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Opinião

Fome aumenta em Angola e contrasta com ganhos estatísticos da agricultura

MILAGRE OU MIRAGEM?

O agravamento da fome em Angola desde 2016, agora confirmado pelo IGF, reflete a falta de acompanhamento e aproveitamento dos investimentos públicos já realizados no sector agrícola. A ausência de gestão eficaz destes activos compromete não apenas a capacidade produtiva do país, num contexto de substituição das importações, mas também contribui, de forma directa, para a deterioração das condições de vida dos angolanos.

O Índice Global da Fome (IGF) de 2025, destacado na Edição n.º 850 do Expansão, reforça a urgência de renovar o compromisso com o objetivo de erradicar a fome no mundo, o ambicionado "Fome Zero". Recorde-se que a meta "Fome Zero e Agricultura Sustentável" corresponde ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável n.º 2 das Nações Unidas. O IGF atribui uma pontuação entre 0 e 100, em que 0 representa ausência de fome e 100 a situação mais grave. No caso de Angola, os dados mostram que, após o fim da guerra civil, o país registou uma melhoria substancial, passando de 63,8 para 25,7 em 2016. No entanto, desde então, observa-se um retrocesso: a fome aumentou quatro pontos, atingindo 29,7 em 2025, cf. Estes dados são particularmente relevantes porque contrariam a narrativa decorrente da actualização do ano-base das Contas Nacionais de 2002 para 2015 (com a migração do SCN 1993 para o SCN 2008), publicada nas Contas Nacionais Anuais 2015-2024. Esse exercício estatístico do INE, que analisámos na Edição n.º 839, provocou uma reconfiguração significativa da estrutura sectorial do PIB. O sector da agricultura e silvicultura passou de 10% para 19% (+9 p.p.), enquanto o sector extrativo recuou de 29% para 19% (-10 p.p.). Assim, três sectores passaram a partilhar o protagonismo na economia nacional: agricultura (19%), setor extrativo (19%) e comércio (19%), seguindo-se a Administração Pública, Defesa e Segurança Social Obrigatória (8%) e a indústria transformadora (7,6%). Contudo, os números do IGF lançam sérias dúvidas sobre este "salto da gazela" que o INE atribui à agricultura. O que se pode inferir é que a redução da fome após 2002 se deveu sobretudo ao aumento das importações alimentares, possibilitado pela expansão das receitas petrolíferas, dinâmica já ilustrada neste espaço, e que, num contexto de crise associado à queda da produção e do preço do petróleo, sobretudo após 2015, a fome voltou a aumentar. No contexto regional, apenas a RDC apresenta uma tendência semelhante à de Angola, com agravamento da fome entre 2016 e 2025. Já a Zâmbia e a Namíbia têm conseguido reduzir de forma contínua os seus níveis de fome desde o início deste século XXI, cf. Gráfico 2. Este desempenho deve servir de referência e inspiração para a governação angolana. Importa aqui sublinhar que esta trajetória pode ser invertida, desde que o Executivo dedique maior atenção aos importantes investimentos públicos realizados em décadas anteriores em infraestruturas agrícolas, investimentos que, apesar de terem contribuído para o aumento da dívida externa, não estão hoje a gerar os resultados esperados. É o caso de vários perímetros irrigados, como o da Matala, e das grandes fazendas públicas (Pedras Negras, em Malanje; Sanza Pombo, no Uíge; Kamacupa, no Bié; Longa, no Cuito Cuanavale; Camaiangala, no Moxico; Manquete, no Cunene; e Cuimba, no Zaire). Na mais recente Mensagem sobre o Estado da Nação, o Presidente João Lourenço voltou a mencionar alguns destes projetos. Os dados do IGF evidenciam que, apesar do discurso político enfatizar o aumento da produção interna, especialmente de alimentos, Angola continua longe de estar no rumo certo para cumprir o ODS n.º 2. A dinamização dos projetos acima referidos poderia constituir, em nosso entender, um verdadeiro quick win: uma "vitória rápida", resultante de uma mudança simples - seja pela transferência da gestão para operadores privados ou através de parcerias público-privadas - capazes de gerar impactos positivos visíveis num curto prazo, com baixo custo e reduzido esforço adicional por parte do Estado. Em suma, o agravamento da fome em Angola desde 2016, agora confirmado pelo IGF, reflete a falta de acompanhamento e aproveitamento dos investimentos públicos já realizados no sector agrícola. A ausência de gestão eficaz destes activos compromete não apenas a capacidade produtiva do país, num contexto de substituição das importações, mas também contribui, de forma directa, para a deterioração das condições de vida dos angolanos.

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