Entre o imposto e a escritura |Desafios da tributação predial em Angola
Na maioria dos países, a administração do Imposto Predial é responsabilidade partilhada entre governos locais e central. Normalmente, as receitas deste imposto destinam-se ao financiamento de serviços públicos municipais. Em grande parte do continente africano, incluindo Angola, a cobrança do IP não tem acompanhado o processo de descentralização das despesas públicas.
A tributação sobre o património imobiliário exerce grande influência na receita pública da maioria dos Estados, pela sua importância na mobilização de fundos essenciais ao cumprimento das funções tradicionais do Estado, como a educação, a saúde e a segurança.
Contudo, segundo dados do International Centre for Tax and Development (ICTD), a cobrança efetiva do imposto sobre o património imobiliário varia entre 10% e 30% da receita prevista.
Em Angola, muitos potenciais contribuintes permanecem fora da base tributária por diversas razões, desde a ausência de registos prediais nas conservatórias, que inviabiliza a inscrição matricial nas repartições fiscais, até à falta de coordenação institucional que compromete tanto a valorização dos imóveis (mais-valias) como a arrecadação de receitas. Embora muitos desses problemas sejam de natureza técnica, existem desafios estruturais mais profundos que precisam de ser enfrentados.
Caso contrário, o tempo apenas agravará os entraves, gerando desequilíbrios nas bases materiais sobre as quais incide a tributação. Na maioria dos países, a administração do imposto predial é uma responsabilidade partilhada entre os governos locais e o governo central, sendo, por isso, classificada como um imposto local. Normalmente, as receitas provenientes deste imposto destinam-se ao financiamento de serviços públicos municipais.
Contudo, em grande parte do continente africano, incluindo Angola, a cobrança do imposto predial não tem acompanhado o processo de descentralização das despesas públicas.
A raiz do problema, porém, é amplamente conhecida: o registo precário da propriedade imobiliária. Essa lacuna provoca diversas iniquidades, pois uma pessoa física ou jurídica que detenha um imóvel, mesmo sem escritura pública é, para efeitos fiscais, equiparada a proprietária, ficando obrigada ao pagamento do imposto predial.
No entanto, essa mesma pessoa não pode utilizar o imóvel como garantia para aceder ao crédito bancário, uma vez que a hipoteca exige o registo predial formal do bem, ambivalente. Esta situação cria uma presunção que acaba por prejudicar tanto os particulares como a própria Administração Tributária.
O Código do Imposto Predial, aprovado pela Lei n.º 20/20, de 9 de julho, inclui na hipótese de incidência figuras como a detenção, o comodato, o usufruto e o domínio útil civil, etc. Porém, na prática, essas disposições esbarram na irregularidade do registo predial, afastando a aplicação efetiva da norma. As consequências são significativas. As empresas e famílias enfrentam perdas expressivas, e o ambiente de negócios permanece comprometido. Muitos promotores imobiliários não conseguem alienar ou hipotecar os seus imóveis por falta de registo, o que limita o investimento e a circulação de capital.
O não registo da propriedade imobiliária, portanto, constitui um obstáculo direto ao exercício do direito fundamental à propriedade e ao desenvolvimento económico do país.
Além disso, a irregularidade de muitos imóveis pertencentes a empresas impede o correto pagamento do imposto predial e a dedução de custos com rendas em sede do Imposto Industrial, o que agrava a carga fiscal e afeta a competitividade empresarial. Dessa forma, é necessário repensar o privilégio dado à transmissão fiscal em detrimento da transmissão civil, criando mecanismos que incentivem o registo e a formalização da propriedade.
Apenas assim será possível construir um sistema tributário mais justo, eficiente e promotor de desenvolvimento. Obviamente que, enquanto não houver uma solução essa ficção terá de continuar como uma solução prática (embora imperfeita) para permitir a tributação de imóveis mesmo quando a transmissão civil (ou seja, o registo predial formal) não foi feita. Por isso propõem-se:
01. Criação de uma plataforma nacional de registo imobiliário unificada e acessível a todas as instituições (Conservatórias, Administração Fiscal, Municípios, Notariado;
02.Programas temporários de incentivo ao registo predial, com redução de taxas e procedimentos administrativos mais ágeis;
03.Estabelecimento de protocolos entre o Ministério das Finanças, o Ministério da Justiça e o Ministério da Administração do Território para harmonizar dados e procedimentos;
04.Campanhas de sensibilização para a importância do registo e da formalização da propriedade, especialmente junto de pequenos proprietários; 05.Ajuste das normas que equiparam o detentor ao proprietário para fins fiscais, de modo a evitar injustiças e distorções económicas; 06.Parcerias entre o Estado e os bancos comerciais para facilitar o acesso ao crédito hipotecário para imóveis regularizados.
*António Rafael, Advogado e Docente Universitário
*Luís M. Lunga, Advogado
Edição 855 do Expansão, sexta-feira, dia 05 de Dezembro de 2025











