão do terreno, cuja "instrução técnica do processo de concessão é feita pelo Instituto Geográfico e Cadastral [IGCA] de Angola, nos termos da lei".
Iliteracia fundiária
Ainda que estas mudanças sejam genericamente vistas de forma positiva, sobretudo com o reforço das competências das administrações locais em matéria de direitos fundiários e com a uniformização dos procedimentos, é necessário olhar para a realidade objectiva do funcionamento do poder local em Angola.
Na opinião de Bernardo Castro, coordenador da Rede Terra (um consórcio de organizações nacionais e internacionais dedicado à defesa dos direitos fundiários em Angola), a "experiência demonstra que os órgãos concedentes não têm as qualificações adequadas e, na maior parte dos casos, não dominam o direito fundiário".
"A iliteracia é elevada e faz com que as administrações municipais actuem de forma arbitrária. Agora este problema ganhou ainda mais relevância porque temos mais municípios. E se antes constatou-se que o poder local não conseguia lidar com a Lei de Terras, porque os municípios não têm infraestruturas adequadas, nem pessoal qualificado. Muitas vezes os técnicos não conhecem os regulamentos", sublinha Bernardo Castro.
"Diversos conflitos de terras surgiram a partir desta iliteracia, mas também de outros fenómenos bem conhecidos, como a corrupção e o tráfico de influências. É necessário capacitar os agentes públicos em matérias de direito fundiário", defende o coordenador da Rede Terra.
Numa perspectiva mais de mercado e de promoção imobiliária, Cléber Correia, director- -geral da Proimóveis e antigo presidente da APIMA - Associação de Promotores Imobiliários de Angola, afirma concordar com a uniformização dos procedimentos de acesso à terra, mas também manifesta alguma preocupação com o papel das administrações municipais.
"Um dos principais desafios que temos é a baixa produtividade dos funcionários públicos, que normalmente chegam às 9h00, saem para almoçar às 12h00 e terminam o expediente às 15h00", descreve Cléber Correia.
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