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Opinião

A justiça não socorre os que dormem "dormientibus non succurrit jus"

CONVIDADO

Nada escapa ao efeito corrosivo do tempo. Desde os órgãos do corpo humano, passando pelas ferramentas, pelos utensílios, tudo sofre o impacto negativo do tempo. Não é em vão que os ingleses, de forma idiomática, dizem "How goes the enimy?" quando querem de facto perguntar "Que horas são?".

É que o tempo, às vezes, funciona como se de um inimigo do homem se tratasse. É por esta razão que nos ordenamentos jurídicos mais modernos se pune a inacção daqueles que, sendo titulares de um direito aparentemente violado, não recorrem, dentro de prazos legais, às instâncias judiciais ou judiciárias competentes, para procederem à protecção dos seus direitos.

Por esta razão, expressões como caducidade, prescrição, tempestividade, fazem parte do léxico de qualquer ordenamento jurídico digno deste nome.

Na verdade, vários são os direitos que se perdem ou se adquirem por força do tempo. Destacando-se, entre os aquisitivos, a nossa conhecidíssima usucapião; que nada mais é do que a susceptibilidade de alguém vir a adquirir a titularidade de um determinado bem imóvel por causa do exercício de direitos possessórios por considerável lapso de tempo, como pode ser comprovado pela leitura dos arts. 1287.º e seguintes do Código Civil.

Dito de outro modo, a usucapião tanto pode figurar como uma forma de aquisição ou de extinção de direito. Ou seja, apesar do direito de propriedade ser absoluto, que se impõe de forma peremptória, sobre todos os membros da comunidade, a que os latinos chamariam de direitos "erga omnes"", ainda assim ele, o direito de propriedade, pode ser extinto por não uso por parte do seu titular; pelo que se recomenda a leitura do art.º 298.º n.º 3 do Código Civil.

Fazendo referências ao impacto do tempo sobre coisas imóveis, se nos afigura importante relembrar que, nos termos da Lei de Terras, o beneficiário de direito que não retirar as utilidades económicas da terra, perde-o se no período de três anos consecutivos ou seis interpolados não proceder àquilo à que lei chama de "aproveitamento útil e efectivo", como vem expresso no n.º 4.º do art.º 7.º da Lei de Terras.

Nas relações conjugais, por exemplo, o interessado em proteger os seus direitos que nasçam da relação conjugal têm um prazo de dois anos para intentar a devida acção judicial de reconhecimento da união de facto, para a protecção dos seus direitos, pelo que se recomenda a leitura do art.º 124.º do Código da Família.

Se não o fizer dentro daquele prazo perde imediatamente qualquer possibilidade de recorrer aos meios judiciais públicos para proteger os seus direitos. Do mesmo modo, o cônjuge que tiver conhecimento do cometimento de uma infracção conjugal por parte do outro cônjuge tem um prazo de um a dois anos para requerer a dissolução do matrimónio (vide art.º 70.º do Código da Família). Se o não fizer não pode usar tal facto para solicitar divórcio litigioso.

Nas relações laborais, a entidade empregadora está também sujeita a prazos para o exercício de determinados direitos entre os quais se destaca o exercício do poder disciplinar.

É que o exercício deste direito, o de aplicar penas aos trabalhadores, tem de ser exercitado no prazo de um ano a contar da data da prática da infracção, como se pode confirmar com a leitura do art.º 61.º n.º 1 alínea b), da LGT.

Ainda nos direitos laborais, fazendo referência aos processuais, cabe dizer que o trabalhador despedido tem um prazo de um ano para que, em juízo, proceda à cobrança dos seus créditos laborais, sob pena de se extinguir por prescrição (vide art.º 302.º n.º 1 da LGT); quanto ao prazo para que o trabalhador possa impugnar a aplicação de uma medida disciplinar, como o despedimento, por exemplo, é de 180 dias, sob pena de extinção do direito por caducidade (vide art.º 303.º n.º 1 da LGT).

Muitas são as situações em que o uso dessas duas ferramentas, quer a caducidade quer a prescrição, podem levar à extinção de direitos. Isso acontece por causa da natureza das normas jurídicas, que estão ao serviço de outras regras fundamentais e indispensáveis à vida do ser humano, que são a certeza, segurança e a legítima expectativa das pessoas.

É por causa delas, da certeza, segurança e legítima expectativa das pessoas, que a prescrição e a caducidade existem, punindo-se o credor passivo, que é, por causa disso, acusado de negligência, por dormir à sombra da bananeira, como também se diz numa linguagem coloquial. Porém, é daí que surge a expressão jurídico-latina "dormientibus non succurrit jus" ou seja, "a justiça não socorre os que dormem".

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