Bebés reborn e o apocalipse
Não é nova a existência de novas modas e tendências; não é nova a canalização dos afectos e dos vazios para objectos; não é nova a complexidade humana; não é nova a nossa tendência para julgar; não é novo o nosso medo do que não entendemos; e - definitivamente - não é nova a nossa leitura de tudo o que não compreendemos como sendo um sinal do fim dos tempos, um sinal do apocalipse. É, entretanto, uma excelente oportunidade para nos debruçarmos sobre a nossa tendência para o julgamento e para o medo do fim do mundo
Não é nova a canalização dos afectos e dos vazios para objectos; não é nova a complexidade humana; não é nova a nossa tendência para julgar; não é novo o nosso medo do que não entendemos; e não é nova a nossa leitura de tudo o que não compreendemos como sendo um sinal do fim dos tempos, um sinal do apocalipse.
A senhora loira, de cabelo comprido e olhos claros, com uma blusa conservadora e umas calças verdes aos quadradinhos, com um ar muito sério e consternado, pergunta: "O que está a acontecer no mundo? Em que momento a civilização decidiu que fingir que um boneco é um ser humano seria normal, aceitável e até terapêutico?".
A senhora - uma apresentadora e ex-modelo brasileira, cujo vídeo se tornou viral - continua, desgostosa: "A histeria colectiva em torno dos bebés reborn é mais do que um modismo bizarro. É um sinal explícito de colapso mental. Um surto psicótico autorizado, estimulado e transformado em indústria" (esta última expressão é repetida, mais adiante, com visível satisfação). E ela continua: "A febre desses bebés reborn é o retrato mais perturbador da falência emocional e espiritual do nosso tempo. Uma geração inteira órfã de sentido, anestesiada pela solidão e pelo niilismo, passou a substituir filhos por bonecos".
Emociona-se: "Isso não é amor, não é arte, é loucura! É a negação violenta da realidade!". E prossegue, visivelmente entusiasmada, falando de epidemia psíquica, chamando os bonecos de cadáveres de borracha e por aí vai.
Parece algo novo, mas nada disto é novo.
Não é nova a existência de novas modas e tendências; não é nova a canalização dos afectos e dos vazios para objectos; não é nova a complexidade humana; não é nova a nossa tendência para julgar; não é novo o nosso medo do que não entendemos; e - definitivamente - não é nova a nossa leitura de tudo o que não compreendemos como sendo um sinal do fim dos tempos, um sinal do apocalipse. É, entretanto, uma excelente oportunidade para nos debruçarmos sobre a nossa tendência para o julgamento e para o medo do fim do mundo.
O que são bebés reborn? São réplicas hiper-realistas de recém- -nascidos, que imitam quase na perfeição a textura e maciez da pele do bebé, os fios de cabelo, as unhas, os olhos, as rugas de bebé e as dobrinhas nas mãos e pés, as expressões do rosto, o peso. Estas bonecas são produzidas por artesãs ("cegonhas", como são chamadas no universo reborn), a partir de vinil ou silicone.
O fenómeno dos bebés reborn.
Este fenómeno começou nos Estados Unidos, na década de 90 do século passado, espalhando-se rapidamente pelo mundo, impulsionado pelas redes sociais. Os bebés reborn parecem ser especialmente (mas não exclusivamente) populares entre mulheres adultas sem filhos. Este fenómeno é também comercial, com lucros muito significativos. As bonecas reborn podem custar centenas e até milhares de euros, dependendo do realismo da boneca e do material utilizado.
Qual é a polémica?
A polémica surge pelo facto de as pessoas acreditarem que os bebés reborn saíram da esfera da colecção e da criação de conteúdos rentáveis nas redes sociais e passaram para algo mais sério, em que mulheres adultas estariam a tratar as bonecas como bebés reais, o que incluiria, por exemplo, a exigência do atendimento das bonecas nos serviços públicos de saúde, ou a consulta de serviços de uma advogada para regularização do poder parental e gestão da página do bebé reborn após separação do casal (conforme reportou a advogada Suzana Ferreira, de Goiás, no Brasil). Muitos se insurgem contra o cuidado de bebés reborn por mulheres adultas, que classificam de exagerado, patológico, fantasioso, desfasado da realidade...
Leia o artigo integral na edição 827 do Expansão, de Sexta-feira, dia 23 de Maio de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)