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Opinião

Angola entre a reforma e a inércia

CHANCELA DO CINVESTEC

Não se pode ignorar que um dos maiores problemas da política pública em Angola é a tentativa de "fazer tudo" sem recursos suficientes. O Estado procura oferecer todos os serviços, mas sem condições para os financiar adequadamente. O resultado é que nada fica garantido, e o desperdício de recursos é inevitável.

Em Angola, discute-se muito sobre reformas, crescimento económico e futuro sustentável. Contudo, a prática tem mostrado que permanecemos presos a intenções pouco claras, sem um compromisso firme com mudanças estruturais que possam alterar de forma significativa o rumo do país. Três temas fundamentais, frequentemente negligenciados, devem ser encarados com seriedade: a reforma económica do Estado, a taxa de natalidade e o conhecimento. Juntos, eles definem não apenas a capacidade de Angola responder aos desafios actuais, mas sobretudo de construir um futuro mais competitivo e socialmente equilibrado.

A Reforma Económica do Estado

A reforma do Estado não deve ser vista como um conjunto de slogans políticos, mas como um processo concreto de reorganização de prioridades e de gestão eficiente dos recursos públicos. É fundamental começar por medidas simples, mas de grande impacto, como o registo claro da propriedade e a substituição do sistema de licenças por normas de aplicação directa e universal. A burocracia angolana continua a ser um entrave para a actividade económica. Empresas e cidadãos perdem tempo e recursos em processos que, em muitos casos, não têm qualquer racionalidade.

Outro pilar essencial é a aposta consistente em educação, saúde, segurança pública e segurança jurídica. Sem escolas funcionais, hospitais capazes, forças de segurança preparadas e tribunais independentes, não haverá crescimento económico sustentável. Estes não são gastos, mas sim investimentos indispensáveis para qualquer projecto de desenvolvimento.

Acresce ainda a necessidade urgente de reestruturar a gestão das infraestruturas básicas. As estradas em mau estado, a insuficiência no abastecimento de água, a instabilidade do fornecimento de energia eléctrica e a falta de saneamento adequado geram custos de contexto elevados. Hoje, famílias e empresas ainda são obrigadas a gastar parte significativa do seu rendimento em soluções improvisadas: cisternas, geradores, manutenção constante de equipamentos desgastados, etc. Estes custos reduzem a competitividade da economia e limitam a capacidade de poupança e de investimento. Não se pode ignorar que um dos maiores problemas da política pública em Angola é a tentativa de "fazer tudo" sem recursos suficientes. O Estado procura oferecer todos os serviços, mas sem condições para os financiar adequadamente. O resultado é que nada fica garantido, e o desperdício de recursos é inevitável. É preferível definir claramente quais os serviços que podem ser assegurados de acordo com as restrições orçamentais, garantindo a sua execução com qualidade, do que multiplicar promessas que podem nunca sair do papel.

A Questão Demográfica e a Taxa de Natalidade

Curiosamente, um dos temas mais relevantes para o futuro do país continua ausente da agenda política: a taxa de natalidade. Nos próximos anos, Angola verá crescer em milhões o número de pessoas em idade activa. À primeira vista, este fenómeno poderia ser um factor positivo, um "dividendo demográfico". Porém, quando a economia não tem capacidade para absorver esta nova força de trabalho, o que poderia ser uma oportunidade transforma-se num risco real de instabilidade social.

Os dados do Instituto Nacional de Estatística revelam que, entre 2021 e 2024, a taxa de actividade manteve-se próxima dos 90%, mas com uma leve tendência de declínio. O número é alto e revela uma realidade preocupante: a maioria das pessoas encontra-se ocupada em actividades informais, precárias e mal remuneradas. Com o crescimento populacional previsto até 2027, seriam necessários cerca de 720 mil novos empregos anuais. Ora, é evidente que a economia angolana não tem condições para criar tais postos de trabalho de forma sustentada.

Perante esta realidade, a população continuará a "desenrascar-se", criando os seus próprios empregos informais, sem protecção social, de baixa produtividade e com salários muito reduzidos. As consequências sociais são gravíssimas: crianças em idade escolar que ficam ao cuidado de irmãos mais velhos, abandono precoce da escola, desestruturação familiar e reprodução intergeracional da pobreza. Uma sociedade que forma gerações de jovens sem qualificação, sem produtividade e sem esperança dificilmente conseguirá quebrar o ciclo da miséria.

É preciso enfrentar a questão da natalidade com realismo e coragem. Não basta esperar que a economia se ajuste ao crescimento populacional; é fundamental adoptar políticas activas para reduzir a taxa de natalidade. É claro que esta não é uma tarefa apenas de economistas, mas também de especialistas em saúde pública, sociologia e educação. No entanto, o Estado deve assumir a responsabilidade de garantir, de forma voluntária ou coerciva, que os pais cumpram o seu dever básico: assegurar a alimentação, a educação e a saúde das crianças. Sem responsabilização parental séria, continuaremos a assistir à multiplicação de famílias incapazes de oferecer um futuro digno aos seus filhos.

Leia o artigo integral na edição 841 do Expansão, de sexta-feira, dia 29 de Agosto de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

Agostinho Mateus, Economista*

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