A recuperação pós-Covid alicerçada no sector produtivo ainda nem começou!
Cabe às autoridades apoiar o crescimento do sector privado, tornando-o capaz de produzir bens e serviços para conquista, também, dos mercados externos. Identificar produtos que rapidamente contribuam para diversificar as exportações reduz a petro-dependência, assegura divisas para aquisição de bens de capital necessários para dinamizar todos os outros sectores da economia fora dos recursos naturais. A grande pergunta é "será a governação em Angola capaz de fazer este milagre?"
No início deste mês, o FMI em Angola apresentou o seu último relatório sobre as "Perspectivas Económicas Regionais" da África Subsariana. A mensagem é categórica: a recuperação pós-Covid que se verificava na região corre o risco de ser interrompida devido à crise tarifária provocada pelas mudanças abruptas verificadas na conjuntura mundial.
O FMI alertou ainda para a limitada capacidade de muitos países africanos - e de Angola em particular - aumentarem o seu endividamento para evitar uma nova crise, principalmente num contexto em que os principais doadores, como os EUA, Países Baixos, Bélgica e Reino Unido, vêm cortando os seus orçamentos de assistência externa. Na ausência dessa ajuda, torna-se imprescindível focar nas alternativas internas, combinando a mobilização de recursos domésticos com uma consolidação orçamental.
Na apresentação vimos que o preço do petróleo, a principal matéria-prima de exportação, fonte de divisas e receita fiscal para Angola está em declínio. Por outro lado, algumas matérias-primas, como o café, o ouro e o cobre, vêm mostrando uma trajectória ascendente. Importa sublinhar que Angola é um dos países com maior potencial na produção de cada um destes produtos - um potencial que, até ao momento, ainda não se traduziu em riqueza para o conjunto da sociedade, por falta de organização e de medidas públicas eficazes.
Vejamos o cobre, por exemplo. Em 2021, escrevemos neste espaço que, se o preço da tonelada métrica de cobre (conforme as previsões do Bank of America e do Goldman Sachs) atingisse os 15 000 ou 20 000 dólares em 2025, o Executivo deveria empreender todos os esforços para que a mina de Mavoio, na província do Uíge, iniciasse a produção já em 2023 - como fora, de resto, prometido em 2021. Ora bem, o cobre ainda não chegou a esses patamares, mas mantém um valor atraente. De Janeiro a Maio, o preço médio foi de 9 354 dólares. Tudo indica que sendo um projecto privado o Executivo não se preocupou em assegurar que esta mina estivesse operacional na data prevista (2023), dentro das suas responsabilidades de criar condições para que o sector privado seja dinâmico e próspero, tal como recomenda a teoria económica. As últimas notícias indicam que as operações em Mavoio poderão arrancar agora em Setembro.
O mesmo se verifica na produção de café. Apesar de Angola ter sido o 4.º maior produtor mundial no tempo colonial, passados 23 anos de paz, dispondo de terras aráveis e inúmeros recursos hídricos, a verdade é que o Executivo não tem sido capaz de dinamizar a produção deste produto em larga escala (envolvendo tanto os grandes como os pequenos e médios agricultores). O preço do café robusta subiu consideravelmente sendo o preço médio este ano (Janeiro a Maio) 5.52 USD/Kg, o café arábica está nos 8.64 USD/Kg.
O ouro revela uma situação contrastante. De Janeiro a Maio, o seu preço médio por onça troy chegou a 3 022,96 USD. Angola é um dos países com produção de ouro, nas províncias de Cabinda e Huíla. Contudo, apesar de as notícias indicarem um aumento da produção, são muito mais as notícias do garimpo desenfreado deste mineral e dos danos ambientais e humanos que tal actividade tem estado a causar. O Código Mineiro (artigo 177.º Requisitos de acesso à mineração artesanal) no seu ponto 1 diz que "Os direitos mineiros para a produção artesanal apenas podem ser atribuídos a cidadãos nacionais maiores de 18 anos." Ao invés de se trabalhar para a transformação dos operadores artesanais em empresas de exploração semi-industriais, tal como prometido pelo Titular do Poder Executivo em 2019, na sua mensagem sobre o Estado da Nação, a preocupação tem sido criminalizar, impossibilitando grande parte da população de beneficiar dos recursos mineiros existentes naquelas zonas comercialmente inviáveis. Por que razão a criação de cooperativas não acontece de forma natural como indica o Código Mineiro?
Se para muitos países da África Subsariana a recuperação pós-Covid foi interrompida, para o caso de Angola defendemos no nosso livro "Covid-19 em Angola: O desafio de repensar o papel do Estado" que ela precisava estar alicerçada no sector produtivo. A recente queda do preço do barril de petróleo veio mostrar que isso ainda não estava a acontecer.
Leia o artigo integral na edição 831 do Expansão, de Sexta-feira, dia 20 de Junho de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)