Falta de liquidez, cobranças, tarifas, subsidiodependência e dívidas são os principais entraves
O cenário não é novo e das 69 empresas que apresentaram contas de 2024 ao IGAPE, 39 registaram prejuízos. Entre os 56 relatórios e contas já publicados, 10 mostram capitais próprios negativos, cenário que poderá ser agravado quando forem divulgados os restantes 13. Transparência também piorou em 2024.
Num ano em que mais 3 empresas do Sector Empresarial Público (SEP) reportaram resultados negativos, para um total de 39, o Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE) identificou os grandes desafios que marcam o sector. Ao todo, são 60 problemas identificados pela instituição, que vão desde problemas relacionados com a falta de liquidez, dificuldades nas cobranças, tarifas baixas, subsidiodependência e excesso de dívidas. E há outros constrangimentos estruturais, como a necessidade de reforçar a eficiência operacional ou de melhorar a governação das empresas públicas.
Ao longo dos anos, a prestação de contas tem sido feita de altos e baixos. De acordo com o relatório agregado publicado pelo IGAPE, 69 empresas apresentaram as suas contas de 2024, menos uma do que em 2023. Dentro destas 69, quatro não apresentaram relatórios de gestão, três não apresentaram relatório do auditor externo (e por isso viram as contas chumbadas, menos 4 do que em 2023) e 11 não apresentaram o parecer do conselho fiscal. Por outro lado, o número de reservas dos auditores externos sobre as contas aumentou de 129, em 2023, para 141 em 2024.
No ano passado, o cenário do SEP agravou-se, já que apenas 25 empresas registaram lucros e 39 tiveram prejuízos, mais 3 do que em 2023. E se não fosse novamente a Sonangol (a campeã dos lucros), bem como o BPC e a Unitel, o agregado do SEP registaria ainda mais resultados negativos. Várias empresas estão em falência técnica e algumas destas entidades são persistentes nesta condição, como é o caso da Biocom, TCUL, Angola Telecom, ENDE, TPA ou a TAAG.
Até esta quarta-feira, no site do IGAPE apenas estavam publicados 56 dos 69 relatórios que a instituição diz lhe terem sido entregues relativos a contas de 2024. Entre as 56 empresas, 10 apresentavam capital próprio negativo, numa lista dominada pela Biocom (-471,0 mil milhões Kz), ENDE (-344,0 mil milhões) e Angola Telecom (-47,1 mil milhões), num cenário que reforça a necessidade de consolidar os mecanismos de supervisão e controlo para garantir maior transparência e eficiência.
Há, assim, vários problemas crónicos no SEP, que passam por questões de ineficiência e de má gestão, de pouca transparência na gestão e dependência financeira do Estado. As dificuldades transformaram-se em elevados passivos, baixos níveis de receitas operacionais, muitas vezes abaixo dos custos operacionais, com dívidas elevadas a fornecedores e a empresas também do Estado. É por isso que a ministra das Finanças, Vera Daves de Sousa, disse recentemente que ao longo dos anos "se acumularam erros, vícios e passivos que hoje pesam como um lastro" e que, por isso, é urgente reverter este quadro.
Mas também é nestas empresas que persistem os "job for the boys", não só ao nível dos conselhos de administração, mas também nos conselhos fiscais, onde muitas vezes os nomeados são altos quadros dos ministérios, que depois recebem como remuneração 50% do salário mensal dos quadros da administração dessas empresas. É por isso que especialistas têm defendido ao longo dos anos que é urgente acabar com estas nomeações para os conselhos fiscais e começar a colocar nestes lugares quadros que sejam efectivamente capacitados, qualificados e independentes para fazerem de "polícias" da gestão.
"Tudo passa por um processo de recrutamento livre de gestores, livre da interferência política, o que num contexto como o de Angola é uma missão impossível. Outra medida seria a implantação de contratos-programa com metas claras e acordadas previamente entre a gestão e o representante do accionista principal", defende o investigador económico e coordenador do Centro Investigação Social e Económica da Faculdade de Economia (UAN), Fernandes Wanda.
Esta questão dos contratos- -programa consta na Lei de Bases do Sector Empresarial Público, que remonta a 2013 e tem sido bastante defendida por especialistas ao longo dos anos, como forma de obrigar os gestores públicos a terem métricas e objectivos nas empresas que gerem, de forma a também poderem ser responsabilizados. Mas de lá para cá nada foi feito nesse sentido, o que facilitam a manutenção deste quadro de ineficiência e de subsidiodependência.
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